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ArribaAbajoHino ao sono


ArribaAbajoÓ sono! ó noivo pálido
das noites perfumosas,
que um chão de nebulosas
trilhas pela amplidão!
Em vez de verdes pâmpanos,  5
na branca fronte enrolas
as lânguidas papoulas,
que agita a viração.

Nas horas solitárias,
em que vagueia a lua,  10
e lava a planta nua
na onda azul do mar,
com um dedo sobre os lábios
no vôo silencioso,
vejo-te cauteloso  15
no espaço viajar!

Deus do infeliz, do mísero!
Consolação do aflito!
Descanso do precito,
que sonha a vida em ti!  20
Quando a cidade tétrica
de angústias e dor não geme...
É tua mão que espreme
a dormideira ali.

Em tua branca túnica  25
envolves meio mundo...
É teu seio fecundo.
De sonhos e visões,
dos templos aos prostíbulos,
desde o tugúrio ao Paço,  30
tu lanças lá do espaço
punhados de ilusões!...

Da vida o sumo rúbido,
do hatchiz a essência
o ópio, que a indolência  35
derrama em nosso ser,
não valem, gênio mágico,
teu seio, onde repousa
a placidez da lousa
e o gozo do viver...  40

Ó sono! Unge-me as pálpebras...
Entorna o esquecimento
na luz do pensamento,
que abrasa o crânio meu.
Como o pastor da Arcádia,  45
que uma ave errante aninha...
Minh'alma é uma andorinha...
Abre-lhe o seio teu.

Tu, que fechaste as pétalas
do lírio, que pendia,  50
chorando a luz do dia
e os raios do arrebol,
também fecha-me as pálpebras...
Sem Ela o que é a vida?...
Eu sou a flor pendida  55
que espera a luz do sol.

O leite das eufórbias
pra mim não é veneno...
ouve-me, ó Deus sereno!
Ó Deus consolador!  60
Com teu divino bálsamo
cala-me a ansiedade!
Mata-me esta saudade.
apaga-me esta dor.

Mas quando, ao brilho rútilo  65
do dia deslumbrante,
vires a minha amante
que volve para mim,
então ergue-me súbito...
É minha aurora linda...  70
Meu anjo... mais ainda...
É minha amante enfim!

Ó sono! Ó Deus noctívago!
Doce influência amiga!
Gênio que a Grécia antiga  75
chamava de Morfeu
ouve!... E se minha súplicas
em breve realizares...
Voto nos teus altares
Minha lira de Orfeu!...  80

São Paulo, 12 de julho de 1868




ArribaAbajoNo álbum do artista Luís C. Amoêdo


ArribaAbajoNos tempos idos... O alabastro, o mármore
reveste as formas desnuadas, mádidas
de Vênus ou Friné.
Nem um véu p'ra ocultar o seio trêmulo,
nem um tirso a velar a coxa pálida...  5
O olhar não sonha... vê!

Um dia o artista, num momento lúcido,
entre gazas de pedra a loura Aspásia
amoroso envolveu.
Depois, surpreso!... viu-a inda mais lânguida...  10
Sonhou mais doudo aquelas formas lúbricas...
Mais nuas sob um véu.

É o mistério do espírito... A modéstia
é dos talentos reis a santa púrpura...
Artista, és belo assim...  15
Este santo pudor é só dos gênios!-
Também o espaço esconde-se entre névoas...
E no entanto é... sem fim!

São Paulo, abril de 1868




ArribaAbajoVersos de um viajante



Ai! nenhum mago da Caldéia sábia
a dor abrandará que me devora.

Fagundes Varela                



ArribaAbajoTenho saudade das cidades vastas,
dos ínvios cerros, do ambiente azul...
Tenho saudade dos cerúleos mares,
das belas filhas do país do sul!

Tenho saudade de meus dias idos  5
-Pét'las perdidas em fatal paul-
pet'las, que outrora desfolhamos juntos,
morenas filhas do país do sul!

Lá onde as vagas nas areias rolam,
bem como aos pés da oriental 'Stambul...  10
e da Tijuca na nitente espuma
banham-se as filhas do país do sul.

Onde ao sereno a magnólia esconde
os pirilampos «de lanterna azul»,
os pirilampos, que trazeis nas coifas,  15
morenas filhas do país do sul.

Tenho saudades... ai de ti, São Paulo,
-Rosa de Espanha no hibernal Friul-
quando o estudante e a serenata acordam
as belas filhas do país do sul.  20

Das várzeas longas, das manhãs brumosas,
noites de névoa, ao rugitar do sul
quando eu sonhava nos morenos seios,
das belas filhas do país do sul.

Em caminho, fevereiro de 1870




ArribaAbajoOnde estás?


ArribaAbajoÉ meia-noite... e rugindo
passa triste a ventania,
como um verbo de desgraça,
como um grito de agonia.
E eu digo ao vento, que passa  5
por meus cabelos fugaz:
«Vento frio do deserto,
onde ela está? Longe ou perto?»
Mas, como um hálito incerto,
responde-me o eco ao longe:  10
«Oh! minh'amante, onde estás?...»

Vem! É tarde! Por que tardas?
São horas de brando sono,
vem reclinar-te em meu peito
com teu lânguido abandono!...  15
'Stá vazio nosso leito...
'stá vazio o mundo inteiro;
e tu não queres qu'eu fique
solitário nesta vida...
Mas por que tardas, querida?...  20
Já tenho esperado assaz...
vem depressa, que eu deliro
oh! minh'amante, onde estás?...

Estrela -na tempestade,
Rosa -nos ermos da vida,  25
Íris -do náufrago errante,
ilusão -d'alma descrida,
tu foste, mulher formosa!
Tu foste, ó filha do céu!...
... E hoje que o meu passado  30
para sempre morto jaz...
Vendo finda a minha sorte,
pergunto aos ventos do norte...
«Oh! minh'amante, onde estás?»

Bahia




ArribaAbajoA boa vista



Sonha, poeta, sonha! Aqui sentado
no tosco assento da janela antiga,
apóias sobre a mão a face pálida,
sorrindo -dos amores à cantiga.

Álvares de Azevedo                



ArribaAbajoEra uma tarde triste, mas límpida e suave...
Eu -pálido poeta- seguia triste e grave
a estrada, que conduz ao campo solitário,
como um filho, que volta ao paternal sacrário,
e ao longe abandonando o múrmur da cidade
-som vago, que gagueja em meio à imensidade-,
no drama do crepúsculo eu escutava atento
a surdina da tarde ao sol, que morre lento.

A poeira da estrada meu passo levantava,
porém minh'alma ardente no céu azul marchava
e os astros sacudia no vôo violento
-Poeira, que dormia no chão do firmamento.

A pávida andorinha, que o vendaval fustiga,
procura os coruchéus da catedral antiga.
Eu -andorinha entregue aos vendavais do inverno,
la seguindo triste pra o velho lar paterno.

Como a águia, que do ninho talhado no rochedo
ergue o pescoço calvo por cima do fraguedo,
-(Pra ver no céu a nuvem, que espuma o firmamento,
e o mar, -corcel, que espuma ao látego do vento...)
longe o feudal castelo levanta a antiga torre,
que aos raios do poente brilhante sol escorre!
Ei-lo soberbo e calmo o abutre de granito
mergulhando o pescoço no seio do infinito,
e lá de cima olhando com seus clarões vermelhos
os tetos, que a seus pés parecem de joelhos!...

Não! minha velha torre! Oh! atalaia antiga,
tu olhas esperando alguma face amiga,
e perguntas talvez ao vento, que em ti chora:
«Por que não volta mais o meu senhor d'outrora?
Por que não vem sentar-se no banco do terreiro
ouvir das criancinhas o riso feiticeiro,
e pensando no lar, na ciência, nos pobres
abrigar nesta sombra seus pensamentos nobres?
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Onde estão as crianças -grupo alegre e risonho
-que escondiam-se atrás do cipreste tristonho...
Ou que enforcaram rindo um feio Pulchinello,
Enquanto a doce Mãe, que é toda amor, desvelo,
Ralha com um rir divino o grupo folgazão.
Que vem correndo alegre beijar-lhe a branca mão?...»

É nisto que tu cismas, ó torre abandonada,
vendo deserto o parque e solitária a estrada.
No entanto eu -estrangeiro, que tu já não conheces-
no limiar de joelhos só tenho pranto e preces.

Oh! deixem-me chorar!... Meu lar... meu doce ninho!
Abre a vetusta grade ao filho teu mesquinho!
Passado -mar imenso!... inunda-me em fragrância!
eu não quero lauréis, quero as rosas da infância.

Ai! Minha triste fronte, aonde as multidões
lançaram misturadas glórias e maldições...
Acalenta em teu seio, ó solidão sagrada!
Deixa est'alma chorar em teu ombro encostada!

Meu lar está deserto... Um velho cão de guarda
veio saltando a custo roçar-me a testa parda
lamber-me após os dedos, porém a sós consigo
rusgando com o direito, que tem um velho amigo...

Como tudo mudou-se!... O jardim 'stá inculto
as roseiras morreram do vento ao rijo insulto...

A erva inunda a terra; o musgo trepa os muros
a urtiga silvestre enrola em nós impuros
uma estátua caída, em cuja mão nevada
a aranha estende ao sol a teia delicada!...
Mergulho os pés nas plantas selvagens, espalmadas,
as borboletas fogem-me em lúcidas manadas...
E ouvindo-me as passadas tristonhas, taciturnas,
os grilos, que cantavam, calaram-se nas furnas...

Oh! jardim solitário! Relíquia do passado!
Minh'alma, como tu, é um parque arruinado!
Morreram-me no seio as rosas em fragrância,
veste o pesar os muros dos meus vergéis da infância.
A estátua do talento, que pura em mim s'erguia,
jaz hoje -e nela a turba enlaça uma ironia!...
Ao menos como tu, lá d'alma num recanto
da casta poesia ainda escuto o canto,
-Voz do céu, que consola, se o mundo nos insulta,
e na gruta do seio murmura um treno oculta.

Entremos!... Quantos ecos na vasta escadaria,
nos longos corredores respondem-me à porfia!...

Oh! casa de meus pais!... A um crânio já vazio,
que o hóspede largando deixou calado e frio,
compara-te o estrangeiro -caminhando indiscreto
nestes salões imensos, que abriga o vasto teto.

Mas eu no teu vazio -vejo uma multidão
fala-me o teu silêncio -ouço-te a solidão!...
Povoam-se estas salas...

E eu vejo lentamente
no solo resvalarem falando tenuamente
dest'alma e deste seio as sombras venerandas
fantasmas adorados -visões sutis e brandas...

Aqui... além... mais longe... por onde eu movo o passo,
como aves, que espantadas arrojam-se ao espaço,
saudades e lembranças s'erguendo -bando alado-
roçam por mim as asas voando pra o passado.

Boa Vista, 18 de novembro de 1867




ArribaAbajoA uma estrangeira


Lembrança de uma noite no mar


Sens-tu mon coeur, comme il palpite?
Le tien comme il battait gaiement!
Je m'en vais pourtant, ma petite,
bien loin, bien vite,
toujours t'aimant.

Chanson                



ArribaAbajoInês! nas terras distantes,
aonde vives talvez,
inda lembram-te os instantes
daquela noite divina?...
estrangeira, peregrina,  5
quem sabe? -Lembras-te, Inês?

Branda noite! A noite imensa
não era um ninho? -Talvez!...
Do Atlântico a vaga extensa
não era um berço? -Oh! se o era...  10
Berço e ninho... ai, primavera!
O ninho, o berço de Inês.

Às vezes estremecias...
Era de febre? Talvez!...
Eu pegava-te as mãos frias  15
pra aquentá-las em meus beijos...
Oh! palidez! Oh! desejos!
Oh! longos cílios de Inês

Na proa os nautas cantavam;
eram saudades?... Talvez!  20
Nossos beijos estalavam
como estala a castanhola...
Lembras-te acaso, espanhola?
Acaso lembras-te, Inês?

Meus olhos nos teus morriam...  25
seria vida? -Talvez!
e meus prantos te diziam:
«Tu levas minh'alma, ó filha,
nas rendas desta mantilha...
na tua mantilha, Inês!»  30

De Cádiz o aroma ainda
tinhas no seio... -Talvez!
de Buenos Aires a linda,
volvendo aos lares, trazia
as rosas de Andaluzia  35
nas lisas faces de Inês!

E volvia a Americana
do Plata às vagas... Talvez?
E a brisa amorosa, insana
misturava os meus cabelos  40
aos cachos escuros, belos,
aos negros cachos de Inês!

As estrelas acordavam
do fundo do mar... Talvez!
Na proa as ondas cantavam.  45
e a serenata divina
tu, com a ponta da botina,
marcavas no chão... Inês!

Não era cumplicidade
do céu, dos mares? Talvez!  50
Dir-se-ia que a imensidade
-conspiradora mimosa-
dizia à vaga amorosa:
«Segreda amores à Inês!»

E como um véu transparente,  55
um véu de noiva... talvez,
da lua o raio tremente
te enchia de casto brilho...
E a rastos no tombadilho
caía a teus pés... Inês!...  60

E essa noite delirante
pudeste esquecer? -Talvez...
Ou talvez que neste instante,
lembrando-te inda saudosa,
suspires, moça formosa!...  65
Talvez te lembres... Inês!

Curralinho, 2 de julho de 1870




ArribaAbajoPerseverando


A Regueira Costa



Tradução de Victor Hugo




ArribaAbajoA águia é o gênio... Da tormenta o pássaro,
que do monte arremete o altivo píncaro,
qu'ergue um grito aos fulgores do arrebol,
cuja garra jamais se peia em lodo,
e cujo olhar de fogo troca raios  5
-contra os raios do sol.

Não tem ninho de palhas... tem um antro
-rocha talhada ao martelar do raio,
-brecha em serra, ant'a qual o olhar tremeu...
No flanco da montanha -asilo trêmulo,  10
que sacode o tufão entre os abismos
-o precipício e o céu.

Nem pobre verme, nem dourada abelha
nem azul borboleta... sua prole
faminta, boquiaberta espera ter...  15
Não! São aves da noite, são serpentes,
são lagartos imundos, que ela arroja
aos filhos pra viver.

Ninho de rei!... palácio tenebroso,
que a avalanche a saltar cerca tombando!...  20
O gênio aí enseiva a geração...
e ao céu lhe erguendo os olhos flamejantes
sob as asas de fogo aquenta as almas
que um dia voarão.

Por que espantas-te, amigo, se tua fronte  25
já de raios pejada, choca a nuvem?...
Se o reptil em teu ninho se debate?...
É teu folgar primeiro... é tua festa!...
Águias! Pra vós cad'hora é uma tormenta,
cada festa um combate!...  30

Radia!... É tempo!... E se a lufada erguer-se
muda a noite feral em prisma fúlgido!
De teu alto pensar completa a lei!...
Irmão! -Prende esta mão de irmão na minha!
Toma a lira -Poeta! Águia!- esvoaça!  35
sobe, sobe, astro-rei!...

De tua aurora a bruma vai fundir-se
águia! faz-te mirar do sol, do raio;
arranca um nome no febril cantar.
Vem! A glória, que é o alvo de vis setas,  40
é bandeira arrogante, que o combate
embeleza ao rasgar.

O meteoro real -de coma fúlgida-
rola e se engrossa ao devorar dos mundos...
Gigante! Cresces todo dia assim!...  45
Tal teu gênio, arrastando em novos trilhos
no curso audaz constelações de idéias,
marcha e recresce no marchar sem fim!...

Santo Amaro, Pernambuco, 1867




ArribaAbajoO coração


ArribaAbajoO coração é o colibri dourado
das veigas puras do jardim do céu.
Um -tem o mel da granadilha agreste,
bebe os perfumes, que a bonina deu.

O outro -voa em mais virentes balsas,  5
pousa de um riso na rubente flor.
Vive do mel -a que se chama- crenças-,
Vive do aroma -que se diz- amor.-

Recife, 1865




ArribaAbajoMurmúrios da tarde



Écoute! tout se tait; songe à ta bien aimée,
ce soir, sous les tilleuls, à la sombre ramée,
le rayon du couchant laisse un adieu plus doux;
ce soir, tout va fleurir: l'immortelle nature
se remplit de parfums, d'amour et de murmure,
comme le lit joyeux de deux jeunes époux.

Alfred de Musset                



Rosa! Rosa de amor purpúrea e bela.

Garrett                



ArribaAbajoOntem à tarde, quando o sol morria,
a natureza era um poema santo.
De cada moita a escuridão saía,
de cada gruta rebentava um canto,
ontem à tarde, quando o sol morria.  5

Do céu azul na profundeza escura
brilhava a estrela, como um fruto louro,
e qual a foice, que no chão fulgura,
mostrava a lua o semicírc'lo d'ouro,
do céu azul na profundeza escura.  10

Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho -suspirava o lago...
E a verde pluma dos sutis palmares
tinha das ondas o murmúrio vago...
Larga harmonia embalsamava os ares.  15

Era dos seres a harmonia imensa
vago concerto de saudade infinda!
«Sol -não me deixes» diz a vaga extensa.
«Aura -não fujas» diz a flor mais linda;
era dos seres a harmonia imensa!  20

«Leva-me! leva-me em teu seio amigo»
Dizia às nuvens o choroso orvalho,
«Rola que foges» diz o ninho antigo,
«Leva-me ainda para um novo galho...
Leva-me! leva-me em teu seio amigo.»  25

«Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!»
«Inda um calor, antes que chegue o frio...»
E mais o musgo se conchega à penha
e mais à penha se conchega o rio...
«Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!»  30

E tu no entanto no jardim vagavas,
rosa de amor, celestial Maria...
Ai! como esquiva sobre o chão pisavas,
Ai! como alegre a tua boca ria...
E tu no entanto no jardim vagavas.  35

Eras a estrela transformada em virgem!
Eras um anjo, que se fez menina!
Tinhas das aves a celeste origem.
Tinhas da lua a palidez divina,
Eras a estrela transformada em virgem!  40

Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto.
Que bela rosa! que fragrância meiga!
Dir-se-ia um riso no jardim aberto,
dir-se-ia um beijo, que nasceu na veiga...
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto!...  45
E eu, que escutava o conversar das flores,
ouvi, que a rosa murmurava ardente:
«Colhe-me, ó virgem, -não terei mais dores,
guarda-me, ó bela, no teu seio quente...»

E eu escutava o conversar das flores.  50
«Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!»
Também então eu murmurei cismando...
«Minh'alma é rosa, que a geada esfria...
Dá-lhe em teus seios um asilo brando...
Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!...»  55

Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1869




ArribaAbajoPelas sombras


Ao padre Francisco de Paula




C'est que je suis frappé du doute
c'est que l'étole de la foi
n'éclaire plus ma noire route:
Tout est abîme autour de moi!

La Morvonnais                



ArribaAbajoSenhor! A noite é brava... a praia é toda escolhos
ladram na escuridão das Circes as cadelas...
as lívidas marés atiram, a meus olhos,
cadáveres, que riem à face das estrelas!

Da garça do oceano as ensopadas penas
o mórbido suor enxugam-me da testa.
Na aresta do rochedo o pé se firma apenas...
No entanto ouço do abismo a rugidora festa!...

Nas orlas de meu manto o vendaval s'enrola...
Como invisível destra açoita as faces minhas...
Enquanto que eu tropeço... um grito ao longe rola...
«Quem foi?» perguntam rindo as solidões marinhas.

Senhor! Um facho ao menos empresta ao caminhante.
A treva me assoberba... Ó Deus! dá-me um clarão!

E uma Voz respondeu nas sombras triunfante:
«Acende, ó Viajor! -o facho da Razão!»

[...]

Senhor! Ao pé do lar, na quietação, na calma
pode a flama subir brilhante, loura, eterna;
mas quando os vendavais, rugindo, passam n'alma,
quem pode resguardar a trêmula lanterna?
Torcida... desgrenhada aos dedos da lufada
bateu-me contra o rosto... e se abismou na treva.
Eu vi-a vacilar... e minha mão queimada
a lâmpada sem luz embalde ao raio eleva.

Quem fez a gruta -escura, o pirilampo cria!
quem fez a noite -azul, inventa a estrela clara!
na fronte do oceano -acende uma ardentia!
Com o floco do Santelmo -a tempestade aclara!
Mas ai! Que a treva interna -a dúvida constante-
deixaste assoberbar-me em funda escuridão!...

E uma Voz respondeu nas sombras triunfante:
«Acende, ó Viajor! a Fé no Coração!...»

Curralinho, 5 de junho de 1870




ArribaAbajoOde ao dous de julho


Recitada no teatro de São Paulo




ArribaAbajoEra no Dous de Julho. A pugna imensa
travara-se nos serros da Bahia...
O anjo da morte pálido cosia
uma vasta mortalha em Pirajá.
Neste lençol tão largo, tão extenso,
como um pedaço roto do infinito...
O mundo perguntava erguendo um grito:
Qual dos gigantes morto rolará?!...

Debruçados do céu... a noite e os astros
seguiam da peleja o incerto fado...
Era a tocha -o fuzil avermelhado!
Era o circo de Roma -o vasto chão!
Por palmas -o troar da artilharia!
Por feras -os canhões negros rugiam!
Por atletas -dous povos se batiam!
Enorme anfiteatro -era a amplidão!

Não! Não eram dous povos, que abalavam
naquele instante o solo ensangüentado...
Era o porvir -em frente do passado,
a liberdade -em frente à escravidão.
Era a luta das águias -e do abutre,
a revolta do pulso -contra os ferros,
o pugilato da razão -com os erros,
o duelo da treva -e do clarão!...

No entanto a luta recrescia indômita...
as bandeiras -como águias eriçadas-
se abismavam com as asas desdobradas
na selva escura da fumaça atroz...
Tonto de espanto, cego de metralha
o arcanjo do triunfo vacilava...
E a glória desgrenhada acalentava
o cadáver sangrento dos heróis!...

[...]

Mas quando a branca estrela matutina
surgiu do espaço... e as brisas forasteiras
no verde leque das gentis palmeiras
foram cantar os hinos do arrebol,
lá do campo deserto da batalha
uma voz se elevou clara e divina:
Eras tu -liberdade peregrina!
Esposa do porvir -noiva do sol!...

Eras tu que com os dedos ensopados
no sangue dos avós mortos na guerra,
livre sagravas a Colúmbia terra,
sagravas livre a nova geração!
Tu que erguias, subida na pirâmide,
formada pelos mortos do Cabrito,
um pedaço de gládio -no infinito...
Um trapo de bandeira -n'amplidão!...

São Paulo, julho de 1868




ArribaAbajoA duas flores


ArribaAbajoSão duas flores unidas,
são duas rosas nascidas
talvez no mesmo arrebol,
vivendo no mesmo galho,
da mesma gota de orvalho,  5
do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
das duas asas pequenas
de um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,  10
como a tribo de andorinhas
da tarde no frouxo véu

unidas, bem como os prantos,
que em parelha descem tantos
das profundezas do olhar...  15
Como o suspiro e o desgosto,
como as covinhas do rosto,
como as estrelas do mar.
Unidas... Ai quem pudera
numa eterna primavera  20
viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
na rama verde e florida,
na verde rama do amor!

Curralinho, março de 1870




ArribaAbajoO tonel das danaides


Diálogo


ArribaAbajoNa torrente caudal de seus cabelos negros
alegre eu embarquei da vida a rubra flor.

-Poeta! Eras o Doge o anel lançando às ondas...
ao fundo de um abismo... arremessaste o amor.

Depois minh'alma ao som da Lira de cem vozes  5
sublimes fantasias em notas desfolhou.

-Cleópatra também pra erguer no Tibre a espuma
as pérolas do colar nas vagas desfiou!

Depois fiz de meu verso a púrpura escarlate
Por onde ela pisasse em marcha triunfal!  10

-Como Hércules, volveste aos pés da insana Onfália
o fuso feminil de uma paixão fatal.

Um dia ela me disse: «Eu sou uma exilada!»
Ergui-me... e abandonei meu lar e meu país...

-Assim o filho pródigo atira as vestes quentes  15
e treme no caminho aos pés da meretriz.

E quando debrucei-me à beira daquela alma
pra ver toda riqueza e afetos que lhe dei!...

-Ai! nada mais achaste! o abismo os devorara...
O pego se esqueceu da dádiva do Rei!  20

Na gruta do chacal ao menos restam ossos...
Mas tudo sepultou-me aquele amor cruel!

-Poeta! O coração da fria Messalina
é das fatais Danaides o pérfido Tonel!

14 de outubro de 1869




ArribaAbajoA Luís


No dia de seu natalício

A imaginação, com o vôo ousado,
aspira a princípio à eternidade... Depois um
pequeno espaço basta em breve para os destroços
de nossas esperanças iludidas!...


Goethe                



ArribaAbajoComo um perfume de longínquas plagas
traz o vento da pátria ao peregrino,
ó meu amigo! que saudade infinda
tu me trazes dos tempos de menino!

É o ledo enxame de sutis abelhas  5
que vem lembrar à flor o mel d'aurora...
Acres perfumes de uma idade ardente
quando o lábio sorri... mas nunca chora!

Que tempos idos! que esperanças louras!
Que cismas de poesia e de futuro!  10
Nas páginas do triste Lamartine
quanto sonho de amor pousava puro!...

E tu falavas de um amor celeste,
de um anjo, que depois se fez esposa...
-Moça, que troca os risos de criança  15
pelo meigo cismar de mãe formosa.

Oh! meu amigo! neste doce instante
o vento do passado em mim suspira,
e minh'alma estremece de alegria,
como ao beijo da noite geme a lira.  20

Tu paraste na tenda, ó peregrino!
eu vou seguindo do deserto a trilha;
pois bem... que a lira do poeta errante
seja a bênção do lar e da família.

Rio, fevereiro de 1868




ArribaAbajoDalila


Fair defect of nature.


Paradise Lost - Milton                



ArribaAbajoFoi desgraça, meu Deus!... Não!... Foi loucura
pedir seiva de vida -à sepultura,
em gelo -me abrasar,
pedir amores -a Marco sem brio,
e a rebolcar-me em leito imundo e frio
-A ventura buscar.

Errado viajor -sentei-me à alfombra
e adormeci da mancenilha à sombra
em berço de cetim...
Embalava-me a brisa no meu leito...
Tinha o veneno a lacerar-me o peito
-A morte dentro em mim...

Foi loucura!... No ocaso -tomba o astro;
a estátua branca e pura de alabastro
-se mancha em lodo vil...
Quem rouba a estrela -à tumba do ocidente?
Que Jordão lava na lustral corrente
O marmóreo perfil?...

[...]

Talvez!... Foi sonho!... Em noite nevoenta
ela passou sozinha, macilenta
tremendo a soluçar...
Chorava -nenhum eco respondia...
Sorria -a tempestade além bramia...
E ela sempre a marchar.
E eu disse-lhe: Tens frio? -arde minha alma.
Tens os pés a sangrar? -podes em calma
dormir no peito meu.
Pomba errante -é meu peito um ninho vago!
Estrela -tens minha alma- imenso lago-
Reflete o rosto teu!...

E amamos... Este amor foi um delírio...
Foi ela minha crença, foi meu lírio,
minha estrela sem véu...
Seu nome era o meu canto de poesia,
que com o sol -pena de ouro- eu escrevia
nas lâminas do céu.

Em seu seio escondi-me... como à noite
incauto colibri, temendo o açoite
das iras do tufão,
a cabecinha esconde sob as asas,
faz seu leito gentil por entre as gazas
da rosa do Japão.

E depois... embalei-a com meus cantos
seu passado esqueci... lavei com prantos
seu lodo e maldição...
... Mas um dia acordei... E mal desperto
olhei em torno a mim... -Tudo deserto...
Deserto o coração...

Ao vento, que gemia pelas franças
por ela perguntei... de suas tranças
à flor que ela deixou...
Debalde... Seu lugar era vazio...
E meu lábio queimado e o peito frio,
foi ela que o queimou...

Minha alma nodoou no ósculo imundo,
bem como Satanás -beijando o mundo-
manchou a criação,
simum -crestou-me da esperança as flores...
Tormenta -ela afogou nos seus negrores
a luz da inspiração...

Vai, Dalila!... É bem longa tua estrada...
é suave a descida -terminada
em báratro cruel.
Tua vida -é um banho de ambrosia...
Mais tarde a morte e a lâmpada sombria
pendente do bordel.

Hoje flores... A música soando...
As perlas do Champagne gotejando
em taças de cristal.
A volúpia a escaldar na louca insônia...
Mas sufoca os festins de Babilônia
a legenda fatal.

Tens o seio de fogo e a alma fria.
O cetro empunhas lúbrico da orgia
em que reinas tu só!...
Mas que finda o ranger de uma mortalha,
a enxada do coveiro que trabalha
a revolver o pó.

Não te maldigo, não!... Em vasto campo
julguei-te -estrela,- e eras -pirilampo
em meio à cerração...
Prometeu -quis dar luz á fria argila...
Não pude... Pede a Deus, louca Dalila,
a luz da redenção!!...

Recife, 1864




ArribaAbajoAs duas ilhas


Sobre uma página da poesia de Victor Hugo, com o mesmo título.




ArribaAbajoQuando à noite -às horas mortas-
o silêncio e a solidão
-sob o dossel do infinito-
dormem do mar n'amplidão,
vê-se, por cima dos mares,  5
rasgando o teto dos ares
dous gigantescos perfis...
Olhando por sobre as vagas,
atentos, longínquas plagas
ao clarear dos fuzis.  10

Quem os vê, olha espantado
e a sós murmura: «O que é?
Ai! que atalaias gigantes,
são essas além de pé?...»
Adamastor de granito  15
co'a testa roça o infinito
e a barba molha no mar;
e de pedra a cabeleira
sacudind'a onda ligeira
faz de medo recuar...  20

São -dous marcos miliários,
que Deus nas ondas plantou.
Dous rochedos, onde o mundo
dous Prometeus amarrou!...
-Acolá... (Não tenhas medo!...)  25
é Santa Helena -o rochedo
desse Titã, que foi rei!...
-Ali... (Não feches os olhos!...)
ali... aqueles abrolhos
são a ilha de Jersey!...  30

São eles -os dous gigantes
no século de pigmeus.
São eles -que a majestade
arrancam da mão de Deus.
-Este concentra na fronte  35
mais astros -que o horizonte,
mais luz -do que o sol lançou!...
-Aquele -na destra alçada
traz segura sua espada
-cometa, que ao céu roubou!...  40

E olham os velhos rochedos
o Sena, que dorme além...
e a França, que entre a caligem
dorme em sudário também...
E o mar pergunta espantado:  45
«Foi deveras desterrado
Buonaparte -meu irmão?...»
Diz o céu astros chorando:
«Hugo?...» E o mundo pasmando
Diz: «Hugo... Napoleão!...»  50

Como vasta reticência
se estende o silêncio após...
És muito pequena, ó França,
pra conter estes heróis...
Sim! que estes vultos augustos  55
para o leito de Procustos
muito grandes Deus traçou...
Basta os reis tremam de medo
se a sombra de algum rochedo
sobre eles se projetou!...  60

Dizem que, quando, alta noite,
dorme a terra -e vela Deus,
as duas ilhas conversam
sem temor perante os céus.
-Jersey curva sobre os mares  65
à Santa Helena os pensares
segreda do velho Hugo...
-E Santa Helena no entanto
No Salgueiro enxuga o pranto
e conta o que Ele falou...  70

E olhando o presente infame
clamam: «Da turba vulgar
nós -infinitos de pedra-
nós havemo-los vingar!...»
E do mar sobre as escumas,  75
e do céu por sobre as brumas,
um ao outro dando a mão...
Encaram a imensidade
bradando: «A Posteridade!...»
Deus ri-se e diz: «Inda não!...»  80

Recife, 1865




ArribaAbajoAo ator Joaquim Augusto


ArribaAbajoUm dia Pigmalião -o estatuário
da oficina no tosco santuário
pôs-se a pedra a talhar...
Surgem contornos lânguidos, amenos...
e dos flocos de mármore outra Vênus  5
Surge dest'outro mar.

De orgulho o mestre ri... A estátua é bela!
da Grécia as filhas por inveja dela
vão nas grutas gemer...
Mas o artista soluça: «Ó Grande Jove!  10
Ela é bela... bem sei -mas não se move!
É sombra -e não mulher!»

Então do excelso Olimpo o deus-tonante
manda que desça um raio fulgurante
à tenda do escultor.  15
Vive a estátua! Nos olhos -treme o pejo,
vive a estátua!... Na boca -treme um beijo,
nos seios -treme amor.

O poeta é -o moderno estatuário
que na vigília cria solitário  20
visões de seio nu!
O mármore da Grécia -é o novo drama!
Mas o raio vital quem lá derrama?...
É Júpiter!... És tu!...

Como Gluck nas selvas aprendia  25
ao som do violoncelo a melodia
da santa inspiração,
assim bebes atento a voz obscura
do vento das paixões na selva escura
chamada -multidão.  30

Gargalhadas, suspiros, beijos, gritos,
cantos de amor, blasfêmias de precitos,
choro ou reza infantil,
tudo colhes... e voltas co'as mãos cheias,
-O crânio largo a transbordar de idéias  35
e de criações mil.

Então começa a luta, a luta enorme.
Desta matéria tosca, áspera, informe,
que na praça apanhou,
teu gênio vai forjar novo tesouro...  40
O cobre escuro vai mudar-se em ouro,
como Fausto o sonhou!

Glória ao mestre! Passando por seus dedos
dói mais a dor... os risos são mais ledos...
O amor é mais do céu...  45
Rebenta o ouro desta fronte acesa!
O artista corrigiu a natureza!
O alquimista venceu!

Então surges, Ator! e do proscênio
atiras as moedas do teu gênio  50
às pasmas multidões.
Pródigo enorme! a tua enorme esmola
cunhada pela efígie tua rola
nos nossos corações.

Por isso agora, no teu almo dia,  55
vieram dando as mãos à Poesia
e o povo, bem o vês;
como nos tempos dessa Roma antiga
aos pés desse outro Augusto a plebe amiga
atirava lauréis...  60

Augusto! E o nome teu não se desmente...
O diadema real na vasta frente
cinges... eu bem o sei!
mandas no povo deste novo Lácio...
e os poetas repetem como Horácio:  65
«Salve! Augusto! Rei!»

São Paulo, outubro de 1868




ArribaAbajoOs anjos da meia-noite


Fotografias


I


ArribaAbajoQuando a insônia, qual lívido vampiro,
como o arcanjo da guarda do Sepulcro,
vela à noite por nós,
e banha-se em suor o travesseiro,
e além geme nas franças do pinheiro
da brisa a longa voz...

Quando sangrenta a luz no alampadário
estala, cresce, expira, após ressurge,
como uma alma a penar;
e canta aos guizos rubros da loucura
a febre -a meretriz da sepultura-
a rir e a soluçar...

Quando tudo vacila e se evapora,
muda e se anima, vive e se transforma,
cambaleia e se esvai...
E da sala na mágica penumbra...
Um mundo em trevas rápido se obumbra...
E outro das trevas sai...

[...]

Então... nos brancos mantos, que arregaçam
da meia-noite os Anjos alvos passam
em longa procissão!
E eu murmuro ao fitá-los assombrado:
São os Anjos de amor de meu passado
que desfilando vão...

Almas, que um dia no meu peito ardente
derramastes dos sonhos a semente,
mulheres, que eu amei!
Anjos louros do céu! virgens serenas!
Madonas, Querubins, ou Madalenas!
Surgi! aparecei!

Vinde, fantasmas! Eu vos amo ainda;
acorde-se a harmonia à noite infinda
ao roto bandolim...

[...]

E no éter, que em notas se perfuma,
as visões s'alteando uma por uma...
Vão desfilando assim!...




ArribaAbajo1ª sombra


Marieta


ArribaAbajoComo o gênio da noite, que desata
o véu de rendas sobre a espádua nua,
ela solta os cabelos... Bate a lua
nas alvas dobras de um lençol de prata...

O seio virginal, que a mão recata,  5
embalde o prende a mão... cresce, flutua...
Sonha a moça ao relento... Além na rua
preludia um violão na serenata!...

... Furtivos passos morrem no lajedo...
Resvala a escada do balcão discreta...  10
Matam lábios os beijos em segredo...

Afoga-me os suspiros, Marieta!
Oh surpresa! oh palor! oh pranto! oh medo!
Ai! noites de Romeu e Julieta!...




ArribaAbajo2ª sombra


Bárbara


ArribaAbajoErguendo o cálixe, que o Xerez perfuma,
loura a trança alastrando-lhe os joelhos,
dentes níveos em lábios tão vermelhos,
como boiando em purpurina escuma;

um dorso de Valquíria... alvo de bruma,  5
pequenos pés sob infantis artelhos,
olhos vivos, tão vivos, como espelhos,
mas como eles também sem chama alguma;

garganta de um palor alabastrino,
que harmonias e músicas respira...  10
No lábio -um beijo... no beijar- um hino;

harpa eólia a esperar que o vento a fira,
-um pedaço de mármore divino...
E o retrato de Bárbara -a Hetaira.-




ArribaAbajo3ª sombra


Ester


ArribaAbajoVem! no teu peito cálido e brilhante
o nardo oriental melhor transpira!...
Enrola-te na longa caxemira,
como as Judias moles do Levante,

alva a clâmide aos ventos -roçagante...,  5
túmido o lábio, onde o saltério gira...
Ó musa de Israel! pega da lira...
Canta os martírios de teu povo errante!

Mas não... brisa da pátria além revoa,
e ao delamber-lhe o braço alabastro,  10
falou-lhe de partir... e parte... e voa...

Qual nas algas marinhas desce um astro...
Linda Ester! teu perfil se esvai... s'escoa...
Só me resta um perfume... um canto... um rastro...




ArribaAbajo4ª sombra


Fabíola


ArribaAbajoComo teu riso dói... como na treva
os lêmures respondem no infinito:
Tens o aspecto do pássaro maldito,
que em sânie de cadáveres se ceva!

Filha da noite! A ventania leva  5
um soluço de amor pungente, aflito...
Fabíola! É teu nome!... Escuta... é um grito,
que lacerante para os céus s'eleva!...

E tu folgas, Bacante dos amores,
e a orgia, que a mantilha te arregaça,  10
enche a noite de horror, de mais horrores...

É sangue, que referve-te na taça!
É sangue, que borrifa-te estas flores!
É este sangue é meu sangue... é meu... Desgraça!




ArribaAbajo5ª e 6ª sombras


Cândida e Laura


ArribaAbajoComo no tanque de um palácio mago,
dous alvos cisnes na bacia lisa,
como nas águas, que o barqueiro frisa,
dous nenúfares sobre o azul do lago,

como nas hastes em balouço vago  5
dous lírios roxos, que acalenta a brisa,
como um casal de juritis, que pisa
o mesmo ramo no amoroso afago...,

quais dous planetas na cerúlea esfera,
como os primeiros pâmpanos das vinhas,  10
como os renovos nos ramais da hera,
eu vos vejo passar nas noites minhas,
crianças, que trazeis-me a primavera...
Crianças, que lembrais-me as andorinhas!...

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