Selecciona una palabra y presiona la tecla d para obtener su definición.
Indice
Abajo

O Cancioneiro de Martin Codax

Celso Cunha



  —1→  

imagen

  —2→     —3→  

imagen

  —4→     —5→  

imagen

  —6→     —7→  

imagen

  —8→     —9→  

imagen

  —10→     —11→  

No se acerque a él.... quién no tenga el ánimo educado para sentir lo primitivo, lo rústico y lo candoroso.


MENÉNDEZ PELAYO                






  —12→     —13→  

ArribaAbajoO apelido Codax

Yo no digo esta cancion sino a quien comigo va.


Romance del Conde Arnaldos1                


Sete cantigas paralelísticas, talvez as mais apreciadas do trovadorismo galego-português, atribuem os apógrafos italianos e o Pergaminho Vindel a MARTIM CODAX, ou CODAZ,

Se o prenome MARTIN, largamente documentado desde os começos do idioma2 e comum a vários trovadores e jograis3, não apresenta particularidade maior, o estranho apelido do poeta é ainda hoje um enigma a desafiar a perspicácia de filólogos e curiosos. Hipóteses, mais ou menos engenhosas, têm sido aventadas para explicar o antropônimo que cinco vêzes aparece nos códices, quatro sob a forma Codax e uma sob a forma Codaz A primeira é a grafia que se lê, claramente, no PV, na Tavola Colocciana; n.º 1278 e na cabeça das cantigas 884 do Cancioneiro da Vaticana e 1278 do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (antigo Colocci-Brancuti); a segunda é atestada apenas pela curiosa nota inserta, no fim da cantiga 882 de V__


m' codaz esta nõ acho põchada4


  —14→  

__inexistente no texto de B 1276, que conserva a mesma composição de MARTIN DE GIINZO. Com exeçaão de VARNHAGEN, que escreve CODAZ5, os editôres da lírica medieval galego-portuguêsa adotam a grafia predominante nos códices, embora, de regra, admitam que os símbolos -x e -z representem o mesmo fonema.

Cronològicamente, foi PEDRO VINDEL quem primeiro tentou aclarar o sentido do obscuro antropônimo. Em seu entender, «el Codax que varios autores dan como apellido pudiera ser la palabra 'Códice', equivalente a 'obra de....' Es decir, que, en lugar de 'Martin Codax', pudiera entenderse 'Martin Códice', o sea 'Libro de Martin'»6. Tal conjectura, por êle própio considerada «sencilla y acaso inocente», é inverossímil, de todo infundada em referência ao PV, um rôlo ou fôlha sôlta, o contrário portanto de codex, palavra erudita e inexistente na época, sinônimo de livro ou caderno manuscrito, ou seja, conjunto de fôlhas dobradas7. Além disso, insólito seria o emprêgo de um genitivo, Martin, en vez de Martini, e anteposto a Codax (Codex ou Códice). «Una indicazione del genere di tali termini», observa SILVIO PELLEGRINI, «non avrebbe riscontri nei canzioneri portoghesi»8.

Resenhando a publicação de VINDEL, D. CAROLINA MICHAËLIS DE VASCONCELOS sigeriu duas hipóteses interpretativas do apelido em aprêço. Repugnou-lhe a idéia de identificar o nome do poeta com Codex Martini, mas não lhe pareceu desarrazoado inferir, da nota explicativa da cantiga 882 de V, que, sendo, possìvelmente, um dos raros jograis que sabiam escrever, o cantor de Vigo exercesse a função de amanuense, do que lhe adviria a alcunha Codex, «transformada jocosamente pelos companheiros em Codaz para lhe dar sabor aumentativo»9. Provável também se lhe afigourou que Codax __ou melhor, Codaz__ fôsse um cognome descritivo, à semelhança de Calvo, Corpancho, Corpo-delgado, etc. O -x seria, na palavra, grafia sônica de -z, visto não existir nenhum outro nome finalizado   —15→   em -ax e, ao contrario, abundarem os terminados em -az. Ademais, a relação com arcaísmos do tipo frocaz, pescaz, fumaz, escudeiraz, ricomaz, estaria a patentar o seu caráter de forma aumentativa10.

Quanto ao tema cod-, procurou D. CAROLINA relacioná-lo ao espanhol codo 'cotovelo', derivada do latim cúbítu. Codaz significaria, assim, 'homem de cotovelos salientes, grossos, ou agudos'11.

Esta a hipótese etimológica geralmente aceita, menos, talvez, pelos aliceres lingüísticos em que se apóia do que pelo prestígio da autora, que __diga-se__ a enunciou com reservas, pois foi a primeira a reconhecer a inexistência de documentação de codo em português12 e o caráter popular das formas cotovelo, côvedo e côvado, em nosso idioma. Não deixa, porém, de convidar-nos à meditação o emprêgo de codex por cubimagentus no latim medieval, fato que, até hoje, tem passado despercebido aos estudiosos do antropônimo. Compare-se êste exemplo, citado por DU CANGE: «Dictus Jacobus vulneravit de cuspide dicti sui gladii uno ictu dictum Bartholomeum in brachio senestro, inter codicem et spatulam a parte anteriori.»13

Devemos convir, por outro lado, que os nomes de pessoas __mesmo os apodos, que são os mais ilhados__ viajam com freqüência. E no caso vertente a naturalidade galega do nosso trovador é apenas provável, não segura, pois a localização de suas poesias em Vigo atesta, como salienta SILVIO PELLEGRINI, «unicamente un qualche rapporto non precisato con quella città»14.

Menos venturosas foram as explicações propostas por OVIEDO Y ARCE e COTARELO VALLEDOR.

O primeiro via no radical cod -a palavra coda < cauda, de que se derivou o italiano codazzo 'comitiva, séquito'. E preguntava: «¿Será que nuestro Codax perteneció a la clase de los trovadores-segreles, como Pero da Ponte y Ayras Nunes, sus contemporáneos y paisanos?»15

  —16→  

Embora desacreditada dos medievalistas, a conjectura de OVIEDO Y ARCE vale o que valem as outras, simples tentativa de «desvendar o que sete séculos encobriram»16. Na Itália são muito generalizados cognomes como Codazzi, Codazza, Codacci, Codaccioni, tidos como derivados de coda17, mas na Peninsula Ibérica, ou melhor, no galego-português e no castelhano a representante do latim cauda é coa18. Além disso, causa certa estranheza __fato já observado por COTARELO VALLEDOR19 e SILVIO PELLEGRINI20__que, sendo designativo de 'pessoa que segue a comitiva do senhor', o têrmo codaz não apareça aplicado a outros segréis dos cancioneiros.

De todo improvável é, porém, a hipótese dé COTARELO VALLEDOR, segundo a qual a palavra seria paroxítona e equivalente a Codas, plural de coda, forma ainda viva na região de Ribadeo (Galiza) e Tápia (Asturias). As grafias Codax e Codaz dos cancioneiros nenhum empecilho poderiam trazer a tal explicação; pois que nêles e em outros documentos galegos e portuguêses da Ídade Média há completa confusão gráfica entre -x,-z e -s: Enfim, Codas significaria côdias, e a alcunha estaria a indicar a situaçãa miserável ou a grosseria do poeta21.

Aceita sem crítica maior por COUCEIRO FREIJOMIL22 a explicação de COTARELO VALLEDOR não resiste à análise. «Se é certo, escreve RODRIGUES LAPA, «que se dáva já por vêzes a confusão entre s, r e z (há exemplo nas Cantigas de Santa Maria), não é menos verdadeiro que se trata geralmente de palavras agudas, ou patronímicos como Peres, Rodrigues, Nunes, etc. De qualquer forma, não é legítimo supor que um escriba   —17→   do século XIII escrevese a alcunha Côdas sempre com terminação z ou x, quando escrevia normalmente todas, vodas, etc. Codax, Codaz terão de ser portanto oxítonos!»23

Em verdade, a confusão entre -s, -x e -z verifca-se, na língua antiga, quase que exclusivamente nos polissílabos agudos e nos monossílabos tônicos. E como nesses vocábulos a consoante final aparece também escrita -ç, -j[i] e -g[i] (cf. traz, trax, traj'; fez, fex; fiç, fix, fige, figi; quis, quix, quigi, quige, quiji; pus, pux, pusi, pozy, pogy, pugi, puge24; etc.), é de supor que ela fôsse já uma fricativa aspirada prepalatal25, pronunciada s ou z, conforme o caso, à semelhança do que sucede, hoje em dia, em várias regiões da língua portuguêsa. A diversidade gráfica refletiria, assim, a própria dificuldade que sentiam os escribas de simbolizar o fonema em aprêço.

Mas, se Codax ou Codaz não parece ser Côdas, que será?

SILVIO PELLEGRINI o distinto crítico italiano, sugere uma nova hipótese esclarecedora, ou, mais precisamente, «una nuova strada all'indagine di specialisti»26.

Entende que Codax poderia ser não um sobrenome, como até aqui tem sido considerado, mas um patronímico. E, a propósito, conta-nos a fugaz e enganosa impressão que sentiu ao ler num documento de 1254, referente ao litígio entre o bispo de Coimbra e o da Guarda, o nome de Petri Collati, clerici Auriensis, com tôdas as probabilidades outro exemplo do antropônimo em causa. Entretanto, um acurado exame de Monsenhor ENRICO CARUSI, no própio manuscrito, que se conserva no Vaticano, revelou-lhe que a boa leitura no passo em foco é Codarii, forma, aliás, que vem claramente escrita uma segunda vez no mesmo texto e se repete em outro documento da época27.

Codarii é genitivo patronímico de Codarius e PELLEGRINI não lhe dá maior atenção. Não haveria, porém, inconveniência em lembrar que uma das mais freqüentes confusões gráficas nos cancioneiros é, exatamente,   —17→   a de -x ou -z com -r. Em V, v. g., encontramos lidax, por lidar; lex e lez, por ler; madeirax, por madeirar; poz, por por; trobaz, por trobar28; etc.

Codax ou Codaz estariam por Codar?

O filólogo italiano nem chega a supor tal. Prefere ver nessas formas, particularmente na segunda, um possível patronímico em -aci, -azi, -az ou mesmo em -i. «Insomma», escreve, «spiegherei Codaz (e quindi Codax) come Coda più -az con a atono, ovvero come Códacus in genitivo; partendo, s'intende, dall'onomastica germanica, per la quale il noto manuale di ERNST FÖRSTEMANN, Altdeutsches Namenbuch, I, 2.ª ed., Bonn, 1900, coll. 659-660, presenta, oltre Goda, Godaco. Disgraziatamente, non trovo registrato né CodaCodaco nei limitatissimi materiali a mia disposizione»29.

Hipótese sugestiva, mas frágil, pois até prova cabal em contrário devemos considerar o antropônimo como oxítono. No meio das incertezas que envolvem o apelido do poeta, a questão da sílaba tônica parece ser, conforme dissemos, a única coisa relativamente segura.

É evidente que diversas conjecturas poderiam ainda ser feitas com a, finalidade de explicar o obscuro Codax ou Codaz. Possível seria relacioná-lo, por exemplo, a cautum, cotum ou cotus30, ou a outras formas que produzissem em galego-português o necessário radical coa-. Mas no estado atual de nossos conhecimentos tudo não passa de mera suposição, que «não ê para afirmar», como diria o quinhentista do Romance de Avalor, pois também


Nam sabem mais que foi dêle,
nem novas se podem achar.31




  —19→  

ArribaAbajoTexto crítico das Cantigas

Dare l'edizione d'un testo non significa solo riassumere secundo un schema la tradizione manoscritta, ma rendersi perfetto conto di quel testo, sotto oggni aspetto, come d'una cosa viva.


MICHELE BARBI, La nuovafilologia e
l'edizione dei nostri scrittori da Dante al
Manzoni
, Firenze, 1933, p. XIV.
               


  —20→     —21→  

ArribaAbajoHistoria dos textos


ArribaAbajoI. Os Códices

As sete cantigas de MARTIN CODAX foram conservadas por três códices, o Cancioneiro da Vaticana, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (antigo Colocci-Brancuti) e o chamado Pergaminho Vindel.

O texto de V e de B. Nos apógrafos italianos as composições de CODAX vêm dispostas entre as de MARTIN DE GIINZO32 e as dé AYRAS PÁEZ; em ambos obedecem à mesma seqüência e, se ocupam os números 884 a 890 em V e 1278 a 1284 em B, tal discordância provém da diferente numeração dos dois manuscritos, que não abarcam idêntico acervo de poemas.

  —22→  

Já no que concerne ao texto, as divergências formais33 nem sempre são de somenos, como demonstram os seguintes passos

V 884, v. 3:B 1278, v. 3:
cay deimagen se uerra çedoE ay deimagen se ueira cedo34
V 885:B 1279:
Mandade comigo
ca uen meu amigo
hirey madre uyuo
Mandadey comigo
Ca uimagen meu amigo
E hirey madre vyuo
Comigue mandado
cauen meu amade
hirey
Comigue mandado
E uimagen sane vyuo
hirey: imagen
Cauen meu amigo
euen sane uyuo
hirey.
Ca uimagen meu amado
E uimagen uyue sano
hi: imagen
Cauen meu amado
euen uyue senõ
hirei
Cauimagen sane vyuo
E del Rey amigo
hirey: imagen
Cauen sane uyuo
edel rey amigo
hirey
Cauimagen vyue sano
E del Rey priuado
hirey
Cauen uyue sano
e del rey priuado
hirey.
V 888, vv. 2 e 5:B 1282, vv. 2 e 5:
creydes comig alo mar deuigo
creydes uimagen migo ao mar leuado35
Treydes comig a lo mar de vigo
Treydes uimagen migo ao mar leuado

  —23→  

V 889, v. 13:B 1283, v. 13:
Que ouimagena amigoQue nimagenca ouu'a amigo
V 890, v. 5:B 1284, v. 5:
Ay (d)õnas imagen eu uin uirar36Ay ondas imagen eu +

Discordâncias textuais de menor monta apresentam ainda os dois códices37 e delas fazemos menção no aparato crítico das cantigas.

O texto de PV. Em 1914, PEDRO VINDEL, livreiro-antiquário de Madri, chamozu a atenção dos estudiosos da primitiva lírica románica38 para nova cópia das cantigas de MARTIN CODAX, descoberta por êle num rôlo membranáceo que servia de capa a un códice trecentista, in-4.º, do De Officiis de CÍCERO. No ano seguinte, auxiliado pelo erudito catedrático da Universidade Central, D. VÍCTOR SAID ARMESTO, resolveu o feliz descobridor publicar, em tiragem limitadíssima 39, a fotogravura da preciosa vaqueta, acompanhada de outras parciais, restauradas nas lacunas do texto, e de interpretação crítica, não muito escrupulosa, das sete cantigas40.

O pergaminho, que veio a receber __muito justamente__ o nome de VINDEL, é igual aos que se empregavam nos Privilégios e Forais dos séculos XII e XIII e, não raro, nas transcricões de obras literárias, como a Crónica Troyana, as Crónicas Gerais e os Cancioneiros. Mede 34 centímetros de altura por 46 de largura, ocupando a parte do texto, incluído o vazio do centro, 27 x 39 cm. Escrito por uma ou duas mãos41, em clara minúscula gótica francesa, a letra formada, segundo a terminologia   —24→   medieval, o manuscrito apresenta os versos dispostos em quatro colunas e, à semelhança dos códices E, T e Tol das Cantigas de Santa Maria, a notação musical acompanha a primeira estrofe de cada cantiga, com exeção da VI, de que só há o texto. Identifica-se também o PV com os códices das CSM -e com o do CA__ na utilização, por parte do scriptor de tinta preta para o texto continuado, de vermelha para a estrofe em que se contém a notação musical, e de vermelha e azul, alternadamente, para as iniciais maiúsculas42.

Se a essas concordáncias entre o PV e os códices das CSM, que sabemos grafados e iluminados no tempo de ALFONSO X e de SANCHO IV43, acrescentarmos outras mais, como o uso das mesmas abreviaturas, a analogia de sistema ortográfico, a igualdade na forma das letras e, principalmente, na disposição do texto musical em pentagramas de notae quadratae, é lícito concluirmos, com OVIEDO Y ARCE44, que o nosso manuscrito deve ascender a época muito próxima de 1300. De tal antigüidade, que o faz contemporâneo do movimento trovadoresco, não se pode, no entanto, inferir que represente o original de CODAX. É provàvelmente cópia direta dêle, um rótulo, daqueles que, segundo o pensamento de D. CAROLINA MICHAËLIS, «os príncipes mandaram colecionar como matéria prima dos Cancioneiros Gerais»45. E isso se depreende da natureza de certos erros e lacunas que os amanuenses deixaram passar em seu contexto, erros e lacunas, em suma, freqüentes nos apógrafos, como:

a) inverção da ordem dos versos (cf. cantiga III, vv. 7-8 e 10-11), e cantiga VI, 7-8 e 10-11);

b) elisões indevidas (cf. cantiga VI, vv. 8, 11, 13 e 16);

c) manutenção de vogais excrescentes (cf. cantiga II, v. 16, e cantiga III, vv. 5 e 7);

d) omissão de letras e palavras (cf. cantiga II, v. 4; cantiga V, v. 11, e cantiga VII vv. 7 e 8);

  —25→  

e) interpolação de palavra (cf. cantiga VI, v. 9);

f) substitução de uma forma por outra equivalente (cantiga V, v. 10);

g) falta de notação musical (cantiga VI).

Lacunas há também oriundas de destruição de partes do pergaminho, de esmaecimento da tinta, e de borrões supervenientes. Não as enumeramos, porém, aqui, já que estão convenientemente mencionadas no aparato crítico das cantigas e se vêem com clareza no facsímile do códice que publicamos.

Resta-nos tratar agora dos caracteres lingüísticos do texto.

Do ponto de vista ortográfico, o PV assemelha-se, como dissemos, aos códices das CSM e ao do CA. Por outro lado, estrema-se dos apógrafos italianos:

a) em simbolizar por ll e nn (cf. nullas, ollos, bannar, manno e senneira) __ e, não, por lh e nh (cf. nulhas, olhoimagen, banhar, manho e selheyra, selheira ou selheira, grafias de B e V)__ o l e o n palatais;

b) em não encorpar com h__ os advérbios i e u, que transcreve y e u e, não, hy ou hi e hu, como B e V;

c) na falta do apêndice labial do g: [C]omig ei, em contraste com Comigue, de B e V;

d) no sistemático emprêgo de i pela subjuntiva do ditongo quando a vogal base é e, e do y, quando ela é a (cf.: ei, irei, rei, treides, senneira, ay, e baylava, forma uma vez grafada Bailaua), enquanto B e V escrevem y nos dois casos (irey, baylava, etc.)

Características da escrita do PV, que a distinguem da de B e V, são ainda: o uso de um ponto para indicar o final dos versos (salvo na cantiga VII, onde inexiste qualquer pontução); a separação vocabular absoluta, mesmo quando há elisão da vogal final de uma palavra, caso em que os apógrafos quinhentistas preferem ligar a palavra elidida à seguinte; e, finalmente, a transcrição integral do refram depois de cada dístico (apenas na cantiga V, vv. 6, 9 e 12, e na cantiga VII, vv. 7-8, algumas palavras dêle vêm reduzidas à inicial), o que B e V geralmente só fazem en relação ao primeiro.

Outras divergências, aparentemente gráficas, que se observam entre a versão do rôlo membranáceo e as dos apógrafos italianos, são, em verdade, de orden fonética ou morfológica, tais como as alternâncias que estudamos largamente no Glossário, s. v., e nas lições críticas das   —26→   cantigas onde ocorrem: coidado (PV) __cuydado (B e V), gardas (PV) __guardas (B e V), senneira (PV) __ simagenlheira (B) __ selheyra ou senlheira (V), me (PV) __ mi (B e V), mj (PV) __ mi (B e V) e Mia (PV) __ Mha (B e V) Problema de fonética sintáctica, de que tratamos no comentário aos vv. 3, 6, 9 e 12 da cantiga III e aos vv. 8 e 11 da cantiga V, suscita, por seu turno, a oposição miraremos las (PV) __ miraremolas (B e V).

Enfim, discordâncias de natureza sintáctica entre os códices há nos vv. 8 e 13 da cantiga IV. Nos vv. 1 e 4 da cantiga II, a lição mandade, de V, é êrro evidente, pois não ocorre no v. 1 de B, que coincide com a boa lição do PV: mandad ei. Não assistia, pois, razão a OVIEDO Y ARCE46, que induzido pela interpretação de T. BRAGA __mandad' e47 __ queria ver, também aí, substancial diferença de construção entre os manuscritos.

Merecem ainda comentário especial, e o fazemos nos lugares competentes, os pontos em que o PV, embora concordante com B e V, se apresenta viciado. Assim, por exemplo, no v. 10 das cantigas IV e V.

De um modo geral, porém, no que concerne à língua, a lição do PV é muito superior à dos apógrafos italianos. Não obstante as lacunas e os erros de transcrição que encerra, dá uma idéia mais fiel da língua de CODAX, o que vale dizer, da linguagem poética do tempo, ou melhor, de algumas possibilidades afetivas que o galego-português do século XIII colocava à disposição dos que o tinham por idioma. E, como veremos adiante, nem tôdas eram ben conhecidas antes da descoberta do rôlo membranáceo.




ArribaAbajoII. As edições

Embora já em 1870, ao incluir no seu Cancioneirinho de trovas antigas a composição Mia irmana fremosa, treydes comigo, VARNHAGEN tenha dado uma amostra da poesia de MARTIN CODAX, só três anos depois, quando da publicação integral do códice vaticano 4803, por ERNESTO MONACI, a obra completa do cantor de Vigo se tornou conhecida. Vulgarizado, de início, na lição diplomática de V e nas tentativas de reconstituição crítica feitas sôbre ela, desde 1915 o texto das sete cantigas codacianas passou a ser melhor restaurado, possível que foi, então, colacionar-lhe   —27→   a cópia vaticana com outra recém-descoberta, a do PV, mais antiga e mais pura do que ela. Finalmente, em 1924, com a incorporação do Cancioneiro Colocci-Brancuti aos reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa, os estudiosos puderam ter acceso ao precioso códice, por tanto tempo avaramente conservado por MONACI e seus herdeiros, e comparar também a sua versão das referidas cantigas ás de V e do PV.

Edições completas. Condicionadas, quanto ao texto, à lição dos manuscritos em que se basearam, várias edições se fizeram das sete cantigas de CODAX. Eis o seu elenco, em orden cronológica:

1. ERNESTO MONACI, In Canzoniere Portoghese della Biblioteca Vaticana. Halle a. S., 1875. Reproduz, sob os n.os 884-890, o texto de V em edição diplomática, propondo-lhe emendas à pág. 438. Excetuando-se os pequenos lapsos que indicamos na lição crítica das cantigas VI e V, a leitura de MONACI é perfeita.

2. T. VESTEIRO TORRES, Martin Codax. In Heraldo Gallego, n.º 147, pp. 345-347. Orense, 7 de Junio de 1876. Interpretação nem sempre feliz do texto de V publicado por MONACI, acrescida da superficiais e fantasistas observações lingüísticas e históricas.

3. T. VESTEIRO TORRES, Martin Codax. In Monografías de Vigo, pp. 12-20. Vigo 1878. Reprodução do estudo anterior, com ligeiras alterações. O texto das cantigas vem transcrito a pp. 13-17.

4. TEÓFILO BRAGA, Cancioneiro portuguez da Vaticana, Lisboa, 1878. Interpretação não raro arbitrária do texto diplomático de V, publicado por MONACI, a qual exerceu larga e nociva influência em outros editôres. As cantigas obedecem à numeração que têm no códice, isto é, ocupam os n.os 884-890.

5. ANTONIO DE LA IGLESIA, El idioma gallego. Su antiguedad y vida. Tomo II, La Coruña, 1886. Reproduz, a pp. 277-282, a leitura das seta cantigas dada por T. BRAGA na obra precedente.

6. JOSÉ JOAQUIM NUNES, Chrestomatia archaica. Lisboa, 1906. Transcreve, a pp. 320-321, 342-344 e 350, o texto das cantigas segundo a lição de V, alterando-a às vezes para melhor, outras para pior, como na substitução de mar de Vigo por mar salido (cf. cantigas I e V). Na 2.ª eidção da obra, publicada em 1921, retifica-se dêsse engano (cf. pp. 354-355), mas continua a preferir, na maioria dos casos, a versão do códice vaticano.

  —28→  

7. MARTÍN CODAX, Las siete canciones de amor, poema musical del siglo XII. Publícase.... por PEDRO VINDEL, Madrid, 1915. Transcreve as sete cantigas a) numa interpretação por vêzes arbitrária, em que colaborou D. VÍCTOR SAID ARMESTO; b) em fotografias restauradas do manuscrito, nas quais as lacunas nem sempre vêm preenchidas com felicidade; c) em reprodução facsimilada do PV, conforme o estado em que foi descoberto.

8. ELADIO OVIEDO Y ARCE, El genuino 'Martín Codax', juglar gallego del siglo XIII. In BAG, año XI, pp. 1-16, 57-73 e 89-104; año XII, pp. 121-135, 153-162 e 233-257. Coruña, 1916-1917. Apesar de desordenado, é ainda o mais importante estudo sôbre M. C. O texto, fixado de acôrdo com a versão do PV, vem acompanhado de comentários de vária ordem, que se ressentem, no entanto, da falta de preparo filológico do autor, sempre em busca de diferenças impalpáveis entre o galego e o português no século XIII. Serve de complemento ao trabalho de OVIEDO Y ARCE o estudo de SANTIAGO TAFALL Y ABAD sôbre o texto musical do PV (cf. BAG, XII, pp. 265-271).

9. AUBREY F. G. BELL, The Seven Songs of Martin Codax. In MLR, XVIII, pp. 162-167. Cambridge 1923. Edição baseada no texto do PV e acompanhada de tradução inglêsa das cantigas.

10. AUBREY F. G. BELL, The Oxford Book of Portuguese Verse (XII th Century-XXth Century). Oxford 1925. A pp. 13-17, transcreve o A. as sete cantigas, seguindo de perto a lição de V e mostrando desconhecer a do PV, o que nos leva a concluir que, não obstante haja saído posteriormente, esta obra foi elaborada antes da indicada sob o n.º 9.

11. JOSÉ JOAQUIM NUNES, Cantigas d'Amigo dos trovadores galego-portugueses, tomo I-III. Coimbra, 1926-1928. Apresenta, sob os números CCCCXCI-CCCCXCVII __ vol. II, pp. 441-447 __, o texto crítico das sete cantigas. No vol. III, pp. 418-422, faz ligeiros comentários métricos e lingüísticos para justificar a leitura adotada; a pp. 567-569, dá as variantes dos manuscritos e, à p. 723, aduz algunas emendas. Além disso, ilustra o vol I, pp. 148-148c, com fotografias das restaurações das cantigas I, II e V do PV, feitas por SAID ARMESTO-VINDEL, bem como com a interpretação moderna da música das duas primeiras e da III, por TAFALL Y ABAD. Reparos ao texto de M. C. publicado nesta edição vêem-se em RODRIGUES LAPA, Texto, p. 41; e PELLEGRINI, ARom, XIV, p. 321. A preocupação do A. de enquadrar o corpo das cantigas em rígidos princípios isométricos prejudica em parte a lição que nos oferece.

  —29→  

12. JOSÉ JOAQUIM NUNES, Cantigas de Martim Codax, presumido jogral do século XIII. Separata da RL, XXIX. Pôrto, 1931. Transcreve as sete cantigas nas lições: a) diplomática de V, a pp. 14-17; b) diplomática de B, a pp. 17-20; c) diplomática do PV restaurado por SAID ARMESTO-VINDEL, a pp. 20-23; d) e crítica, a pp. 24-26: Ligeiros comentários filológicos acompanham ainda esta edição, que apresenta, pràticamente, os mesmos defeitos da anterior. As reproduções diplomáticas não foram feitas com o rigor desejável: quanto à do texto de V, traslada a leitura de MONACI, e, em relação à do de B e do PV, lê mal, em vários passos, os manuscritos.

13. ISABEL POPE, The Thirteenth-Century Galician Lyric. In Spec, IX, pp. 3-25. Cambridge, Massachusetts, 1934. Transcreve tôdas as cantigas de acôrdo com a interpretação de SAID ARMESTO-VINDEL e fá-las acompanhar, salvo a VI, de notação musical moderna. Estuda a melodia dos cantares e reproduz, em facsímile, as restaurações dos de n.º I, II, e VII do PV, tentadas pelos primeiros editôres do rôlo membranáceo

14. Poesía gallega medioeval de los siglos XII al XV. Buenos Aires, 1941. Reproduz, sob os nos 74-80, pp. 92-97, as sete cantigas, em orden diferente da adotada nos códices. O texto, adaptado ao galego atual, apresenta graves erros de interpretação.

15. XOSE M.ª ALVAREZ BLÁZQUEZ, Escolma de poesia galega. I. Escola medieval galego-portuguesa (1198-1346). Vigo, 1952. A pp. 124-126, transcreve as sete cantigas mas em seqüência sugerida por OVIEDO Y ARCE e diversa da des manuscritos. Não pratica a elisão e galeguiza, à moderna, os textos.

Edições parciais. Tarefa difícil é apresentar a lista completa das publicações que reproduzem uma ou outra cantiga de CODAX, pois, além dos florilégios da primitiva poesia galego-portuguêsa, um sem-número de compêndios de língua e de literatura existe em que se incluem composições de nosso poeta. Pareceu-nos útil, no entanto, acrescentar, ao das edições integrais, o elenco das seleçoes da obra codaciana que conhecemos48, porque, assim, não só atualizamos a bibliografia dada por D. CAROLINA   —30→   MICHAËLIS (RFE, II, pp. 263-264) e OVIEDO Y ARCE (BAG, XI, p. 11), mas podemos melhor realçar o valor histórico ou filológico de algumas delas, de que nos servimos na fixação do texto critico. Eis os seus títulos em ordem cronológica:

1. [F. A. DE VARNHAGEN], Cancioneirinho de trovas antigas colligidas de um grande Cancioneiro da Bibliotheca do Vaticano. Viena, 1870. A pp. 67-68, inclui a cantiga III segundo a disposição métrica de V. Dá-lhe como autor um MARTIN DE VIGO, a quem atribui também a composição Non poss'eu, madre, ir a Santa Cecília (CBN 1273 __CV 879), seguramente de MARTIN DE GIINZO (cf. p. 41, nota 1).

2. ERNESTO MONACI, Canti antichi portoghesi tratti dal Codice Vaticano 4803. Imola, 1873. Transcreve, a pp. 27-28, as cantigas I e VII. À p. 29, cita os versos iniciais da III e da V.

3. TEÓFILo BRAGA, Antologia portugueza. Pôrto, 1876. Dá, sob a designação Cantos de Ledino, o texto das cantigas I e III (cf. n.os 5 e 6), fundando-se, naturalmente, na lição de V.

4. UGO ANGELO CANELLO, Il Canzoniere portoghese della Vaticana, publicato da E. Monaci. In Saggi di critica letteraria. Bologna, 1880. Cita, à p. 221, a cantiga IV e, à p. 222, a cantiga V, em interpretação baseada no texto de V publicado por MONACI. Reproduz com relativa fidelidade a lição do códice vaticano, dando-lhe as variantes nos pontos em que sua leitura dêle discorda.

5. F. D'OVIDIO e E. MONACI, Manualetti d'introduzione agli studj neolatini. II. Portoghese e gallego. Imola, 1881. Incluem, sob o n.º 5, p. 60, o texto crítico da cantiga V, extraído das lições de B e V. Enganam-se, porém, na indicação das variantes dos códices, segundo mostramos no comentário aos vv. 3 e 10 da referida cantiga.

6. W. STORCK, Hundert altportugiesische Lieder. Paderborn u. Münster, 1885. Traduz as cantigas I, III e VII, respectívamente sob os n.os 65, 64 e 38.

7. MARCELINO MENÉNDEZ PELAYO, Antología de poetas líricos castellanos, vol. III; pp. XXV-XXVI. Madrid, 1892. Transcreve, pela interpretação de T. BRAGA no CPV, as cantigas V e VII e fragmentos da I e da III. Por ser mais cômodo, citamos êste trabalho pela edição nacional das obras completas de M. M. P., onde os textos de CODAX, fielmente reproduzidos da edição primitiva, vêm a pp. 231-232 do tomo XVII (Madrid, 1944).

  —31→  

8. JOSÉ DE SANTIAGO Y GÓMEZ, Historia de Vigo y su comarca. Madrid, 1896. Cita, a pp. 171-173, os mesmos textos publicados por MENÉNDEZ PELAYO na obra anterior.

9. CAROLINA MICHAËLIS DE VASCONCELOS, Cancioneiro da Ajuda. Edição critica e commentada, II vol. Halle a. S., 1904. Transcreve integralmente, à p. 928, as cantigas V e VII, e menciona, à p. 884, a primeira estrofe da III e da VI. Em nota à p. 928, sugere a substituição, nos vv. 2 e 7 da cantiga V, de de Vigo por salido, sinônimo usual de levado, emenda aceita e generalizada por NUNES na 1.ª ed. da Crestomatia.

10. MARCELINO MENÉNDEZ PELAYO, Historia de la poesía castellana en la Edad Media, Tomo I. Madrid, 1911-1913. Reprodução parcial da obra indicada sob. o n.º 7. As cantigas de M. C. vêm a pp. 238-239.

11. D. L. D'ORVENIPE [= PEDRO VINDEL], Las siete canciones de la enamorada. Poema musical por Martín Codax, juglar del siglo XIII. In AE, III, pp. 27-31. Madrid, 1914-1915. Êste artigo, que, ligeiramente refundido, foi incorporado à introdução de SCA, está ilustrado com os facsímiles das cantigas I e V do PV, segundo a restauração de SAID ARMESTO-VINDEL.

12. EUGENIO CARRÉ ALDAO, Influencias de la literatura gallega en la castellana. Estudios críticos y bibliográficos. Madrid, 1915. Embora faça referências ao PV e aos outros códices, o A. evidentemente não os consultou, pois as cantigas IV e VI, transcritas a pp. 153 e 155 da obra, não passam de simples cópias de edições anteriores: a primeira, reproduzida na versão de T. BRAGA, CPV 884; a segunda, na de NUNES, Crestomatia1, p. 350.

13. CAROLINA MICHAËLIS DE VASCONCELOS, A propósito de Martim Codax e das suas cantigas de amor. In RFE, II, pp. 258-273. Madrid, 1915. Dá, à p. 262, o texto da cantiga II e cita, no correr do artigo, versos das demais. Aduz, além disso, valiosos subsídios para a reconstituição crítica de pontos obscuros da obra de CODAX.

14. XOSÉ FILGUEIRA VALVERDE, A paisaxe no Cancioeiro da Vaticana. [La Coruña], 1927. À p. 34, publica fragmentos das cantigas I, III e V adaptadas ao galego moderno.

15. JOSÉ JOAQUIM NUNES, Un [sic] ramo de flores colhido na antiga lírica galego-portuguesa. In MLLAJ, pp. 337-347. Paris, 1928. Reproduz, a pp. 342-344, com ligeiras alterações, o texto das cantigas I, VII e   —32→   II publicado em Amigo, II, pp. 441-442 e 446. E acrescenta, como ilustração, o fasímile das mesmas cantigas na versão do PV restaurado por SAID ARMESTO-VINDEL.

16. SILVIO PELLEGRINI, Auswahl altportugiesischer Lieder, Halle/ Saale, 1928. À p. 37-38 e sob as n.os XLVIII-XLIX, apresenta as cantigas I e II em cuidada edição, haurida no ensinamento dos três manuscritos.

17. JOSÉ JOAQUIM NUNES, Poesia galego-portuguesa ou trovadoresca (Séculos XIII a XV). In HLPI, I, pp. 78-108. Paris-Lisboa, 1929 À p. 130, publica em facsímile o original do PV pela transcrição de PEDRO VINDEL em SCA. Reproduz, além disso, à p. 131, as cantigas I e V, na restauração de SAID ARMESTO-VINDEL e na leitura adotada em Amigo, II, pp. 441 e 444.

18. P. JOSÉ MOURIÑO, La literatura medioeval en Galicia. Madrid, 1929. Publica à p. 147, a cantiga III segundo a disposição estrófica de V e com o texto adaptado ao galego moderno; e cita, entre as pp. 128 e 130 versos das cantigas I, II, IV e VI.

19. HENRY R. LANG, Old Portuguese Sea Lyrics. In RHi, LXXVII, (1929), pp. 187-200. Cita, a pp. 190-191, a cantiga I.

20. M. RODRIGUES LAPA, Das origens da poesia lírica em Portugal na Idade-Média. Lisboa 1929. À p. 286, transcreve os dísticos da cantiga VII.

21. JOÃO DA SILVA CORREIA, A rima e a su acção lingüística, literária e ideológica. I. Rima inicial e rima final. Lisboa 1930. Reproduz, à p. 25, as duas últimas estrofas da cantiga II

22. SILVIO PELLEGRINI, Resenha crítica de JOSÉ JOAQUIM NUNES, Cantigas d'Amigo dos trovadores galego-portugueses. Coimbra 1926-1928. In ARom, XIV, pp. 275-322. Genève-Firenze, 1930. À p. 321, sugere emendas à leitura, de NUNES, das cantigas I, II e V; à p. 300, transcreve parcialmente as cantigas I e VII. Cf. n.º 25.

23. JOSEPH HUBER, Altportugiesisches Elementarbuch. Heildelberg, 1933. À p. 321 reproduz, modernizado na ortografia e com ligeira alternação nos vv. 7 e 10, o texto da cantiga III publicado por NUNES na Crestomatia2, p. 355.

24. HERNÂNI CIDADE, Poesia medieval. I. Cantigas de Amigo, Lisboa 1937. À p. 25 transcreve a cantiga I.

  —33→  

25. SILVIO PELLEGRINI, Studi su trove e trovatori della prima lirica ispano-portoghese. Torino, 1937. Inclui, a pp. 19-40, com algumas supressões, o artigo publicado no ARom, XIV, pp. 275-322, dando-lhe, porém, a titulo Intorno alle «Cantigas d'Amigo». Omite as correções ao texto de NUNES, mas publica, à p. 38, os mesmas fragmentos das cantigas I e VII. Cf. n.º 22.

26. GIULIO BERTONI, Antiche liriche portoghesi. Modena, 1937. A pp. 7-8 insere fragmentos da cantiga V e a I completa, esta última também reproduzida, mas com ligeiras alterações, à p. 53.

27. WILLIAM J. ENTWISTLE, From 'Cantigas de Amigo' to 'Cantigas de Amor'. In RLC, 18e année, pp. 136-152, Paris, 1938. Transcreve, à, p. 142, a cantiga I; cuja primeira estrofe menciona também à p. 139, Trata-se de simples reprodução da texto dado, por AUBREY BELL, à p. 20 do OBPV.

28. LEO SPITZER, A. port. ergo 'excepté', In BF, V, pp. 377-379, Lisboa, 1938. Cita, à p, 377, versos da cantiga VI segunda a versão de NUNES na Crestomatia2, pp. 356-357.

29, JOAQUIM FERREIRA, História da literatura portuguesa, Pôrto, s/d. [1939?]. Cita, à p. 17, a cantiga VII, excluindo a expressão sen min do refram.

30, ALVARO DE LAS CASAS, Antología de poetas gallegos. Buenos Aires, 1939. Publica, entre as pp. 21 e 22, as cantigas V, VII e IV, nesta ordem. O texto vem arbitràriamente adaptado ao galego atual.

31. FRANCISCO ELÍAS DE TEJADA SPÍNOLA, La tradición gallega. Madrid, 1944. Reproduz, na lição de V, a cantiga VII e a primeira estrofe da III; aquela à p. 67; esta, à p. 65

32. ISABEL POPE, El villancico polifónico. In Cancionero de Upsala, ed. de El Colegio de México. México, 1944, pp. 13-43. Transcreve, à p. 30, a cantiga I acompanhada de notação musical moderna.

33. PAUL CID NOÉ, Pedro Vindel. Historia de una Librería (1865-1921). Madrid, 1945. Dá, à p. 77, o texto da cantiga I, segundo a lição do PV restaurado por SAID ARMESTO VINDEL.

34. FRANÇOIS DEHOUCKE, Chansons d'Ami traduites du portugais (XIIe-XIVe siècles). Bruxelles, 1945. A pp. 76-79, sob os nos 85-89, apresenta, em tradução francesa, as cantigas VI, III, I, II e V, nesta ordem.

  —34→  

35. JOÃO DE ALMEIDA LUCAS, Crestomatia arcaica. I, Poesia. Lisboa, [1946]. Transcreve, a pp. 47-48, a cantiga I, ligeiramente modernizada no texto.

36. ÁLVARO JÚLIO DA COSTA PIMPÃO, História da literatura portuguesa, I. Coimbra, 1947. Transcreve, a pp. 110-111, a cantiga VI pel interpretação de NUNES, Amigo, II, p. 445.

37. WILLIAM J. ENTWISTLE, Dos 'Cossantes' às 'Cantigas de Amor'. In Da Poesia Medieval Portuguêsa, por AUBREY F. G. BELL, C. BOWRA e WILLIAM J. ENTWISTLE __tradução do inglês por ANTONIO ÁLVARO DÓRIA, 2.ª edição ampliada, pp. 73-99. Lisboa, 1947. Cita, à. p. 79, a cantiga VII e, à p. 82, a cantiga VI, ambas de acôrdo com a leitura de AUBREY BELL no OBPV, pp. 16-17.

38. NARCISO DE AZEVEDO, A arte literária na Idade Média. Pôrto [1947]. Transcreve, a pp. 15, 120-121 e 125, respectivamente as cantigas VI, I, III e VII. O A. segue com ligeiras modificações __geralmente para pior__ o texto das cantigas fixado por NUNES em CMC, pp. 24-26.

39. R. M. RUGGIERI, Testi antichi romanzi. I. Facsimili. II. Trascrizioni. Modena, 1949. no I vol., fl. 38, dá o facsímile da primeira fôlha do PV e no vol. II, pp. 100-102, transcreve as cantigas I, II, III e parte da IV, que nela se contêm. O A. completa as lacunas, pontua à moderna e usa maiúsculas em sua transcrição.

40. CELSO FERREIRA DA CUNHA, O Cancioneiro de Joan Zorro. Aspectos lingüísticos. Texto crítico. Glossário. Cita, à p. 16 versos das cantigas II e IV:

41. VITORINO NEMÉSIO, Antologia da poesia portuguesa. A poesia dos trovadores (Séculos XII-XV). Lisboa s/d [1949?]. A pp. 86-89, reproduz, pela interpretação de NUNES (Amigo, II,, pp. 441 e 443-446, o texto das cantigas I, IV, V, VI e VII,

42, AQUILINO IGLESIAS ALVARIÑO, Las canciones de Martín Códax. In Anuario de Vigo, 1950-1951, año XII, 3 pp. s/n. Vigo, Agôsto de 1951. Cita a primeira estrofe das sete cantigas pela edição de OVIEDO Y ARCE e, depois, repete a de cinco (cantigas I, II, III, IV e V) com a pontuação alterada, isto é, com a tonalidade interrogativa expressamente indicada. Segundo o A., excetuando-se a bailia Eno sagrado, en Vigo, tôda a obra de CODAX é uma «temblorosa interrogación», e nisso reside «su fina misteriosa vaguedad». No fim do artigo, procura justificar os retoques   —35→   praticados no texto, ao dizer que «al lado de las ediciones de los filólogos, apurada, completas y objetivas, caben las de los literatos, esto es, los arreglos y refundiciones. Lo único que se prohibe es la mixtificación».

43. FRANCESCO PICCOLO, Antologia della lirica d'amore gallego-portoghese. Napoli, 1951. Transcreve, a pp. 176-177, as cantigas I e IV e fá-las acompanhar de tradução para o italiano. A pp. 234-235, enfileira algumas notas esclarecedoras do texto, reproduzido da 3.ª ed. da Crestomatia de NUNES.

44. FRANCISCO FERNÁNDEZ DEL RIEGO, Manual de historia de la literatura gallega. Vigo, 1951. Reproduz, à p. 33, a primeira estrofe de cada uma das sete cantigas.

45. RAMON FERNÁNDEZ POUSA, Selección literaria del idioma gallego (Siglos XI-XX). Madrid, 1951. Inclui, a pp. 89-90, as cantigas I, IV e VII, transcritas pela versão de NUNES, Amigo, II, pp. 441, 443 e 446.

46. SEGISMUNDO SPINA, Fenômenos formais da poesia primitiva. São Paulo, 1951. Cita, à p. 54, as duas primeiras estrofes da cantiga VI, segundo o texto publicado por NUNES em Amigo, II, p. 445. Certamente por lapso de revisão, no v. 4, e o e, que devia estar entre colchêtes, vem entre parênteses.

47. FRANCISCO LUIS BERNÁRDEZ, Florilegio del Cancionero Vaticano. Buenos Aires, 1952. Reproduz entre as pp. 132 e 139, sob os n.os 46-49, as cantigas I, II, VI e VII, fazendo-as acompanhar de tradução para o espanhol. O texto galego-português é transcrito da edição do CPV, de T. BRAGA.

48. BENITO VARELA JÁCOME, Poetas gallegos (Las mejores poesías). Santiago, 1953. Inclui, nas, pp. 12-13, as cantigas I, VII e IV, nesta ordem.

49. Breve antología del mar en la lírica gallega. Homenaje a los poetas del mar en las Islas Cíes (Vigo), Santiago de Compostela-Vigo, Julio de 1954. Incluem-se à p. 5 desta despretensiosa publicação, organizada por JOSÉ MARÍA CASTROVIEJO em honra dos membros do III Congreso Internacional de Poesia, realizado em Santiago, as canticas I, V e VII.

50. JOÃO GASPAR SIMÕES, História da poesía portuguesa, das origens aos nossos dias, acompanhada de uma antologia. Lisboa, 1955. À p. 73, cita a cantiga VII, também reproduzida na parte antológica, juntamente com a cantiga I (cf. pp. 150-151).



  —36→  

ArribaAbajoIII. Principios críticos desta edição

Ao fixarmos o texto crítico das cantigas de MARTIN CODAX, procuramo-nos ater a lição dos manuscritos, especialmente à do PV, por apresentar êste códice, em relação aos apógrafos italianos, melhores titulos de antigüidade e pureza. De um modo geral, só nos servimos das versões de B e V para suprir lacunas ou emendar erros evidentes do cancioneiro musical.

Como fizemos em obra anterior49, acrescentamos a cada cantiga um aparato crítico, em que, alêm de sumária classificação poética, de referência aos manuscritos que a conservam e de suas variantes, damos minuciosa justificação da leitura preferida, enumerando, nos pontos não pacíficos, as discordáncias e as concordâncias da tradição impressa. Talvez tenhamos sido excessivo, até, no escrúpulo de trazer à colação tantas publicações que contém versos de CODAX. A alguns certamente causará, estranheza o confronto, em pé de igualdade, de edições que se dizem críticas __e são assim reputadas__ com simples transcrições antológicas ou citações com fins ilustrativos. Mas, em verdade, não há razão para tal. Os modernos processos de ecdótica ainda não foram aplicados à restauração dos textos poéticos dos trovadores galego-portuguêses. As melhores edições que dêles possuímos continuam a ser as de D. CAROLINA MICHAËLIS e de OSKAR NOBILING, velhas de cinqüenta anos. Nesse terreno, tudo __ou quase tudo__ está por fazer; e o pouco que foi feito precisa ser, em grande parte, refeito. Decorridos quatorze anos, permanecem plenamente válidas, no particular, estas palavras escritas por RODRIGUES LAPA no Livro de Falcoaria, de PEDRO MENINO: «É urgente.... a revisão cuidadosa de tôdas as edições de textos arcaicos, sem êsse indispensável trabalho de depuração, não serão possíveis, em bases rigorosamente científicas, nem o Diccionário do português arcaico nem a almejada História da lingua»50. Injustificável, por consiguinte, que, dentro dessa carência geral de boas edições, deixássemos de lado as parciais, as publicações antológicas __algumas de valor histórico indiscutível, como o Cancioneirinho de VARNHAGEN; outras relevantes quanto o rigor científico observado na transcrição dos textos, como a Auswahl, de PELLEGRINI__e nos restringíssemos ao exame comparativo de edições completas ou supostamente críticas, muitas vêzes simples reproduções de anteriores e arbitrárias leituras.

  —37→  

Estabelecido embora em função dos manuscritos, cuja ordem no agrupamento das cantigas também seguimos, nosso texto dêles diverge, em muitos pontos, em questões de grafia, já que, à adoção do sistema de escrita do amanuense do PV ou à do dos escribas italianos de B e V, preferimos o processo de transcrição conciliatório e uniforme de que nos valemos no CJZ51, muito semelhante ao que foi empregado por NOBILING em sua edição das cantigas de D. JOAN GARCIA DE GUILHADE52.

Assim:

1.º Eliminamos tôdas as particularides gráficas dos códices que se não relacionam com a pronúncia das palavras, pois, como diz muito bem, ALBERTO CHIARI, «solo gli inesperti possono credere di fare una edizione critica, lasciando scrupulosamente grafie antiquate.... non sapendo distinguere ciò che è fatto puramente grafico, da non rispettarsi, da ciò che è fatto propriamente fonetico e che va rispettato»53.

2.º Desenvolvemos tôdas as abreviaturas dos códices.

3.º De acôrdo com a gramática e o sentido, isolamos os vocábulos conglomerados e juntamos os elementos da mesma palavra quando desunidos.

4.º Suprimimos o h __de hi, hirey e hu.

5.º Empregamos as letras ramistas j e v onde se encontram i e i simbolizando aquelas consoantes.

6º Ligamos por hífen os pronomes mesoclíticos às formas verbais de que dependem e também o artigo el à palavra rey.

7.º Indicamos por apóstrofo a elisão vocálica, bem como a perda do -s de formas verbais, assimilado ao l- do artigo lo.

8.º Conservamos aglutinadas as combinações do, eno, no e na, que já no século XIII não se separavam.

9.º Usamos maiúsculas não só nos casos em que a pontuação anterior as exige, mas também no topônimo Vigo e o nome Deus.

10.º Adotamos um sistema de acentuação semelhante ao actual.

  —38→  

11.º Pontuamos à moderna, sòbriamente, mas sem prejuízo das característica tonais do enunciado.

12.º Damos ao i sòmente o valor de vogal, deixando ao y o de semivogal. Assim, escrevemos mia, irmana, etc., mas baylava, irey, etc.

13.º Resolvemos em o a vogal velar reduzida em sílaba final, que também se representava por u54.

14.º Não havendo distinção quanto à nasalidade final, que ora é expressa por m, ora por n, ora por til, uniformizamo-la en -n, para evitas as grafias-am e -em que, hoje, simbolizam respectivamente o ditongo -ãw átono e o ditongo -imageny (ou -ãy, em certas regiões de Portugal).

15.º A nasalidade medial, indicamo-la, de acôrdo com os hábitos modernos: por m, quando a vogal nasal antecede as consoantes p e b, e por n, quando precede outras consoantes.

16.º Escrevemos nh e lh, conforme a lição de B e V, e não nn e ll, como está no PV, pela evidente vantagem daquelas grafias (de origem occitânica), introduzidas em fins do século XIII no ocidente peninsular, sôbre as últimas, não raro causadoras de ambigüidades55

17.º Por constarem do aparato crítico das cantigas as variantes dos manuscritos e a justificação de nossa leitura, julgamos desnecessário incidar por colchêtes os elementos introduzidos no texto e por parênteses os que dêle foram eliminados.





  —39→  

ArribaAbajoElenco das Cantigas

imagen

  —40→  


ArribaAbajo- I -


   Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo?
      E ay Deus, se verrá cedo!

   Ondas do mar levado,
se vistes meu amado?  5
      E ay Deus, se verrá cedo

   Se vistes meu amigo,
o por que eu sospiro?
      E ay Deus, se verrá cedo

   Se vistes meu amado,  10
por que ey gran coydado?
      E ay Deus, se verrá cedo!

Classificação: Cantiga de refram: 4 X (2 + 1). Estrofes paralelísticas: aa-B e cc-B, alternadas. O corpo da cantiga é constituído de hexassílabos graves; o refram, de um heptassílabo, também grave. Rima breve, toante no 3.º dístico e soante nos demais. O refram monóstico não se liga pela rima ao corpo da cantiga.

Manuscritos: B 1278, V 884, PV 1.

Variantes dos manuscritos: 3, 6, 9 e 12: E ay.... (B e PV) cay.... (V). Apenas o PV repete o refram completo nos vv. 6, 9 e 12; B redu-lo a E ay dimagen; e V, a cay dus, no v. 6, e a cay d's, nos outros dois. ||4. Ondas   —41→   do mar.... (B e PV) Ondas demar.... (V)||10. De tão esmaecido, não se percebe no PV o S de Se. ||11. O pr imagen ey grã cuydado (B) opr imagen ey imagenm cuydado (V) por que ei imagenn coidado (PV).

Lição crítica: 1-12. Pontuação. Considerando predominante ora o tônus exclamativo, ora o interrogativo do enunciado, não são acordes os editôres quanto à pontuação que se deva apor aos versos desta cantiga. MONACI (CAP, p. 27) assim apresenta a 1.ª estrofe:


Ondas do mar de Vigo,
Se vistes meu amigo...
      Ay Deus, se verrá cedo


e, à semelhança, as demais. Também com um ponto de exclamação ao fim do refram se satisfazem VESTEIRO TORRES (HG, 147, p. 346 = MV, p. 13), T. BRAGA (AP, p. 7) e AUBREY BELL (MLR, XVIII, p. 164), que, no entanto, prefere a entoação interrogativa em sua versão inglêsa do poema e, para o corpo da cantiga, na lição que dá em OBPV, p. 13. Em suas diversas edições do texto (Crestomatia1, p. 342; Amigo, II, p. 441; MLLAJ, pp. 342-343; HLPI, I, p. 131; CMC, p. 24), NUNES pospõe tanto ao refram como aos dísticos ponto de exclamação, e a sua leitura é seguida por H. CIDADE (PM, P. 25), ALMEIDA LUCAS (Crest. Arc., pp. 47-48), V. NEMÉSIO (PT, p. 86) e FERNÁNDEZ POUSA (SLIG, p. 89). Já para MENÉNDEZ PELAYO (APLC, I, p. 231 = HPCEM, I, p. 238), J. DE SANTIAGO (HV, p. 171), OVIEDO Y ARCE (BAG, XI, pp. 66-67), H. LANG (RHi, LXXVII, pp. 190-191), S. PELLEGRINI (Auswahl, p. 37; ARom, XIV, p. 300 = Studi, p. 38), COUCEIRO FREIJOMIL (El Id. Gall., pp. 252-253), GIULIO BERTONI (ALP, p. 53), A. IGLESIAS ALVALIÑO (AV, 1950-1951) e ALVAREZ BLÁZQUEZ (EPG, 1, pp. 125--126) o corpo da cantiga e o refram têm ambos entoação exclamativa, não obstante admitirem alguns dêles __e o indicarem gràficamente__ o caráter exclamativo do primeiro verso do dístico e da expressão E ay Deus do refram. A nosso ver, porém, há que distinguir pela pontuação, como o sentiram posteriormente T. BRAGA (CPV, 884), AUBREY BELL (OBPV, p. 13) e A. DE LA IGLESIA (IG, II, pp. 227) __que em tudo segue a lição do primeiro__, a pergunta dirigida pela amiga às ondas, por conseqüência uma interrogação endereçada, da conjectura, predominantemente exclamativa, que se contém no refram. É certo que procedem as considerações que aduz I. POPE no seu estudo sôbre o manuscrito musical:«The evenly maintained descending rhythm of the disthics is broken by the exclamation   —42→   e ai Deus of the refrain. The refrain indeed is divised in two parts and the melody of the exclamation is separated from the second part by the line of phrasing. The second phrase of the refrain melody echoes the theme of the-strophe» (Spec, IX, p. 19). Não só do ponto de vista melódico, mas também do lingüístico, o refram, está realmente dividido en duas partes. Não nos parece contudo que a segunda parte continue simplesmente o tema do dístico, já que dêle se diferencia pelo tônus da exclamação E ay Deus, que a ela se trasmite (cf. o que dizemos na lição crítica da cantiga IV, vv. 1-18), e pelo emprêgo do tempo verbal diverso. Embora estas fórmulas sintéticas da linguagem afetiva não se prestem a transformações analíticas, poderíamos melhor distinguir os dois enunciados se considerássemos latente no corpo da cantiga um verbo dicendi:


   Ondas do mar de Vigo,
[Dizei-me] se vistes meu amigo?


O subentender-se no refram forma verbal equivalente alterar-lhe-ia, porém, o sentido. Aí, a môça não pede nem às ondas nem a Deus que lhe digam se o amiga virá cedo. Invoca apenas a divindade, mas a si própria se dirige, angustiada, ao expressar o misto de dúvida e de desejo que encerram as palavras


se verrá cedo!


que contêm uma pergunta, sem dúvida, mas uma pergunta sem enderêço e sem resposta, porque mais exclamativa que interrogativa. Essa a razão por que nos parece de todo inadequada a interpretação:


Ondas do mar de Uigo,
    se uistes meu amigo!
   E, ay Deus, se verrá cedo?


__dada por R. M. RUGGIERI em TAR, II, p. 100. ||1. Na Crestomatia1, p. 342, NUNES __ talvez influenciado pelo que diz D. CAROLINA MICHAËLIS no CA. (II, p. 928, nota 3) __ propõe mar salido por mar de Vigo, que é a lição dos códices. O haver reproduzido em edições posteriores (Crestomatia2, p. 354; Amigo, II, p. 441; MLLAJ, p. 342; HLPI, I, P. 131; CMC, p. 24) o texto manuscrito se explica também, possìvelmente, pela retificação da mestra no artigo publicado, em 1915, na RFE (II, pp. 258-273), em que provou não ter sido só neste passo e no   —43→   v. 2 da cantiga V__onde, pelas mesmas razões de alternância sinonímica, seria de esperar salido, o substituto normal de levado__ que CODAX fugiu às regras do paralelismo. São suas palavras: «.... sé já em 1904 tivesse estudado com particular atenção os versos dêsse jogral, não me teria escapado o que reconheço agora: que Martim Codax, muito poético, mas pouco correto, se afasta das regras consagradas em mais de um ponto. Teria notado que, p. ex., quanto ao cenário, substituiu, conforme já deixei dito, como confidentes naturais das namoradinhas, as flôres e as árvores floridas (pinheiro, aveleira e milgranada) pelas ondas do mar e pela linda ria de Vigo. Teria reparado também, quanto às formas, que nem longe emprega sempre rimas sinônimas, nem mesmo palavras objetivas, lexicográficas. Bastas vêzes se encontram nos seus versos rimas incolores como migo, comigo, e a èsse migo, comigo opõe ora mandado, ora grado, ora trago, ora ambos. Peca portanto contra as leis do paralelismo. Em vista disso não admira que também repetidamente opusesse ao nome própio Vigo <vicu que menciona em tôdas as suas composições, menos uma, ora manho < maneo, ora sagrado, ora levado» (RFE, II, p. 267). ||2. Talvez por lapso __já que nem na AP, p. 7, nem no v. 7 do CPV 884 faz__ T. BRAGA, na sua edição reconstituída do códice vaticano, antepõe aqui ao possessivo meu o artigo o, êrro que, inadvertidamente, repetem A. DE LA IGLESIA, MENÉNDEZ PELAYO e J. DE SANTIAGO em suas transcrições da cantiga. ||3, 6, 9 e 12. A leitura E ay Deus, única autorizada pelos manuscritos __pois que a forma discordante cay, de V (reproduzida por T. BRAGA em AP, p. 7, mas não em CPV 884) está evidentemente por eay __, não tem sido seguida por todos os editôres. Talvez por influência da lição da cantiga IV (vv. 1 e 4), ou para conformar a medida do refram à dos dísticos, MONACI (CAP, pp. 27-28), VESTEIRO TORRES (loc. laud.), NUNES (Crestomatia1, p. 342) e AUBREY BELL (OBPV, p. 13, lição aqui e no mais reproduzida por ENTWISTLE, RLC, XVIII, p. 142) reduzem a fórmula invocatória a Ay Deus, emenda, aliás, não efetuada pelo último em publicação anterior (MLR, XVIII, p. 164) e retificada por NUNES em edições posteriores (Crestomatia2, p. 354; Amigo, II, p. 441, III, pp. 418-419; MLLAJ, pp. 342-343; HLPI, I, p. 131; CMC, pp. 24 e 31). Embora o sentido não a exija, não pode a conjunção E ser considerada aqui simples «acrescento», como pensa NUNES (CMC, p. 31). Sôbre nada ter insólito (cf. MICHAËLIS, RFE, II, p. 268; CA-Gloss., s. v.), o seu emprêgo em fórmulas tais reveste caráter estilístico tão saliente que alguns filólogos, como LANG (LKD, pp. 122 e 151) e NYROP (GHLF, VI, p. 148), preferem incluí-la na classe das interjeições. Cf.   —44→   cantiga IV, vv. 3, 6, 9, 12, 15 e 18; e Glossário, s. v. || 5 e 10. Inexplicàvelmente, LANG (RHi, LXXVII, p. 191), que nos vv. 2 e 7 segue a boa lição das códices, faz anteceder, nas passos em causa, ao possessivo meu o artigo o, em discordância com os manuscritos e os outros editôres. ||8. Tanto os apógrafos italianos como o rôlo membranáceo só permitem a leitura que adotamos, em tudo perfeita e acolhida pela maioria dos críticos. Nada há que justifique a substituição do demonstrativo pela conjunção e, como em suas transcrições do texto praticam MENÉNDEZ PELAYO, J. DE SANTIAGO e SAID ARMESTO-VINDEL, êstes aqui e no v. 11 (cf. SCA, n.º 1); nem a da preposição por por per, conforme sugere MONACI (também para o v. 11, cf. CAP, p. 28), nem a do relativo que por quem, interpretação de VESTEIRO TORRES, T. BRAGA (AP, p. 7) e COUCEIRO FREIJOMIL inicialmente aceita par NUNES (Crestomatia1, p. 342); nem, tampouco, a de sospiro por suspiro, modernização formal que se vê nos lugares citados das antologias de T. BRAGA, H. CIDADE, ALMEIDA LUCAS E V. NEMÉSIO. A omissão do pronome eu, praticada por AUBREY BELL (OBPV, p. 13) e ENTWISTLE (loc. laud.), também não procede: prejudica a métrica e contraria a letra dos códices sem béneficiar o contexto. ||11. Excetuando-se as de VESTEIRO TORRES e de NUNES (Crestomatia1, p. 342), as edições saídas anteriormente à descoberta do PV mantêm o demonstrativo o, de acórdo com a lição de V, coincidente com a de B. Desnecessário ao sentido e mètricamente excrescente, o pronome aparece nos códices quinhentistas sem dúvida par influência do v. 8, paralelo natural dêste, e vivo no espírito dos escribas. A lição correta, como expressamente reconheceu D. CAROLINA MICHAËLIS (RFE, II, p. 268), ê a do PV, reproduzida por OVIEDO Y ARCE (BAG, XI, p. 67), NUNES (Crestomatia2, p. 354), AUBREY BELL (MLR, XVIII, p. 164), ISABEL POPE (Spec, IX, p. 19) e por nós. Não cabe, portanto, continuar a ler quen por que (cf. COUCEIRO FREIJOMIL, loc. laud.), como o fizeram VESTEIRO TORRES e, de início, T. BRAGA (AP, p. 7) e NUNES (Crestomatia1, p. 342), pois a relativo que __lição concordante dos códices e grafado por extenso no PV__ era empregado no português arcaico e médio, indiferentemente, para pessoas e coisas. Também não se justifica a acolhida preferencial a cuidado (ou cuydado, forma atestada por V e B) por parte de editôres modernos (NUNES, LANG, H. CIDADE, BERTONI, ALMEIDA LUCAS, NARCISO DE AZEVEDO, V. NEMÉSIO, FERNÁNDEZ POUSA e ALVAREZ BLÁZQUEZ). Como PELLEGRINI (ARom, XIV, p. 321, onde retifica a leitura que dá em Auswahl, p. 37), julgamos que, ainda aqui, se deve conservar a lição coidado, do rôlo membranáceo, e as razões que, para isso, se nos afiguram relevantes estão aduzidas no Glossário, s. v.

  —45→  

Traduções: Há desta cantiga tradução alemã, por W. STORCK (Hundert altportugiesische Lieder n.º 65, p. 70):




Eitle Fragen


Im Vigo-Meer ihr Wallen
Saht ihr den Trautgesellen?
      Ach Gott, dass bald er käme!

Im Vigo-Meer ihr Fluten
Saht ihr den Hochgemuthen?
      Ach Gott, dass bald er käme!

Saht ihr den Trautgesellen?
Ich sucht' an allen Stellen
      Ach Gott, dass bald er käme!

Saht ihr den Hochgemuthen?
Mir will das Herz verbluten
      Ach Gott, dass bald er käme!


inglêsa, por AUBREY BELL (MLR, XVIII, p. 164)



O flowing waves of Vigo's bay
Have you seen my love who is gone away?
Ah God, will he soon come to me?

O waves, fair waves of the swelling sea,
Have you seen my lover woe is me?
Ah God, will he soon come to me?

Have you seen my love for whom I sight
And sorrowing weep incessantly?
Ah God, will he soon come to me?

Have you seen my lover for whom alway
I sorrowing grieve by night an day?
Ah God, will he soon come to me?


francesa, por FRANÇOIS DEHOUCKE (Chansons d'Ami, pp. 77-78).



   Ondes de la mer de Vigo,
[dites-moi] si vous voyez mon ami!
       et, hélas, Dieu, s'il reviendra bientôt!
—46→

    Ondes de la mer houleuse,
[dites-moi] si vous voyez mon aimé!
      et, hélas, Dieu, s'il reviendra bientôt

   [Dites-moi] si vous voyez mon ami,
pour qui je suspire
      et, hélas, Dieu, s'il reviendra bientôt

   [Dites-moi] si vous voyez mon aimé,
pour qui j'ai grand souci!
      et, hélas, Dieu, s'il reviendra bientôt!


espanhola, por FRANCISCO LUIS BERNÁRDEZ (Florilegio del Cancionero Vaticano, n.º 46, p. 133):



Ondas del mar de Vigo:
¿habéis visto a mi amigo?
      Dios, mío, vendrá pronto?

Ondas del mar alzado:
¿habéis visto a mi amado?
      Dios mío ¿vendrá pronto?

¿Habéis visto a mi amigo,
aquel por quien suspiro?
      Dios mío ¿vendrá pronto?

¿Habéis visto a mi amado,
por quien tengo cuidado?
      Dios mío ¿vendrá pronto?


e italiana, por FRANCESCO PICCOLO (Antologia della lirica d'amore gallego-portoghese, p. 176):



      Onde del mare di Vigo, avete visto l'amico mio?
O Dio, verrà egli presto?

      Alte onde del mare, avete visto il mio amato?
O Dio, verrà egli presto?

      Avete visto l'amico mio, quello per il quale io
sospiro? O Dio, verrà egli presto?

      Avete visto il mio amato per il quale io sono
in grande affano? O Dio, verrà egli presto?


  —47→  


ArribaAbajo- II -


   Mandad'ey comigo
ca ven meu amigo:
      E irey, madr', a Vigo!  15

   Comigu'ey mandado
ca ven meu amado:
      E irey, madr', a Vigo!

   Ca ven meu amigo
e ven san' e vivo:  20
      E irey, madr', a Vigo!

   Ca ven meu amado
e ven viv' e sano:
      E irey, madr', a Vigo!

   Ca ven san' e vivo  25
e d'el-rey amigo:
      E irey, madr', a Vigo!

   Ca ven viv' e sano
e d'el-rey privado:
      E irey, madr', a Vigo!  30

  —48→  

Classificação: Cantiga de refram: 6 x (2 + 1), Estrofes paralelísticas: aa-A e bb-A, alternadas. O corpo da cantiga é constituído de pentassílabos graves; o refram, de um hexassílabo, também grave. Rima breve, soante nos dois primeiros dísticos e toante nos demais. O refram monóstico liga-se pela rima ao corpo da cantiga nas estrofes ímpares.

Manuscritos: B 1279, V 885, PV 2.

Variantes dos manuscritos: 1. Mandadey comigo (B) Mandade comigo (V) Mandad ei comigo (PV). ||3. E hirey madre vyuo (B) hirey madre uyuo (V). E irei madr a uigo (PV). ||4. Comigue mandado (B e V) omig ei mandado (PV). ||5-7. Faltam êstes versos em B. ||5.... amade (V)... amado (PV). ||6. hirey (V) E irei madr a uigo (PV) ||9, 15 e 18. hirey imagen (B) hirey (V) E irei madr a uigo (PV). ||11.... sano (B e PV)... senõ (V). ||12, hi imagen (B) hirei (V) E irei madr a uigo (PV). 16.... vyue sano (B) .... uyue sano (V) ....uiuo imagen sano (PV).

Lição crítica: 1. O texto de V foi reproduzido, sem alterações, por VESTEIRO TORRES (HG, 147, p. 346 = MV, p. 14) e, com o desenvolvimento de Mandade em Mandad'é, por T. BRAGA (CPV 885) e A DE LA IGLESIA (IG, II, p. 278). Os Outros editôres acolheram aqui a boa lição de B e do PV, aliás, já, proposta por NUNES (Crestomatia1, p. 320) antes de ser conhecida a versão dêsses códices. ALVAREZ BLÁZQUEZ (EPG p. 126) transcreveu-a, no entanto, sem elidir o -o de Mandado; e SAID ARMESTO e P. VINDEL (SCA, n.º 2), com a aglutinação Mandadei. ||1-2, 4-5, 7-8, 10-11, 13-14, e 16-17. Para I. POPE (Spec, IX, p. 20), os versos dêstes dísticos não passam de hemistíquios de uma linha hendecassilábica (ou «dodecasyllabic line», segundo a sua terminologia); o que não nos parece exato, pois o próprio sistema paralelístico da cantiga está a atestar __e a exigir até__ a plena autonomia dos referidos pentassílabos. ||3, 6, 9, 12, 15 e 18. As edições antigas, baseadas apenas no apógrafo vaticano, trazem, naturalmente, vivo por Vigo e omitem a conjunção E. Assim as de VESTEIRO TORRES, T. BRAGA, A, DE LA IGLESIA e NUNES (Crestomatia1, p. 320). A descoberta do PV mostrou, porém, o que de errôneo há na lição de V __em parte coincidente com a de B__ e que a perfeita leitura do estribilho só pode ser a que adotamos, perfilhada também por OVIEDO Y ARCE (BAG, XI, pp. 89-90), SAID ARMESTO-VINDEL. (SCA, n.º 2), MICHAËLIS (RFE, II, p. 262), AUBREY BELL, (MLR, XVIII, p. 165), PELLEGRINI (Auswahl, pp. 37-38), I. POPE (Spec, IX, pp. 19-20), IGLESIAS ALVARIÑO (AV, 1950-1951), ALVAREZ BLÁZQUEZ (EPG, p. 126,   —49→   onde não se elide o -e de madre) e por NUNES (Amigo, II, pp. 441-442; MLLAJ, p. 344; CMC, p. 24), que não obstante, continou a juglar excrescente aqui, como no refram da cantiga I, a conjunção E, por desnecessária oa sentido (cf. Amigo, III, p. 419). E foi provàvelmente por isso que a suprimiu na 2.ª edição da Crestomatia, leitura reproduzida por AUBREY BELL, no OBPV, p. 14. Os motivos que nos fazem discordar de la interpretação são os mesmos que externamos no comentário aos vv. 3, 6, 9 e 12. A entoação dêste estribilho, evidentemente exclamativa, como a reconheceu a quase totalidade dos editôres, não foi assim percebida por IGLESIAS ALVARIÑO e ALVAREZ BLÁZQUEZ, que a entenderam interrogativa. ||4. Lacunosa quanto à inicial maiúscula, a lição do rôlo membranáceo para êste verso é, no mais, perfeita. Todos os editôres modernos a reproduziram e alguns (SAID ARMESTO-VINDEL, MICHAËLIS, OVIEDO Y ARCE, AUBREY BELL, I. POPE E NUNES em MLLAJ, p. 344) o fizeram mesmo sem acrescentar à forma elidida comig o indispensável apêndice labial u, que OVIEDO Y ARCE (BAG, XI p. 89), desavisadamente, considerava lusismo. E I. POPE foi ainda mais longe no respeito à letra do códice, ao manter em sua transcrição a lacuna da capital de [C]omig. Só ALVAREZ BLÁZQUEZ modernizou, como de hábito, las versões manuscritas, com a inserção da vogal final do pronome, nelas sistemàticamente omitida. ||Baseadas apenas no vicioso texto de V __de onde NUNES (Crestomatia1, p. 320) abstraiu no entanto a lição correta__, as interpretações Comigo mandado, de VESTEIRO TORRES, e Comigu'é mandado, de T. BRAGA e A. DE LA IGLESIA, òbviamente não satisfazem. ||8 e 11. com exeção de VESTEIRO TORRES, ALVAREZ BLÁZQUEZ e quanto ao verso 11, também de T. BRAGA e A. DE LA IGLESIA, os editôres, de acôrdo com os manuscritos, indicaram nestes passos as normais elisões sofridas, respectivamente, por san(o) e viv(o). ||13 e 16. Como nos vv. 8 e 11 VESTEIRO TORRES e ALVAREZ BLÁZQUEZ não fizeram aqui as necessárias elições san'e e viv'e, a última não praticada também por SAID ARMESTO-VINDEL, I. POPE e NUNES (MLLAJ, p. 344), possìvelmente por influência da liçáo do PV, ||Sôbre as pequenas diferenças que existem entre êstes versos e os de n.º 8 e 11, cujo teor deviam repetir, leia-se o nosso comentáro ao verso 4 da cantiga VI. ||14. amigo. A propósito do emprêgo da palavra neste passo de CODAX, escreveu D. CAROLINA MICHAËLIS: «Eu inclinava-me a substitutir amigo por valido, o verdadeiro sinônimo de privado, usado nos Livros de Linhagens e nos Cancioneiros, antes de me ter convencido das inorreções dos textos de M. C. __Quanto ao sentido, é ou não é curioso que um jogral se proclame amigo del rei?» (RFE, II, p. 268). E para contornar a impropriedade   —50→   da designação, no caso, supôs a ilustre filóloga que o poeta «redigiria os seus versos em nome de outrem, de algum nobre, namorado, mas incapaz de fazer versos e compor músicas» (Ibid., p. 273). Não era outro o pensamento de VESTEIRO TORRES, que chegou a sugerir nomes concretos para o amigo e privado d'el rei, cantado por CODAX: ou seria SUERO YÁÑEZ DE PARADA, valido de D. PEDRO I, «hijo de las riberas viguesas, casado con MAYOR PÉREZ DE SOTOMAYOR, natural de la misma comarca, y pertenecientes ambos a nobilísima alcurnia» (MV, p. 18); ou, mais provàvelmente __já que o primeiro parece ter vivido em data posterior à elaboração dos Cancioneiros__, o marido da nobre dama viguesa ALDONSA, GIL DE VALLADARES, PEDRO DE CASTRO, «amigo y privado (y guarda mor) del belicoso ALFONSO XI, y padre del insigne FERNÁN DE CASTRO primer conde de Lemos» (Ibid., ibid.). Afiguram-se-nos, porém, desprovidas de interêsse tais hipóteses, não provadas, e improváveis. Supor pelo nome Codax (ou Codaz), até hoje enigmático, que o cantor da ria de Vigo era um jogral é já ilação arriscada; aceitar como indubitável essa condição e nela __só nela__ encontrar o argumento de que êle poetaria par outro, a quem mais se ajustasse a designação de amigo e privado d'el rei, é, no entanto, forçar os princípios da cautelosa crítica histórica. E porque não se admitir que MARTIN CODAX tenha sido um segrel, plausível hipótese de OVIEDO Y ARCE (BAG, XI, p. 12, que poria fim à estéril questão levantada? Quantos segreís privaram com D. AFONSO X DE CASTELA e com D. AFONSO III de Portugal, e poderiam chamar-se amigos dêles? Alem disso, e sobretudo, os sinônimos das cantigas paralelísticas são topismos do gênero e não se lhes deve dar acepção rigorosa como entendem alguns.

Traduções: Há desta cantiga tradução inglêsa, par AUBREY BELL (MLR XVIII, p. 165):

  —51→  


My love's coming home,
For his message has come,
I will hie me, mother, to Vigo.

He is coming to-day,
As his message doth say,
I will hie me, mother, to Vigo.

Coming home presently,
Safe and well comes he
I will hie me, mother, to Vigo.

My love's on the way,
Well and safe comes to-day,
I will hie me, mother, to Vigo.

Safe and well, I wis,
The King's friendship is his,
I will hie me, mother, to Vigo.

Well and safe comes to me,
The King's favourite he,
I will hie me, mother, to Vigo.


francesa, por FRANÇOIS DEHOUCKE (Chansons d'Ami, p. 78):



   Un message je possède, [disant]
que revient mon ami:
      et j'irai, mère, à Vigo.

   Je possède un message, [disant]
que revient mon aimé:
      et j'irai, mère, à Vigo.

    Que revient mon ami
et qu'il revient sain et sauf.
      et j'irai, mère, à Vigo.

   Que revient mon aimé
et qu'il revient sauf et sain:
      et j'irai, mère, à Vigo.

   Qu'il revient, sain et sauf
et du roi ami:
      et j'irai, mère, à Vigo.

    Qu'il revient sauf et sain
et du roi favori:
      et j'irai, mère, à Vigo.


  —52→  

e espanhola, por FRANCISCO LUIS BERNÁRDEZ (Florilegio del Cancionero Vaticano, n.º 47, p. 135):



Recado he tenido
que viene mi amigo.
      ¡Iré, madre, y vivo!

Ya tengo recado
que viene mi amado.
      ¡Iré, madre, y vivo!

Que viene mi amigo;
viene sano y vivo.
      ¡Iré, madre, y vivo!

Que viene mi amado;
viene vivo y sano.
      ¡Iré, madre, y vivo!

Viene sano y vivo,
y del rey amigo.
      ¡Iré, madre, y vivo!

Viene vivo y sano,
y del rey privado.
      ¡Iré, madre, y vivo!


  —53→  


ArribaAbajo- III -


   Mia irmana fremosa, treydes comigo
a la igreja de Vig', u é o mar salido:
      E miraremos las ondas!

   Mia irmana fremosa, treydes de grado
a la igreja de Vig', u é o mar levado:  35
       E miraremos las ondas!

   A la igreja de Vig', u é o mar salido,
e verrá i mia madr' e o meu amigo:
      E miraremos las ondas!

    A la igreja de Vig', u é o mar levado,  40
e verrá i mia madr' e o meu amado:
      E miraremos las ondas!

Classificação: Cantiga de refram: 4 x (2+1). Estrofes paralelísticas: aa-B e cc-B, alternadas. O corpo da cantiga é constituido de versos de doze (vv. 1, 4, 8 e 11) e treze sílabas (vv. 2, 5, 7 e 10), todos graves; o refram, de um heptassílabo, também grave. Rima breve, toante no 1.º e no 3.º dístico e soante nos demais. O refram monóstico não se liga pela rima ao corpo da cantiga.

Manuscritos: B 1280, V 886, PV 3.

Variantes dos manuscritos: 1. Mha irmana fremosa treydes comigo (B) Mha irmana fremosa treydes comygo (V) Mia yrmana fr (PV, em que falta o final do verso). ||2. Ala igreia de uigo / hu e o mar salido (B e V) a la ygreia de ui (PV, destruído na parte em que se continha o final do verso). || 3 e 6.... miraremolas... (B e V).... miraremos las ....(PV). ||4. Mha irmana.... (B e V) Mia irmana .... (PV). ||5. Ala iimagenia de uigo / hu e o mar leuado, (B) ala iimagenia de uigo / (e o mar salido) /   —54→   hu e o mar leuado (V) ala imagengreia de uigo u e o mar leuado (PV). ||7. A la iimagenia de uigo / E o mar salido (B) A la jimagenia de uigo / e o mar salido (V, onde antes so escrevera leuado) Al imagengreia de uigou e o mar leuado (PV). ||8. E ueira hi madre a meu amigo (B) euerra hy madre o meu amigo (V, onde antes se escrevera amado) e uerra y mia madreo meu amado (PV). ||9. E miraremolas imagen (B) emiraremolas (V) E m iraremos las ondas (PV). ||10. A la iimagenia de uigo / E o mar leuado (B) A la jimagenia de uigo / e o mar leuado (V). A la imagengreia de uig u e a mar salido (PV). ||11. E ueira hi madro meu amado (B) e uerra hy madre / meu amado (V) e uerra imagen mia madr eo meu amigo (PV). ||12. E miraremolas imagen (B) e mirraremolas (V) E miraremos las ondas (PV).

Lição crítica: 1-2, 4-5, 7-8 e 10-11. A disposição do corpo da cantiga em quadras, sugerida pela lição de V e, em parte, pela de B, que divide em dois os versos 2, 4, 5, 7 e 10, foi adotada por VARNHAGEN (Cancioneirinho, n.º XXIII), VESTEIRO TORRES (HG, 147, p. 346 = MV, pp. 14-15), T. BRAGA (AP, p. 8; CPV 886), A. DE LA IGLESIA, (IG, II, pp. 278-279), MENÉNDEZ PELAYO (APLC, I, pp. 231-232 = HPCEM, I, p. 238), J. DE SANTIAGO (HV, p. 172), SAID ARMESTO-VINDEL (SCA, n.º 3), AUBREY BELL (OBPV, pp. 14-15) e também por MONACI (CAP, p. 29) e TEJADA SPÍNOLA (La tradición gallega, p. 65), nos fragmentos por êles publicados, bem como por STORCK em sua versão alemã do texto. A descoberta, do PV; em 1914, veio mostrar que a boa leitura, conforme supunha D. CAROLINA MICHAËLIS (CA, II, p. 884), exige o agrupamento estrófico da cantiga em dísticos, formados de versos longos com cesura medial. Êsse o esquema métrico preferido por NUNES (des de 1906, cf. Crestomatia1, p. 343); OVIEDO Y ARCE (BAG, XI, p. 91-92); HUBER (Altp. Elemb., p. 321), I. POPE (Spec, IX, pp. 20-21), IGLESIAS ALVARIÑO (AV, 1950-1951) e ALVAREZ BLÁZQUEZ (EPG, p. 125), sendo de notar que AUBREY BELL por êle optara inicialmente (cf. MLR, XVIII, p. 165), ||1 e 4. Mia. Aqui, e possivelmente nos vv. 8 e 11, o possessivo não é monossilábico, engano de que participaram todos os editôres antigos (salvo VESTEIRO TORRES, que leu Miña), certamente por influência da grafia Mha de V e B, simbolização normal da pronúncia mya, em uma sílaba, que a maioria das vêzes a palavra possuía quando proclítica (cf. CELSO CUNHA, CJZ, p. 82). No texto musical do PV a Mia correspondem duas notas diferentes, o que atesta, nestes versos, a sua emissão Mi-a (cf., OVIEDO Y ARCE, BAG, XI, pp, 92 e 101; RODRIGUES LAPA, Texto, p. 41; I. POPE, Spec, IX, pp. 20-21). Dêsse precioso testemunho não se beneficiaram, porém, edições modernas, coma as de NUNES (Crestomatia2,   —55→   p. 355; Amigo, III, p. 420), AUBREY BELL (MLR, XVIII, p. 165) e HUBER (loc. laud.). Cf. o que dizemos no Glossário, s. v. ||irmana. Não procede a leitura irmãa, proposta por NUNES (Crestomatia2, p. 355; Amigo, II, p. 442) e aceita por HUBER (loc. laud.), pois descaracteriza uma forma típica das paralelísticas (cf. RODRIGUES LAPA, Texto, pp. 7-14, 43 passim; CELSO CUNHA, CJZ, pp. 30-33, 69 passim). Também não é possível nos versos 1 e 4 fundir-se o -a de Mia ao i- de irmana, como aconselhou RODRIGUES LAPA (Texto, p. 41), porque a transcrição musical indica, pelas notas distintas que lhes attribui, a separação dessas vogais (cf. I. POPE, loc. laud.). Sôbre a forma irmana e o sentido que se lhe deve dar nos passos em causa, vj. comentários ao vv. 8 e 11 e Glossário, s. v. ||treydes. Desavisadamente, VARNHAGEN e VESTEIRO TORRES emendaram para iredes a lição perfeita de V, idêntica à dos demais manuscritos. ||2, 5, 7 e 10. A tendência a enquadrar em rígidos principios isométricos a versificão acentual e silàbicamente flutuante das paralelísticas fêz que alguns editôres propusessem leituras inadequadas para êstes versos. NUNES, por exemplo, considerou-os hendecassílabos, tendo, para isso, forçado impiedosamente a ditongação do -a de la com o i- de igreja, e a contagem de Vig'u é em duas sílabas (cf. Amigo III, p. 420). A autonomia silábica do advérbio u em relação a palavras iniciadas por vogal era absoluta na linguagem trovadoresca, onde não raro se hiatizava até com vogal anterior átona, como atestam êstes decassílabos de PAAY GÓMEZ CHARINHO:


en atal terra u nunca prazer
veja, nen cante, nen possa riir.


(CV 397 __CBN 813)                



poys que farey ou que será de min,
quand' en terra u vós fordes non for?


(Ibid, __ Ibid.)                



porque moyro __u mentira non á__
por tal molher que quen-na vir dirá
que moyro ben morrer por tal senhor.


(CA 253)                



__Non sey, amiga; el cada u é
aprende novas con que morr' assi,


(CA 253)                


no último dos quais há também o encontro u é, resolvido em duas sílabas (cf, o que a propósito escrevemas em MPT, pp. 32, 36 passim.) Elidido,   —56→   sim, deve ser o -o de Vigo, de acôrdo com o que postula o v. 10 do PV, mas não se pode admitir a ditongação dos monossílabos tônicos u e é, por contrária ao regime dos encontros vocálicos interverbais na primitiva poesia galego-portuguêsa. Inaceitável é, por outro lado, a elisão do -a de la (como sugeriu LAPA, Texto, p. 41, ou mesmo a sinérese dêle com o i- seguinte conforme aconselharam NUNES (loc. laud.) e OVIEDO Y ARCE (loc. laud.), porque a isso se opõe o manuscrito musical, ao indicar, pela diversidade de notas, a silabação la-i (cf. I. POPE, loc. laud.). À vista de tal argumento, nenhuma conclusão é lícito inferir-se da falta do -a no v. 7 do PV, onde o espaço que lhe cabe está ocupado por um borrão que também destruiu parte do l. Assim, não obstante as lacunas do texto literário e musical; a líção do rôlo membranáceo é, no caso, rica de ensinamentos: elimina a possibilidade de serem êstes versos considerados hendecassílabos (NUNES) ou dodecassíbos (MICHAËLIS, OVIEDO Y ARCE e LAPA), e mostra que se trata, em verdade, de linhas de treze sílabas, numa contagem exclusivamente métrica e moderna. Essa também a conclução que chegou ISABEL POPE, que, por adotar a antiga terminologia portugêsa, ainda hoje do espanhol e do italiano, lhes chamou versos «of fourteen syllables». ||igreja. Esta forma, comum aos tres manuscritos e acolhida por quase todos os editôres, foi emendada por VESTEIRO TORRES (loc. laud.) para igrejia, e por ALVAREZ BLÁZQUEZ (loc. laud.), para igrexa. T. BRAGA, que inicialmente lera egreja (AP, p. 8) retificou-se em publicação posterior (CPV 886).||3, 6, 9 e 12. A maior pureza do texto do PV leva-nos a conservar o -s de miraremos, omitido nas lições de V e B e nas edições de VESTEIRO TORRES, MICHAËLIS (CA, II, p. 884), NUNES (Crestomatia, p. 355, Amigo, II, pp. 442-443; CMC, pp. 24-25) HUBER (loc. laud.) e ALVAREZ BLÁZQUEZ (EPG, p. 125). A assimilação do -s de formas vrbais ao l- de lo e la, artigo ou pronome, e o seu conseqüente desaparecimento já se documentam nos começos do idioma. Na linguagem poética, entretanto, mantenedora da tradição, a consoante final permaneceu mais tempo, e do fato há provas sobejas não só nas paralelísticas mas nas cantigas de textura erudita (cf. MICHAËLIS, CA-Gloss., s. v. la e lo, e nosso comentario aos vv. 8 e 11 da cantiga V). ||7-8 e 10-11. A ordem dêstes dísticos vem alterada no PV. Corrigimo-la pelas lições de B e V, desnecessárias até no particular em virtude da evidência do êrro neste gênero de cantigas, em que a concatenção das estrofes obedece a normas rígidas. ||8 e 11. Não tem passado despercebida aos estudiosos do texto a dificultade de harmonizar-se o enunciado dêstes versos com os de n.º 1 e 4. Os apógrafos italianos omitem o mia que antecede madre no PV, com o que reduzem sensìvelmente a   —57→   medida das linhas en relação às que lhe são equivalentes e impedem o seu enquadramento no esquema melódico da cantiga, em parte conservado. Dessarte, cumpre-nos relegar a segundo plano, as lições de V e B, a primeira seguida por todos os editôres antigos e ainda por alguns modernos __AUBREY BELL (OBPV, pp. 14-15) e HUBER (loc. laud.), por exemplo__, e buscar a interpretação dos versos em aprêço na forma em que o PV os preservou:


e uerra imagen mia madreo meu amado.
e uerra imagen mia madr eo meu amigo.


Como, porém, se poderá justificar mia madre, se nos versos 1 e 4 se invoca Mia irmana? D. CAROLINA MICHAËLIS escreveu a propósito: «Madre pode ser vocativo, ou nominativo: madr'e. Tão extranhável é que a namorada, acompanhada da irmã, se encontre, na igreja de Vigo, com o amado, e juntamente com a mãe delas (nossa madre, portanto) a fim de admirarem o espetáculo imponente do mar embravecido, como seria o caso de ela se dirigir à irmã numa estrofa e à mãe na outra» (RFE, II, p. 269). Dessa estranheza nãp partilhou OVIEDO Y ARCE, ao afirmar: «A mi entender, la frase mia madre está en vocativo: el futuro verrá, en singular, lo reclama; pero lo reclama más urgentemente el sentido. La protagonista cantora dirígese en las dos primeras estrofas a su hermana, Mia yrmana fremosa (vocativo), para que la acompañe a la iglesia de Vigo; y en las dos últimas habla a su madre, mia madre, como pidiéndola autorización para entrevistarse con el amante que va a emprender el viaje. Así ¿qué extraño puede parecer, como pareció a la Sra. Michaëlis de Vanconcellos, la invocación de la hermana y madre en la misma Cántiga, por más que ello no sea usado?» (BAG, XI, p. 91, nota 1). a leitura de OVIEDO Y ARCE, adotada, entre outros, por NUNES (Amigo, II, p. 443; CMC, pp. 25 e 28), AUBREY BELL (MLR, XVIII, pp. 164-165), R. M. RUGGIERI (TAR, II, p. 102) e ALVAREZ BLÁZQUEZ (EPG, p. 125), funda-se, como vimos, numa interpretação personalíssima da cantiga, cujo texto foi enriquecido pela imaginação do editor. É certo que a grafia madre dos manuscritos pode representar o vocativo, mas as razões aduzidas pelo erudito galego para prová-lo carecem de fôrça suficiente, e não eliminam a hipótese de que mia madr' e o meu amigo (amado) seja, nesses versos, o sujeito de verrá. Quanto à concordância da forma verbal com o sujeito mais próximo, não deve ela cusar espécie, já que, no caso, procede o sujeito múltiplo (cf. EPIFÂNIO DIAS, SHP, §§ 8, 9 passim; SAID ALI, GHLP, p. 91 passim, HUBER, Altp Elemb., §446). No exemplo vertente parece-nos até que o singular visa a separar   —58→   as duas vindas, indicando-lhes não a simultaneidade, mas a sucessividade. Como se o poeta dissesse: e verrá i (na igreja de Vigo) mia madre e (também) o meu amigo (amado). E, no que se refere ao sentido, se não o esclarece de todo, a função subjetiva se nos afigura mais condizente com as fórmulas tópicas dos cantares paralelísticos e com a própria lição do PV, que separa madr de eo no verso 11, sôbre o modêlo de elisão sistemática do -e final que, nos exemplos ocorrentes (cf. vv. 15, 18, 21, 24, 27 e 30), sofre o substantivo em aprêço quando antecede palavra de inicial vocálica. Em nosso entender, porém, a antinomia existente entre as duas primeiras e as duas últimas estrofes da cantiga só se desfaz se dermos a irmana acepção diversa da normal, ou seja, a de 'amiga' ou 'companheira', que, indubitàvelmente, possui numa bailada de AYRAS NÚNEZ (CBN 879 __CV 462) e na obra de outros autores medievais, conforme mostramos no Glossário, s. v. E que essa é a única interpretação cabível do texto codaciano prova o fato de não ser isolado o exemplo do nosso jogral. Também MARTIN DE CALDAS invoca a irmãa e, depois, fala de mia madre, em passo onde não se poderia admitir um vocativo. Cf. CBN 1199 __CV 804:


   Vedes qual preyt' eu querria trager,
irmãa, se o eu podesse guisar:
que fezess' a meu amigo prazer
e non fezess' a mya madre pesar;
      e, se mi Deus esto guisar, ben sey
       de mi que logu' eu muy leda serey.


Nada de estranho apresenta, enfim, o ato de a namoradinha, acompanhada de amiga, ir encontrar-se com a mãe no mesmo lugar em que estaria o amado. Nem tôdas as mães são acusadas pelos trovadores de guardarem suas filhas. De algumas se diz até que lhes facilitavam os colóquios com os namorados. Sirva de exemplo a tal atitude a mãe da amiga de JOAN NÚNEZ, CAMANÊS:


__Se eu, mya filha, fôr
voss' amigo veer,
por que morre d'amor
e non pode viver,
      iredes comigu'i?
      __ Par Deus, mya madre, irey.


(CBN 651 __CV 252)                



   Id', ay mya madre, vee-lo meu amigo
que é coytado, por que non fala migo,
      e irey eu convosco, se vós quiserdes.


(CBN 654 __ CV 255)                


  —59→  

Leia-se, a propósito disto, o que escreveu RODRIGUES LAPA em Licões3, p. 154, e também o que dissemos en CJZ, p. 48. É óbvio, no entanto, que nenhuma das hipóteses interpretativas exclui a possibilidade de que os códices estejam viciados. O copista do arquétipo poderia inadvertidamente ter escrito mia madre por mia irmana, ou vice-versa, e êsse êrro, repetido nos apógrafos, se perpetuaria nos três que chegaram até nós.

Traduções: Há desta cantiga tradução alemã, por W. STORCK Hundert alportugiesische Lieder, n.º 64, p. 69):




Zwiesacher Grund


Herzliebste meine Schwester,
Sei gut, komm her!
Bei der Kapell' in Vigo
Da schwillt das Meer,
      Und wir beschauen die Wogen.

Herzliebste meine Schwester,
Komm her, sei gut!
Bei der Kapell' in Vigo
Da tobt die Flut,
      Und wir beschauen die Wogen.

Bei der Kapell' in Vigo
Da schwillt das Meer,
Dort harrt der Schatz, o Mutter,
In Leidbeschwer
      Und wir beschauen die Wogen.

Bei der Kapell' in Vigo
Da tobt die Flut,
Dort harrt der Schatz, o Mutter,
In Zweifelmuth
      Und wir beschauen die Wogen.


inglêsa, por AUBREY BELL (MLR, XVIII, p. 165):



O sister fair, come haste with me
To Vigo church te waves to see,
We will look upon the ocean waves

Fair sister mine, be fain to go
To Vigo church where de waves flow,
We will look upon the ocean waves.
—60→

To Vigo church where de wawes beat,
There, mother mine, my love to meet,
We will look upon the ocean waves.

To Vigo church where breaks the foam,
There, mother mine, my love will come,
We will look upon the ocean, waves.


e francesa, por FRANÇOIS DEHOUCKE, (Chansons d'Ami, p. 77):



   Ma soeur jolie, venez avee moi
à l'église de Vigo, où est la mer agítée,
       et nous contemplerons les flots.

   Ma soeur jolie, venez de bon gré
à l'église de Vigo, où est la mer houleuse,
      et nous contemplerons les flots.

   A l'église de Vigo ou est la mer agitée,
et y viendra, ma mère, mon ami
      et nous contemplerons les flots.

   A l'église de Vigo ou est la mer houleuse,
et y viendra, ma mère, mon aimé,
      et nous contemplerons les flots.


  —61→  


ArribaAbajo- IV -


   Ay Deus, se sab' ora meu amigo
com' eu senheyra estou en Vigo!
      E vou namorada!  45

   Ay Deus, se sab' ora meu amado
com' eu eu Vigo senheyra manho!
       E vou namorada!

   Com' eu senheyra estou en Vigo,
e nulhas gardas non ey comigo!  50
      E vou namorada!

   Com' eu en Vigo senheyra manho,
e nulhas gardas migo non trago!
      E vou namorada!

   E nulhas gardas non ey comigo,  55
ergas meus olhos que choran migo!
      E vou namorada!

   E nulhas gardas migo non trago
ergas meus olhos que choran ambos!
      E vou namorada!  60

Classificação: Cantiga de refram 6 x (2 + 1). Estrofes paralelísticas: aa-B e cc-B, alternadas. O corpo da cantiga é constituído de eneassílabos graves; o refram, de um pentassílabo, também grave. Rima breve, soante no 1.º, no 3.º e no 5.º dístico e toante nos demais. O refram monóstico não se liga pela rima ao corpo da cantiga, embora apresente uma semi-assonância com os versos dos dísticos pares.

  —62→  

Manuscritos: B 1281, V 887, PV 4.

Variantes dos manuscritos: 2.... senlheyra.... (B e V) .... senneira (PV). ||4.... sabora o meu.... (B e V) .... sab ora meu (PV). ||5.... uigo simagenlbeira.... (B) ....uigo senlheira....(V) ....ui [.....] neira (PV, destruído na lacuna indicada por colchêtes). ||6. E nou namo imagen (B) e nou namo. (V) E uou namo (PV, destruído na parte restante do verso). ||7. Comeu simagenlheira estou en uigo (B) Comeu senlheyra estou en uigo (V) Comeu sennei[.....]n uigo (PV, destruído na lacuna indicada por colchêtes). ||8. E nimagenlhas guardas nõ sõ comigo (B) enimagen lhas guardas nõ sõ comigo (V) e nullas gar[.....] ei comigo (PV, destruído na lacuna indicada por colchêtes). ||9. E uou na imagen (B) euou na (V). e uou me namorada (PV). ||10. Comeu simagenlheira en uigo manho (B) Co meu senlheira en uigo manho (V) Comeu senneira en uigo manno (PV). ||11.... guardas.... (B e V) ....gardas.... (PV). ||12. E nou na imagen (B) euou. (V) e uou namorada (PV). ||13.... guardas nõ e comigo (B e V) ....gardas nõ ei comigo (PV). ||15 e 18. E uou na imagen (B) euou na. (V) E uou namorada (PV). ||16.... guardas.... (B e V) ....gardas.... (PV).

Lição crítica: 1-18. Pontuação. Não é de secundária importancia para o sentido da cantiga a pontuação que se lhe dê aos versos. OVIEDO Y ARCE, que expressamente o reconheceu, assim interpretou a primeira estrofe:


   ¡Ay Deus! ¿Se sab' ora meu amigo
com' eu senneira estou en Vigo?
      E vou namorada!


e, por ela, as demais (cf, BAG, XI, pp. 93-95). IGLESIAS ALVARIÑO, que vê em tôda a obra de CODAX uma «temblorosa interrogación» (AV, 1950-1951), sugeriu a leitura:


   ¡Ay Deus! ¿Se sab' ora meu amigo
cóm' eu senneira estou en Vigo,
      e vou namorada?


adotada, com ligeiras alterações, por ALVAREZ BLÁZQUEZ (EPG, P. 125), que inexplicàvelmente, omitiu o ponto de interrogação a partir da terceira estrofe. Dos demais editôre, alguns apuseram ao refram simples ponto final (U. A. CANELLO, Saggi, p. 220; NUNES, Crestomatia1, pp. 320-321; Amigo, II, pp. 443-444; SAID ARMESTO-VINDEL, SCA, n.º 4; AUBREY BELL, MLR, XVIII, p. 165; OBPV, p. 15; FERNÁNDEZ POUSA, SLIG, p. 90; V. NEMÉSIO, PT, p. 87; F. PICCOLO, Antologia, p. 177); outros, ponto   —63→   de exclamação (VESTEIRO TORRES, HG, 147, p. 346 = MV, pp. 15-16; T. BRAGA, CPV 887; A. DE LA IGLESIA, IG, II, pp. 279-280; CARRÉ ALDAO, Influencias, p. 153; e NUNES, em CMC, p. 25); e deixaram-no ora separado do corpo da cantiga por vírgula, ponto e vírgula ou dous pontos, ora a êle ideològicamente ligado pela carência de qualquer sinal de pontuação entre ambos. O tônus afetivo do estribilho é, sem a menor dúvida, de naturaleza exclamativa. Interrogação, se existe, se contém nos dísticos, independentes, quanto ao sentido, do enunciado do refram. Mas ainda aí não nos parece cabível tal interpretação. O corpo desta cantiga não encerra pròpiamente uma pregunta, como da I, q. v., mas o lamento da enamorada em forma de conjectura, um solilóquio interrogativo-exclamativo, em que o segundo elemento prepondera, não só em decorrência do caráter hipotético do contexto, mas também por fôrça da invocação Ay Deus!, que o impressiona todo. || 1 e 4. VESTERIRO TORRES escreveu, nos dois passos, saborá o meu. T. BRAGA, A DE LA IGLESIA e CARRÉ ALDAO suprimiram, desarrazoadamente, o se dos códices e mantiveram, no v. 4, o artigo antes de meu amado, êrro notório de V e B, conservado também por U. A. CANELLO em sua edição da cantiga. ||2. A estranha leitura que apresenta êste verso na 3.ª edição da Crestomatia, de NUNES, só pode explicar-se por defeito de revisão. F. PICCOLO a reproduz, no entanto, sem a menor crítica. ||2, 5, 7 e 10. VESTEIRO TORRES e ALVAREZ BLÁZQUEZ (que sistemàticamente não pratica a elisão) transcreveram como eu. ||. Os editôres que não conheceram o texto do PV repetiram, naturalmente, a lição senlheira ou senlheyra, de V, igual à de B. Assim VESTEIRO TORRES (MV, pp. 15-16) __que, antes, havia lido seulheyra (HG, 147, p. 346) __, T. BRAGA, U. A. CANELLO, A. DE LA IGLESIA, CARRÉ ALDAO e NUNES (Crestomatia1, pp. 320-321), que a acolheu também em edições posteriores (Amigo, II, p. 443, CMC, pp. 25, 28 e nota 1), reproduzidas nas antologias de V. NEMÉSIO, F. PICCOLO e FERNÁNDEZ POUSA, atrás mencionadas. Ainda em publicação recente, ALVAREZ BLÁZQUEZ (EPG, p. 125) a preferiiu, talvez por julgá-la, como D. CAROLINA MICHAËLIS (RFE, II, p. 265), a genuína forma galega. À semelhança de OVIEDO Y ARCE, AUBREY BELL e IGLESIAS ALVARIÑO, seguimos, no caso a versão do rôlo membranáceo, geralmente mais pura que a dos outros códices, conforme temos afirmado, e as razões que legitimam senheyra (ou senneira, grafia que lá está) constam do nosso Glossário, s. v. ||5. Não procede, em virtude da lição dos apógrafos italianos e do testemunho do v. 10 do próprio PV, a reconstituição comeu en un senneira mano, proposta por SAID ARMESTO-VINDEL __e aceita por I. POPE (Spec. IX, p. 22) __para êste verso, lacunoso no manuscrito   —64→   musical. ||5 e 10. Embora os três manuscritos, em contraste com a ordem vocabular que observam no v. 5, sejam acordes em pospor en Vigo a senheyra (ou senlheyra) no v. 10, é necessário inverter-se aquí tal construção, ou regularizar-se por ela a daquele verso, para que não sofra a elementar e rígida norma da repetição nas cantigas paralelísticas. Com exceção de VESTEIRO TORRES, T. BRAGA, U. A. CANELLo, A. DE LA IGLÉSIA, SAID ARMESTO-VINDEL, I. POPE e F. PICCOLO (cf. também NUNES, Crestomatia2, pp. 357-358), que mantiveram a anômala versão dos códices, os editôres têm procurado uniformizar êstes versos e, de regra, por princípios idênticos aos nossos. Seria até de salientar a atitude de NUNES, que, havendo, de início, tomado por paradigma a ordem vocabular do v. 10 (cf. Crestomatia1, p. 321), veio, depois, a identificar os dois passos pelo modêlo do v. 5 (cf. Amigo, II, p. 443; CMC, p. 25). Exatamente o contrário do que fêz AUBREY BELL (MLR XVIII, p. 166; OBPV, p. 15), se aceitarmos __o que nos parece falso__, como índice de anterioridade de elaboração, a data em que foram publicadas essas duas obras. || 6. MONACI leu euou, mas o códice vaticano, como B, traz aqui enou. ||8 e 13. As viciosas lições de V e B __nõ sõ comigo, no v. 8 e nõ e comigo, no v. 13 __estão suficientemente corrigidas na versão do PV __nõ ei comigo__, incorporada às edições de SAID ARMESTO-VINDEL, OVIEDO Y ARCE, AUBREY BELL (MLR, XVIII, p. 166), NUNES (Amigo, 11, pp. 443-444; CMC, p. 25), I. POPE, V. NEMÉSIO, FERNÁNDEZ POUSA e ALVAREZ BLÁZQUEZ. Antes, porém, da descoberta do rôlo membranáceo, os editôres naturalmente, tentaram harmonizar com o do v. 8 o enunciado do v. 13 de V, para ser evitada a discordância gramatical que êle apresenta, não percebida por T. BRAGA, U. A. CANELLO, A. DE LA IGLESIA e CARRÉ ALDAO. Assim agiram VESTEIRO TORRES e NUNES (Crestomatia1, p. 321), Particularmente estranha, foi a transcrição feita por AUBREY BELL no OBPV p. 15: non son comigo, no v. 8, e non ei comigo, no v. 13. ||8, 11, 13 e 16. A forma guardas, autorizada pelos dois códices quinhentistas, aparece em tôdas as edições baseadas na versão do V e, até, em algumas que se valeram do texto do PV, como as de NUNES, ou que dêle se poderiam ter beneficiado, como as de V. NEMÉSIO, FERNÁNDEZ POUSA e ALVAREZ BLÁZQUEZ. Os motivos que nos levam a acolher a lição gardas, do PV, também preferida por SAID ARMESTO-VINDEL, OVIEDO Y ARCE, I. POPE e AUBREY BELL, (MLR, XVIII, p. 166, mas não no OBPV, p. 15), estão minuciosamente justificados no Glossário, s. v. ||9. O me excrescente que ocorre neste verso do PV é, sem dúvida, lapso do escriba, originado tal como supôs OVIEDO Y ARCE (loc. laud.), de, lhe estar presente   —65→   no espírito a variante do refram, que se documenta, v. g., numa cantiga de NUNO PORCO (CBN 1127 -- CV 719):


e vou-m' eu namorada.


||14 e 17. Em vista da maior freqüência de ergo nos textos medievais, NUNES era, de opinião que, a concordância dos três manuscritos não devia obstar a que se corrigisse ergas em erg'os. Em seu entender, o copista, trocou aqui o o por a, e na cantiga VI, onde novamente aparece ergas, se teria regulado pelo que acabara de escrever (cf. CMC, p. 29). As razões que nos fazem discordar da emenda proposta pelo filólogo português e aceitar como perfeita a lição dos códices, explicamo-las satisfatòriamente no comentário aos vv. 86 e 89 e no Glossário, s. v. A propósito, cabe ainda salientar que os editôres leram, de regra, ergas, mas T. BRAGA e A. DE LA IGLESIA parecem confundir a conjunção com a forma verbal homógrafa, pois lhe pospoem, uma virgula, inadequada nos passos em que ela ocorre na obra codaciana. E, corroborando esta nossa suposição, milita o fato de não haver T. BRAGA incluído a palavra no glossário que acompanha sua deficiente edição de V. ||. U. A. CANELLo desenvolve sempre em -us o 9 de V, lendo olhus e ambus.

Traduções: Há desta cantiga tradução inglêsa, por AUBREY BELL (MLR, XVIII, p. 166):



Ah God, couldst thou, my lover, know
In Vigo I so lonely go,
And all in love, in love go I.

Ah God, my love, I fain would tell
How lonely I in Vigo dwell,
And all in love, in love go I

So solitary in Vigo I,
None watches o'er my privacy,
And all in love, in love go I.

Lonely in Vigo I remain
And none to guard goes in my train,
And all in love, in love go I.

None o'er my ways a watch doth keep
But, my two eyes that weep and weep,
And all in love, in love go I.

And none to guard goes in my train
But my two eyes that weep amain
And all in love, in love go I.


  —67→  

e italiana, por FRANCESCO PICCOLO (Antologia della lirica d'amore gallego-portoghese, p. 177):



   O Dio, sapesse ora l'amico mio che io sto in Vigo
      sola soletta: e sono innamorata.

   O Dio, sapesse ora il mio amato che sola soletta io
      rimango in Vigo: e sonno innamorata.

   Che sto in Vigo sola soletta e non ho meco che mi
      faccia la guardia: e sonno innamorata

   Che sola soleta io rimango in Vigo e che non son
      venuta con chi mi faccia la guardia: e sonno innamorata.

   Non ho meco chi mi faccia la guardia, eccetto i miei
      occhi che piangono con me: e sono innamorata.

   Non ho meco chi mi faccia la guardia, eccetto i miei
      occhi che piangono: e sono innamorata.


  —67→  


ArribaAbajo- V -


   Quantas sabedes amar amigo
treydes comig' a lo mar de Vigo:
      E banhar-nos-emos nas ondas!

   Quantas sabedes amar amado
treydes comig' a lo mar levado:  65
      E banhar-nos-emos nas ondas!

   Treydes comig' a lo mar de Vigo
e veeremo' lo meu amigo:
      E banhar-nos-emos nas ondas!

   Treydes comig' a lo mar levado  70
e veeremo' lo meu amado:
      E banhar-nos-emos nas ondas!

Classificação: Vantiga de refram 2 x (2+2). EStrofes paralelísticas: aa-B e cc-B, alternadas. O corpo da cantiga é contituído de eneassílabos graves; o refram, de um octossílabo, também grave. Rima breve o soante nos dísticos. O refram monóstico não se liga pela rima ao corpo da cantiga.

Manuscritos: B 1283, V 888, PV 5.

Variantes dos manuscritos: 2. Treydes.... (B) creydes.... (V) treides.... (PV). ||3. Ebanharuimagen emimagen nas ondas (B) eban har uimagen emimagen nas ondas (V) E bannar nos emos [....] (PV, destruído na   —68→   lacuna indicada por colchêtes).||4. Quãtas sabedes damar amado (B) Quantas sabedes damar amado (V) [....] amado (PV, destruído na lacuna indicada por colchêtes). ||5. Treydes uimagen migo ao mar leuado (B) ereydesuimagen migo ao mar leuado (V) [....] ar leuado (PV, detruído na lacuna indicada por colchétes). ||6. E barnharnosemimagen (B) eban harnosemimagen (V) [.......... ]s emos. n. o. (PV, destruído na lacuna indicada por colchêtes). ||7. Treydes comigo ao mar de uigo (B e V) [....... ] alo mar de uigo (PV, destruído na lacuna indicada por colchêtes). ||8. E ueeremolo meu amigo (B) eueeremolo meu amigo (V) e [.......]molo meu amigo (PV, destruído na lacuna indicada por colchêtes). ||9. E banharnosemimagen imagen (B) ebanhar nesemimagen. (V) e bannar nos emos. n. o. (PV). ||10. Treydes migo a lo.... (B) Treydes migo alo.... (V) Treides mig alo.... (PV). ||11. E uermolo meu.... (B) eueremo lo meu....(V) e ueeremo meu.... (PV). || 12. E banharuimagen e'mimagen (nas) / Nas imagen (V) e bannar nos emes. n. o. (PV).

Lição crítica: 1. MENÉNDEZ PELAYO (APLC, I, p. 232 = HPCEM, 1, p. 238) leu errôneamente amor amigo, no que foi seguido por J. DE SANTIAGO (HV, p. 172). A frase amar amigo (= amar amado, cf. v. 4), lição dos três manuscritos e dos demais editôres, era um verdadeiro tópus da linguagem trovadoresca. Cf. Glossário, s. v. amar. ||2, 5, 7 e 10. treydes comig'alo. A forma creydes, que aparece em V nos vv. 2 e 5, é evidente êrro, como em tempo salientou MONACI (Canz. Vat., p. 438; CAP, p. 29), por treydes, lição de B e PV (êste lacunoso nos vv. 5 e 7) e do próprio códice vaticano nos vv. 7 e 10. A correção necessária, foi praticada por todos os editôres, salvo VESTEIRO TORRES (HG, 147, pp. 346-347 = MV, p. 16), que, nos passos em questão, escreveu iredes, à semelhança do que fèz nos vv. 1 e 4 da cantiga III, aí seguramente por influência da leitura de VARNHAGEN (Cancioneirinho, n.º XXIII). || Do exame comparativo dos três manuscritos infere-se que não só no v. 2, mas também nos vv. 5, 7 e 10 a boa leitura é comig' a lo, aliás já acolhida por OVIEDO Y ARCE (BAG, XI, pp. 96-97), AUBREY BELL (MLR, XVIII, p. 166), NUNES (Amigo, II, p. 444; CMC, pp. 25-26), V. NEMÉSIO (PT, pp. 87-88) e ALVAREZ BLÁZQUEZ (EPG, p. 126), que, como o segundo (vv. 7 e 10), não elidiu porém o -o de comigo. Com efeito, a lição do verso 2 nos parece a modelar: primeiro, por figurar o verso em aprêço na estrofe inicial, de regra a melhor conservada nesses cantares, motivo que era gerador do poema e não raro preexistente de todo à sua elaboração, por pertencer a cantos tradicionais (cf. RODRIGUES LAPA, Origens, pp. 331.-346; CELSO CUNHA, MTP, p. 70, nota 2); segundo, por ser a aconselhada pela regularidade métrica e pelo próprio texto dos manuscritos. Se do v. 5 do PV nada podemos concluir, por lacunoso, os vv. 7 e 10 do rôlo membranáceo nos ensinam sobejamente que a lo é a leitura carreta, o que o testemunho de B e V, no v. 10 (mal interpretado por MONACI, Canz. Val. n.º 888;   —69→   Manualetti, p. 60, nota 2), só vem corroborar. Natural, pois, que assim também se transcreva a preposição e o artigo no v. 5. (cf. MICHAËLIS, RFE, 11, p. 270), Quanto à forma comig(o), ocorrente no v. 2 dos três códices e no v. 7 de B e V __ passo em que o PV é lacunoso__, não pode sofrer dúvida de ser ela a que convém aí e nos vv. 5 e 10. A lição dêste conservada pelo PV e concordante com a dos apógrafos italianos (que no v. 5 apresentam, no entanto, uimagen migo), tira-lhe uma sílaba e só se explica por haver o copista substituído, no trasladá-la, a forma catacrética pela que cola ela podia alternar. A existência, na língua do tempo, de três construções equivalentes __treydes comigo, treydes migo e treyde(s)-vos migo:


   Treyes todas, ay amigas, comigo
veer un ome muyto namorado


(JOAN DE GUILHADE, CBN 741 __ CV 343)                



E treydes migo, madre, de grado,
ca meu amigu' é por mi coytado


MARTIN DE GIINZO, CBN 1272 __ CV 878)                



   Ay amor, leyxedes-m' oje
de so lo ramo folgar
e depoys treyes-vos migo
meu antigo demandar


(JOAN ZORRO, CBN 1148 __ CV 741) __,                


levaria a confusão ao espírito nem sempre acautelado dos escribas, e daí poderia decorrer, como no caso vertente, o emprêgo de uma pela outra. ||Em relação ao modo por que têm sido publicados êstes passos; saliente-se que, se os editôres modernos adotaram de regra a leitura que acolhemos, os que se valeram apenas do texto vaticano reproduziram geralmente, sem crítica maior, a versão diplomática de MONACI, inclusive no v. 10, em que o filólogo italiano desavisadamente escreveu ao, quando o códico traz alo. Êste o procedimento de T. BRAGA (CPV 888), U. A. CANELLO (Saggi, p. 222), A. DE LA IGLESIA (IG, II, p. 289), MENÉNDEZ PELAYO (APLC, I, p. 232 = HPCEM, I, p. 238) e D'OVIDIO-MONACI (Manualetti, p. 60, onde se transcreve a lo no v. 10, mas se declara que é ao a lição de V). Alterações de somenos apresentam as edições de J. DE SANTIAGO (HV, p. 172) e de MICHAËLIS (CA, II, p. 928) com o uniformizar os vv. 2 e 7 em comig(o) ao, emenda estendida por AUBREY BELL, (OBPV, p. 16) também aos vv. 5 e 10 e por VESTEIRO TORRES (loc. laud.) a êstes, mas não ao de n.º 2. Sòmente NUNES (Crestomatia, 1.ª ed., p. 343; 2.ª ed., p. 355) tentou reconstituição diversa, ao tomar como padrão o v. 5 de   —70→   V e por êla modelar os vv. 2; 7 e 10. Em edições posteriores, retificou-se no entanto o professor português da leitura então preferida e, mais, de haver aceitado, na 1.ª edição da obra em causa, a mudança de mar de Vigo em mar salido, sugerida por D. CAROLINA MICHAËLIS (CA, II, p. 928, nota 3, que, depois, em estudo atento (RFE, II, pp. 266-268), foi primeira a reconhecê-la, infundada. Possìvelmente tambêm por ter verificado o seu carácter arbitrário, não reproduziu MONACI nos Manualetti a estranha substituição de comigo por todas, que praticara, no v. 2 da cantiga em CAP, P. 29. ||Em referência aos vv. 5, 7 e 10, cabe-nos ainda ressaltar que não foram felizes SAIS ARMESTO e VINDEL no preenchimento das lacunas do PV, fato já observado por D. CAROLINA MICHAËELIS (RFE, I, p. 270) e OVIEDO Y ARCE (BAG, XI, p. 72). Guiarase cegamente pelo texto vaticano e, con isso, induziram em êrro os que, como ISABEL POPE (Spec, IX, p. 23), respeitaram em tudo a liçãoem tudo a lição por êles proposta. ||3, 6, 9 e 12. A análise comparativa dos três manuscritos so admite, como já haviam sentido quase todos os editôres, ainterpretação do estribilho aqui adotada. Se V traz uimagen no v. 3, que é também a lição de B neste passo e no v. 12, corrige-a nos das abreviaturas dos apógrafos italianos é nos, e nao nus, como pensavam D'OVIDIO-MONACI (Manualetti, p. 60) e, inicialmente, NUNES (Crestomatia1, pp. 343-344), que fugiu sinda ao texto dos códices ao querer enquadrar, na referida obra, o refram no metro fos dísticos, com a substituição de nas por e[nas]. ||A destruição do PV na parte final do v. 3, onde estariam nas palavras nas ondas, reduzidas às iniciais nos vv. 6, 9 e 12, nenhum empecilho apresenta à reconstituição do texto, pelo subsídio valioso ministrado, no caso, por B e V. Desnecessário nos apreceu até colocar entre colchêtes, como sugere PELLEGRINI (ARom, XIV, p. 321), as letras da expressâo nas ondas omitidas pelos códices nos vv. 6, 9 e 12. Sempre idêntico, o refram geralmente só vem escrito a primeira vez por inteiro. No mais, enuncia-se apenas o seu comêço, à semelhança do exemplo vertente. ||Também no v. 6 a lacuna do PV foi mal restaurada por SAID ARMESTO e PEDRO VINDEI, A lição perfeita dos vv. 3, 9 e 12 estava a pedir aí bannar, e não banar. ||Embora os editôres se satisfaçam de regra com um simples ponto final ao término do refram, julgamos, com OVIEDO Y ARCE (BAG, XI, pp. 96-97), que se deve marcar, pela pontução, o tônus exclamativo __e não interrogativo, como quer IGLESIAS ALVARIÑO (AV, 1950-1951)__ do estribilho desta cantiga, parecida em seu corte ao moderno Alalá galego (cf. TAFALL Y ABAD, BAG, XII, p. 271). ||4. Não obstante a concordância de   —71→   B e V na lição damar amado e a falta do testemunho do PV, destruído na parte do verso anterior a amado, eliminamos a preposição excrescente não só para conformar o enunciado dêste verso ao do primeiro, seu paralelo natural, mas, principalmente, porque a expressão amar amigo (amado) era um lugar-comum na linguagem trovadoresca, segundo mostramos no Glóssario, s. v. amar. Já VESTEIRO TORRES havia sentido a necessidade desta emenda, praticada também por U. A. CANELLO, MICHAËLIS, NUNES, OVIEDO Y ARCE, V. NEMÉSIO e ALVAREZ BLÁZQUEZ, em suas ediçoes, assim como por BERTONI (ALP, p. 7 e por AUBREY BELL na versão que publicou na MLR, XVIII, p. 166. À estrita lição do texto vaticano ativeram-se sòmente T. BRAGA, A. DE LA IGLESIA, D'OVIDIO-MONACI e, inexplicàvelmente, AUBREY BELL, no OBPV, p. 16. MENÉNDEZ PELAYO alterou-a para d'amor amado, no que foi seguido por J. DE SANTIAGO (HV, p. 172) e por SAID ARMESTO e P. VINDEL, em sua arbitrária restauração do PV. A destruição parcial do rôlo membranáceo no v. 8 e a forma omissa por que o copista transcreveu o v. 11 não impedem que do seu próprio texto se infira que a lição correta nunca poderá ser e ueremos ao meu amigo, e sim e [ueere]molo meu amigo, tal como os apógrafos italianos conservaram o verso em questâo. Erraram também os restauradores na interpretação do v. 11, falto de uma sílaba no original, pela omissão do artigo lo, presente em B e V. Cumpria-lhes, pois, em sua edição, repor apenas essa palavra, e não desenvolver ueeremo em veerem o, como fizeram (cf. SCA, n.º 5). Os demais editôres adotaram de regra processo de reconstituição semelhante ao nosso. Alguns, porém, como T. BRAGA e MENÉNDEZ PELAYO, adstritos ao texto vaticano, leram veermol-o no v. 8 e veremol-o no v. 11, no que não foram seguidos por A. DE LA IGLESIA e J. DE SANTIAGO, que geralmente lhes copiaram sem crítica as interpretações. O último uniformizou os dois passos em veremol-o no v. 8 e veeremol-o no v. 11. ||Quanto à assimilação do -s da forma verbal ao l- do artigo, que o PV testemunha no v. 8, e os apógrafos italianos aí e no v. 11, contrasta ela com a manutenção da consoante íntegra nos vv. 3, 6, 9 e 12 da cantiga III, q. v. OVIEDO Y ARCE supôs, sem razão, que a forma com assimilação total fôsse, de origem, característica do português, pois semelhante tratamento __afirmou__ é «ley que se cumple en un período posterior de la evolución del gallego» (BAG, XI, p. 92 nota 4). Não faltam exemplos __é certo__ nem da linguagem dos trovadores (cf. MICHAËLIS, CA-Gloss., s. v. la, las, lo e los), nem da prosa medieval   —72→   (cf. HUBER, Altp. Elemb.,§ 207), em que o artigo, expresso sob a forma lo (ou la, aparece posposto a palavras terminadas em r, s e z sem lhes haver assimilado ao l- a consoante final. Mas do fato não se pode extrair uma norma, e muito menos para distinguir idiomas, ao tempo estruturalmente idênticos. Se norma existia em casos tais, e válida para os falares das duas bandas do Minho, pois que depreendida do exame dos mais antigos documentos redigidos em Portugal e na Galiza, era a completa absorção pela consoante inicial do artigo da que lhe vinha anteposta, fenômeno que ainda hoje se observa no galego (cf. CORNU, Port. Spr. § 315; MARTÍNEZ SALAZAR, Apuntes acerca del origen e historia del artículo gallego-portugués, Coruña, 1907; e em dialetos portuguêses (cf. F. ALVES PEREIRA, RL, XIX, p. 173; J. DIOGO RIBEIRO, RL, XXVIII, p. 223; HUBER, Altp. Elemb., § 303; WILLIAMS, From Latin to Potugueses, § 137; CELSO CUNHA, CJZ, P. 84). À vista do exposto, pareceu-nos acertado conservamos aqui e na cantiga III a lição do PV, discordante sem dúvida, mas, antes disso, representativo efeito de certa liberdade lingüística, ou seja, no caso, a possível escolha, por parte do trovador, entre duas fórmulas de expressão: uma arcaizante, outra mais de acôrdo com a fala do tempo.

Traduções: Há desta cantiga tradução inglêsa, por AUBREY BELL (MLR, XVIII, p. 166):



All ye who are of love's fair train,
To Vigo's sea come haste amain,
We will bathe us in the ocean waves.

All ye whose hearts love's secret know
Hasten with me where the sea-waves flow,
We will bathe us in the ocean waves.

Hasten with me to Vigo's sea
Thither my love will come to me,
We will bathe us in the ocean waves.

Hasten to where the sea flows free
And there my lover shall we see,
We will bathe us in the ocean waves.


  —73→  

e francesa, por FRANÇOIS DEHOUCKE (Chansons d'Ami, p. 79),



   Vous toutes qui savez aimer un ami,
venez avec moi à la mer de Vigo
      et nous nous baignerons dans les flots.

   Vous toutes qui savez aimer un aimé,
venez avec moi à la mer agitée
      et nous nous baignerons dans les flots.

   Venez avec moi à la mer de Vigo,
et nous verrons mon ami,
      et nous nous baignerons dans les flots.

   Venez avec moi à la mer agitée,
et nous verrons mon aimé,
      et nous nous, baignerons dans les flots.


  —74→  


ArribaAbajo- VI -


   Eno sagrado, en Vigo
baylava corpo velido:
      Amor ey!  75

   En Vigo, no sagrado,
baylava corpo delgado:
      Amor ey!

   Baylava corpo velido,
que nunca ouver' amigo:  80
      Amor ey!

   Baylava corpo delgado,
que nunca ouver' amado:
      Amor ey!

   Que nunca ouver' amigo,  85
ergas no sagrad', en Vigo:
      Amor ey!

   Que nunca ouver' amado,
ergas en Vigo, no sagrado:
      Amor ey!  90

Classificação: Cantiga de refram: 6X(2+1). Estrofes paralelísticas: aa-B; e cc-B, alternadas. 0 corpo da cantiga é constituído fundamentalmente de heptassílabos graves (apenas os vv. 4 e 17 divergem do padrão: o primeiro é um hexassílabo e o segundo um octossílabo, ambos graves); o refram, de um trissílabo agudo. Rima breve, toante no 1.º e no 3.º dístico e soante nos demais. 0 refram monástico não se liga pela rima ao corpo da cantiga.

  —75→  

Manuscritos: B 1283, V 889, PV 6.

Variantes dos Manuscritos: 1.... sagrade.... (B e V).... sa grado en.... (PV). ||2.... uelido (B e PV).... uedilo (V). ||4. E.... (B) E.... (V e PV). ||6, 9, 12, 15 e 18. Apenas o PV repete o refram completo; B redu-lo a Amor. imagen (vv. 6 e 18), ou a Aimagen. imagen (vv. 9 e 12) e Aimagen. (v. 15); V, a amor. (vv. 6, 12, 15 e 18) ou a amr (v. 9). ||7. Hu baylaua.... (B e V) Baylaua.... (PV). ||7-8 e 10-11. 0 PV inverte a ordem dos dísticos, perfeita em B e V. ||8, 11 e 16. ....nimagenca ouu'a.... (B) ....nunca ouu'a.... (V) ....nunc ouuer.... (PV). || 13. Que nimagenca ouuu'a.... (B) Que ouua'.... (V) Que nunc ouuer.... (PV). || 17. ....no uigo saimagendo (B e V) ....en uigo no saimagendo (PV).

Lição crítica: 1. A lição Eno, do texto vaticano, concordante com a de B e PV, foi interpretada E no por VESTEIRO TORRES (HG, 147, p. 347 = MV, p. 16), êrro em que perseveraram SAID ARMESTO-VINDEL (SCA, n.º 6) e CARRÉ ALDAO (Influencias p. 155). Defeituosa também é a separação En o, praticada por T. BRAGA (CPV 889), A. DE LA IGLESIA (IG, II, p. 281), AUBREY BELL, (OBPV), p. 16) C ENTWISTLE (PMP, p. 82), falsa análise dos componentes da palavra, de que, ao tempo, se empregavam ainda os anteriores estágios evolutivos en lo e en-no. Sôbre a utilização dessas formas, bem como da aferética no, e a conveniência, no caso, de se ater o editor à letra dos códices, consultem-se HUBER, Altp. Elemb., § 250; RODRIGUES LAPA, Texto, p. 6 passiim e, Cantigas de Santa Maria, p. v. ||sagrado, en. Ao contrário do que fêz no v. 14, o copista do PV não elidiu aqui o -o de sagrado, do que se depreende o perfeito enquadramento do verso no esquema setissílabo, estrutural da cantiga. Essa a razão por que os editóres, que, de regra, violentaram a tradição manuscrita nos vv. 4 e 17, não tiveram dúvidas em acolher nestes passos o divergente tratamento do mesmo encontro vocálico intervocabular, e alguns, como NUNES (Crestomatia1, p. 350), chegaram a suspeitá-lo, antes mesmo de conhecida a versão do rôlo membranáceo. Embora falte, no caso, o testemunho concludente do texto musical, parece-nos exata a contagem silábica sugerida pela. transcrição do PV, não pròpriamente por exigência de igualdade métrica, mas pela diferença de entoação dos dois enunciados, o primeiro necessàriamente mais pausado, a permitir __e a aconselhar até__ a hiatização do encontro (cf. o que escrevemos em MPT, pp. 33 e 35, e Defesa da filologia, pp. 27-29). ||Dos editôres que dispuseram apenas da lição do códice vaticano, VESTEIRO TORRES (loc. laud.) foi o único que alterou sagrade uigo para sagrado Vigo; os outros, em geral, desenvolveram a primeira forma em   —76→   sagrad'en. Assim, T. BRAGA (loc. laud.), A. DE LA IGLESIA (loc. laud.) e D. CAROLINA MICHAËLIS (CA, II, p. 884), que, no entanto, em boa hora, se retificou do engano (RFE, II, p. 270), ao inverso de AUBREY BELL, que, tendo reproduzido corretamente o verso em publicação anterior (MLR, XVIII, p. 168), preferiu a leitura sagrad'en no OBPV, p. 16, em tudo copiado por ENTWISTLE (loc. laud.). ||2 e 6. VESTEIRO TORRES e, recentemente, ALVAREZ BLÁZQUEZ (EPG, p. 124) modernizaram sem piedade o texto dêstes verses, ao transcrevê-los: bailaba corpo belido. No v. 6, VESTEIRO conservou, porém, como T. BRAGA e A. DE LA IGLESIA, o hu excrescente que aparece na versão de V, com a qual concorda a de B. Os demais editôres, antigos e modernos, adotaram leitura idêntica à que preferimos. Uma pequena discrepância __baylara por baylava__, que vem nos fragmentos publicados por IGLESIAS ALVARIÑO (AV, 1950-1951), talvez se explique por simples êrro de impressão. ||3, 6, 9, 12, 15 e 18. O tônus exclamativo dêste refram, dissociado do corpo da cantiga, deve ser indicado pela pontuação competente, o que não foi observado nas edições de VESTEIRO TORRES, T. BRAGA, A. DE LA IGLESIA, MICHAËLIS, SAID ARMESTO-VINDEL, AUBREY BELL (MLR, XVIII, pp. 166-167) e I. POPE (Spec, IX, p. 24), onde um simples ponto final se apôs ao término do estribilho. ||4. Em busca de absoluta isometia para o corpo da cantiga, NUNES (Crestomatia1, p. 350; Amigo, II, p. 445; CMC, p. 26) substituiu por [e]no a forma no dos códices. E sua correção foi aceita por OVIEDO Y ARCE (BAG, XI, p. 98), CARRÉ ALDAO (loc. laud.), N. DE AZEVEDO (ALIM, p. 15), V. NEMÉSIO (PT, p. 88), COSTA PIMPÃO (HLP, I, p. 110), ALVAREZ BLÁZQUEZ (loc. laud.) e S. SPINA (FFPP, p. 54, onde, por lapso, colocou entre parênteses o e que devia estar entre colchêtes). Admitindo embora que, aqui, haja fortes probabilidades de que eno represente a verdadeira lição original, pois que, sinônimo do primeiro, seria de esperar que êste verso repetisse os elementos daquele, invertidos, mas sem alteração formal, preferimos ater-nos à letra dos manuscritos, em tudo justificável. Em primeiro lugar, porque a obediência a preceitos rígidos não é a característica de CODAX. Poeta, e não artífice do verso, como bem salientou D. CAROLINA MICHAËLIS (RFE, II, p. 267), infringiu êle as leis do paralelismo em mais de um ponto, principalmente no que se refere às alternâncias sinonímicas. Mesmo na utilização do processo de que estamos tratando, ou seja, quando, para obter a igualdade significativa de dois versos, simplesmente lhes alterou a ordem dos vocábulos, não foi muito fiel à preceptiva trovadoresca. Assim, na cantiga II, se opôs normalmente as séries:

  —77→  

Mandad' ey comigo
........................
Comigu' ey mandado
.........................
e ven san' e vivo
.........................
e ven viv' e sano,


não fêz na reiteração dêsses últimos versos, modificados que foram para


Ca ven san' e vivo
.........................
Ca ven viv' e sano.


E o seu procedimento nada tem de incomum, pois o encontramos em outros autores da época. FERNAND' ESQUIO (CBN 1298 __ CV 902), por exemplo, praticou-o nestas estrofes paralelísticas:



   Vayamos, irmana, vayamos dormir
nas ribas do lago, u eu andar vi
      a las aves meu amigo.

   Vayamos, irmana, vayamos folgar
nas ribas do lago, u eu vi andar
      a las aves meu amigo.

   En nas ribas do lago, u eu andar vi,
seu arco na mano a [la]s aves ferir,
      a las aves meu amigo.

   En nas ribas do lago, u eu vi andar
seu arco na mano a las aves tirar,
      a las aves meu amigo.


PEDR'ANES SOLAZ (CBN 828 __ CV 414) também usou das seguintes sinonímias:



Dizia la ben talhada
.........................
A ben talhada dizia

Ca, se o viss' eu, penada
.........................
Penada, se eu o visse;


  —78→  

E NUNO FERNÁNDEZ TORNEOL (CBN 641 __ CV 242), desta:


Levad', amigo, que dormides as manhanas frias
.........................
Levad', amigo, dormide' las frias manhanas,


onde ligeiras discordâncias aparecem, como no texto codaciano. Segundo, porque o critério de NUNES, OVIEDO Y ARCE e dos que lhes reproduziram as lições é por demais elementar e arbitrário para ser adotado numa edição crítica. Consiste apenas em atingir-se a isometria do corpo da cantiga, com que, não raro, procuram conformar até o refram (cf. NUNES, Amigo, III, p. 419 passim), pouco lhes importando a tradição manuscrita, por êles violentada) sob as alegações mais especiosas. Se aqui apelaram para o argumento da necessária identidade vocabular dos versos 1 e 4 valeram-s, òbviamente de razões contrárias ao destruírem a perfeita inversão do v. 17, paralelo natural do v. 14, mas anacrúsico. Tal princípio corre, por conseguinte, ao arrepio da ecdótica moderna e parece-nos de todo inaplicável ao caso concreto das cantigas paralelísticas, de versificação predominantemente accentual e, não, silábica. Se nelas, por influxo dos modelos cortesãos, se observa uma tendência à isometría, esta nunca foi suficientemente forte para impedir-lhes certa flutuação, dos, versos, condicionados, na estrutura, aos acentos do canto e da dança. So o texto musical da cantiga, poderia, pois, dirimir as dúvidas relativas à leitura dêste verso. A sua falta aconselha-nos, prudentemente, a manter inalterada a também legítima lição cataléctica dos códices. ||4-6. VESTEIRO TORRES (loc. laud.) omitiu esta estrofe. ||5e10. Como nos vv. 2 e 7, as edições de VESTEIRO, TORRES e ALVAREZ BLÁZQUEZ trazem aqui Bailaba por Baylava, grafia que, talvez por engano, ocorre no v. 5 da edição de A. DE LA IGLESIA ||7-8 e 10-11. A errônea disposição que o PV dá a êstes dísticos foi conservada por SAID ARMESTO-VINDEL e I. POPE,(loc. laud.); os demais editôres, pautando-se pela rígida norma da concatenação, estrófica paralelística, restituíram-nos à ordem primitiva, ou melhor, acolhêram, no particular, a perfeita lição de V. e B. ||8, 11, 13 e 16. Nestes versos, enquanto a PV elide sistematicamente o -a de nunca e ouvera, os apógrafos italianos mantêm a vogal final dos dois vocábulos. Daí a divergência sensível entre as edições de VESTEIRO TORRES, T. BRAGA, A. DE LA IGLESIA, NUNES (Crestomatia1, p. 350), CARRÉ ALDA0, AUBREY BELL, (OBPV, p. 16) e ENTWISTLE, calcadas no texto vaticano, e as de SAID ARMESTO-VINDEL e I. POPE, que tentaram reproduzir a versão d rôlo membranáceo. Cremos, no entanto, que a boa leitura   —79→   exige, nos quatro versos, a elisão do -a de ouvera, atestada pelo PV, e a integridade do advérbio nunca, documentada por V e B. Assim entenderam também, levados por motivos de natureza, métrica, OVIEDO Y ARCE (BAG, XI, pp. 98-100), AUBREY BELL (MLR, XVIII, pp. 166-167), NUNES (Amigo, II, p. 445; CMC, p. 26) e os que transcreveram apenas sua interpretação __N. DE AZEVEDO (ALIM, p, 15), V. NEMÉSIO (PT, pp. 88-89) e COSTA PIMPÃO (HLP, I, p. 111). A nosso ver, porém, a par __ou acima__ de razões métricas, outras, de ordem, idiomática, reclamara a elisão da postônica débil na forma, verbal e a sua conservação na adverbial. Ao primeiro tratamento, causas fonéticas, isto é, mecânicas, o justificam à saciedade. Representa mesmo a regra geral em casos tais (cf. CELSO CUNHA, MPT, p. 33). Já a manutenção do -a de nunca só se explica satisfatòriamente pelo teor afetivo do advérbio ou por questões de eufonia, (cf. Op. laud., p. 36, nota 1), pois que, débil como a dos outros paroxítonos, essa vogal deveria perder-se quando, no verso, se antepunha a palavras de início vocálico, principalmente quando a subjuntiva do encontro era a inicial de um polissílabo. 0 certo é que, ou pela valorização afetiva, ou para se evitarem efeitos cacofônicos, ou por motivo diverso, não apurado, a integridade do advérbio se apresenta como norma quase absoluta da linguagem trovadoresca. Dos raros exemplos do CA, (ed, MICHAËLIS) que parecem contrariá-la alguns são evidentemente duvidosos (cf, NOBILING, RF, XXIII, pp. 374-375). E outros não sé documentam na obra de trovadores cujo texto foi estabelecido com o rigor crítico desejável. Assim na de GUILHADE (ed. NOBILING), onde êstes decassílabos:


nunca eu já d' el morte temezia
..............................
nunca en já os olhos partiria


(CA 236)                



e pero nunca o podo fazer


(CA 238)                



Ca, nunca eu faley con mya senhor


(CA 239)                



Lourenço, nunca irás a logar


(CBN 1495 __CV 1106)                


e éste octossílabo


ca nunca eu êss' e tal vi


(CBN 750 __ CV 353)                


  —80→  

constituem os passos em que nunca se antepõe a palavras iniciadas por vogal. Em todos êles o seu -a permanece intacto, à semelhança do que vemos neste decassílabo __único exemplo que se colhe nas cantigas de GIL PÉREZ CONDE, reconstituídas por RODRIGUES LAPA (CEG, IX, pp. 1-14)__


Assi and' eu como nunca andey,


(CBN 403)                


e nestoutros, de CHARINHO:


Ca sen desejos nunca eu vi quen


(CA 252)                



Ca de vós nunca el se partirá.


(CBN 844 __ CV 430)                


Justo é, pois, que optemos, no caso vertente, pela lição dos códices quinhentistas, às vêzes superior à do PV. ||Em relação a êstes versos, cabe ainda lembrar que VESTEIRO TORRES nã só conservou autônoma a forma verbal, mas a transcreveu oubera, no que foi seguido por ALVAREZ BLÁZQUEZ (EPG, p. 124). ||14. Apenas VESTEIRO TORRES, ALVAREZ BLÁZQUEZ e SAIR ARMESTO-VINDEL fugiram aqui à letra dos códices: o primeiro leu sagrado Vigo; os últimos, sem fazerem elisão, sagrado (,) en Vigo. ||17. Enquanto no v. 14 o texto dos manuscritos é uniforme, neste, seu paralelo natural, êle apresenta divergência apreciável. De um lado, temos a lição do PV, perfeita quanto à alternância sinionímica, discordante, no entanto, quanto à correspondência métrica:


ergas no sagrad en uigo


(v. 14)                



ergas en uigo no saimagendo


(v. 17).                


De outro, as versões dos apógrafos italianos, a concordarem entre si, coerentes do ponto de vista métrico, mas infratoras das leis do paralelismo:


ergas no saimagendimagen uigo


(V, v. 14)                



ergas no uigo saimagen


(V, v. 17)                



Ergas no sagradimagen uigo


(B, v. 14)                



Ergas no uigo saimagendo


(B, v. 17).                


Essa a razão por que os editõres, em sua maioria, não tiveram dúvidas em reproduzir a tradição manuscrita no v. 14 e, de um modo geral, com ela não se conformaram no v. 17. Sòmente VESTEIRO TORRES adotou,

  —81→  

ao transcrever êste verso, a lição de V; apenas SAID ARMESTO-VINDEL, AUBREY BELL, I. POPE, ENTWISTLE e ALVAREZ BLÁZQUEZ o publicaram segundo o texto do PV. T. BRAGA e A. DE LA IGLESIA deram-lhe a inintelegível, interpretação:


ergas, no Vigo en sagrado;


os demais editõres, preocupados com enquadrá-lo no paradigma setissílabo da cantiga, tentaram reduzi-lo, ou pela violenta elisão do -as de ergas (OVIDIO y ARCE), ou pela substituição dessa forma por sua concorrente ergo, naturalmente elidível (NUNES, CARRÉ ALDAO, N. DE AZEVEDO, V. NEMÉSIO e COSTA PIMPÃO). No comentário ao v. 4, mostramos o que busca de uma ilusoria isometria estrófica em poemas cujos versos se regulavam, harmônicamente pelos acentos da melodia e, não, pelas sílabas contadas. No verso em causa, a pureza da lição do PV ressalta, aliás ao primeiro exame. Guarda, em simétrica inversão vocabular, sua, perfeita sinonímia com v. 14. Se da transposição de palavras resulta uma anacruse, tal acréscimo silábico nada tem de ilegítimo nos cantares paralelísticos (cf. UREÑA, VEI p. 49). Inexiste pois, motivo plausível que autorize, no caso, a substituição de ergas por ergo. Não vale o argumento de que ergo predomina nos autores do tempo. Basta o fato de ergas ser também usada (cf. CBN 1580 __ CV 1112; CBN 700 __ CV 301) __e, mais de ser a Única das duas formas que os códices testemunham nas cantigas de CODAX (cf. vv. 56, 59 e Glossário, s. v.) __para que o editor cauteloso se veja na impossibilidade de alterar a letra dos manuscritos.

Traduções: Há desta cantiga tradução inglesa, por AUBREY BELL, (MLR, XVIII, pp. 166--167):



In Vigo and ou holy ground
A body fair danced round and round,
      All in love am I.


In Vigo, in this holy place,
Danced so slim and full of grace,
      All in love am I.


Danced a fair body round and round
That never had a lover found,
      All in love am I.
—82→


Danced so slim and full of grace
That ne'er had looked upon love's face,
      All in love am I.


That never had a lover found
And dancèd there on holy ground,
      All in love am I.


That ne'er had looked upon love's face
And dancèd in this holy place
      All in love am I.


francesa, por FRANÇOIS DEHOUCKE (Chansons d'Ami, pp. 76-77):



   Sur le parvis, à Vigo,
dansait une belle:
       aimée je suis!

   A Vigo, sur le parvis,
dansait une [jeune fille] jolie:
      aimée je suís

   Dansait une belle,
qui jamais n'aura d'ami:
      aimée je suis!

   Dansait une [jeune fille] jolie,
Qui jamais n'aura d'ami,
      aimée je suis!

   Qui jamais n'aura d'ami,
sauf sur le parvis, á Vigo:
      aimée je suis!

   Qui jamais n'aura d'aimé,
sauf à Vigo, sur le parvis:
      aimée je suis!


e espanhola, per FRANCISCO LUIS BERNÁRDEZ (Florilegio del Cancionero Vaticano, n.º 48, p. 137):



En el sagrado y en Vigo
bailaba cuerpo bonito.
      Tengo amor.
—83→

En Vigo y en el sagrado
bailaba cuerpo delgado.
      Tengo amor.

Bailaba cuerpo bonito,
que nunca tuviera amigo.
      Tengo amor.

Bailaba cuerpo delgado,
que nunca tuviera amado.
      Tengo amor.

Que nunca tuviera amigo,
en el sagrado y en Vigo.
      Tengo amor.

Que nunca tuviera amado,
en Vigo y en el sagrado.
      Tengo amor.


imagen

  —84→  


Arriba- VII -


Ay ondas, que eu vin veer,
se me saberedes dizer
      porque tarda meu amigo
sen min?

Ay ondas, que eu vin mirar,  95
se me saberedes contar
      porque tarda meu amigo
sen min?

Classificação: Cantiga de refram: 2 X (2 + 2). Estrofes paralelísticas: aa-Bb e cc-Bb. O corpo da cantiga é constituído de octossílabos agudos; o refram, de um heptassílabo grave e um dissílabo agudo. Rima longa e soante nos dois dísticos da cantiga. Os versos do refram heterométrico toam quanto à vogal tônica, mas não se ligam pela rima ao corpo da cantiga.

Manuscritos: B 1284, V 894, PV 7.

Variantes dos manuscritos: 1. Ay.... (B e V) imagen.... (PV, onde não se desenhou a inicial maiúscula, embora o copista tenha deixado o espaço para fazê-lo). De tão esmaecidas, mal se percebem em PV as letras da palavra ueer ||2 e 6. Se mi.... (B) se mi.... (V) seme.... (PV, mal legível no v. 2). ||4. Sen mi (B) sen mi (V) simagen mimagen (PV, onde um borrão destruiu parte do til sobreposto ao -e e ao -j). ||5. Ay ondas imagen eu + (B) Ay (d)õnas imagen eu uin mirar (V, em que o d que colocamos entre parênteses, vem cortado) imagen ondas imagen eu uimagen mirar (PV, onde, conto no v. 1, não se inseriu a iniciai maiúscula). ||7. por imagen tarda meu amigo (B e V) por imagen t. m. a. (PV). ||8. s. mimagen (PV). B e V omitem éste verso.

Lição crítica. l-8. Em contraste com a forma por que transcreveu as cantigas anteriores, o copista do PV não assinalou aqui o final dos   —85→   versos com um ponto. Adotamos, por isso, a disposição estrófica de B e V, seguida pela quase totalidade dos editôres, como dizemos no comentário aos vv. 3, 4, 7 e 8. ||1. VESTEIRO TORRES (HG, 147, p. 347 = MV, p. 17) modernizou, sem fundamento, em ver o dissílabo veer dos manuscritos, leitura, aliás, que não teve imitadores. ||2 e 6. Preferimos, com OVIEDO Y ARCE (BAG, XII, pp. 121-122), NUNES (Crestomatia2, p. 356; Amigo, II p. 446; MLLAJ, p. 343; CMC, 26), AUBREY BELL (MLR, XVIII, p. 167), RODRIGUES LAPA (Origens, p. 286), S. PELLEGRINI (ARom, XIV, p. 300 = Studi, p. 38), I. POPE (Spec, IX, pp. 24-25), N. DE AZEVEDO(ALIM, p. 125), V. NEMÉSIO (PT, p. 89), IGLESIAs ALVARIÑO (AV, 1950-1951), FERNÁNDEZ POUSA (SLIG, p. 90) e ALVAREZ BLÁZQUEZ (EPG, p. 124), a lição me, do PV, á mi, dos apógrafos italianos, não por ser última «manifiesto lusismo», como desarrazoadamente afirmou o primeiro dos editôres citados, mas pela maior pureza lingüística que, em geral, apresenta a versão do rôlo membranáceo. Os que se puderam valer apenas do texto de V acolhêram naturalmente, em suas transcrições dêstes versos, a forma mi, admitida ainda em publicações saídas posteriormente à descoberta, do PV (cf. AUBREY BELL, OBPV, p. 17; TEJADA SPÍNOLA, La tradición gallega, p. 67; ENTWISTLE, in PMP, p. 79). Estranho, porém, é que os próprios editôres do PV, SAID ARMESTO e P. VINDEL, a tenham empregado em sua infeliz interpretação crítica do precioso códice (cf. SCA, n.º 7). ||Também não foram êles bem sucedidos na restauração fotográfica do manuscrito, que, no v. 2, traz dizer, e não dezer, como entenderam, fato que induziu I. POPE, (Spec, IX, p. 24) a reproduzir tal êrro. ||Em relação ao v. 2, advirta-se ainda que nada justifica as leituras decir (MV, p. 17) e dicer (HG, 147, p. 347), de VESTEIRO TORRES, a última adotada, modernamente, por ALVAREZ BLÁZQUEZ (loc. laud.). ||3-4 e 7-8. ISABEL POPE considerou o refram constituído de um só verso: «The refrain is a hendecasyllable also with masculine rhyme» (Spec, IX, p. 25), e assim o transcreveu N. DE AZEVEDO (loc. laud.). A disposição dos versos nos apógrafos italianos aconselha, no entanto, a autonomia de sen mi (ou min, segundo o PV), o que, a nosso ver, melhor salienta o realce da expressão, indicado no próprio manuscrito musical e reconhecido pela escritora americana, ao dizer: «The time has a rather sentimental quality which is exaggerated in the final ascending cadence accompanying the exclamation 'sen mi!'» (Ibid., ibid. ||4 e 8. Julgando incompleto o refram, W. STORCK (Hundert altportugiesische Lieder, p. 42) sugeriu se acrescentasse e non fala migo a sen mi, mas, como assinalou D. CAROLINA MICHAËLIS (RFE, II, p. 270), «a notação musical não admite tal aumento». Tampouco tem   —86→   cabimento a supressão do verso, solução proposta pela insigne romanista no Cancioneiro da Ajuda (II, p. 928) e aceita JOAQUIM FERREIRA (HLP, p. 17) e também, na primeiro momento, por NUNES (cf. Crestomatia, 1.ª ed., p. 344; 2.ª ed., p. 356). Se não a exige, de um ponto de vista estritamente lógico, a sentido geral da cantiga muito se enriquece com a expressão sen min. Seu valor estilístico é apreciável, pois mela se contém o ápice elegíaco do poema, a ansiosa interrogação da enamorada, que, sòzinha, não compreende como possa tardar o amiga sabendo-se sem ela ao lado. Além disso, não é de estranhar a emprêga da emprêgo da expressão neste passo de CODAX, pois, segundo mostraram OVIEDO Y ARCE (BAG, XII, pp. 121-122) e NUNES (Amigo, III, p. 422), ela foi usada com valor semelhante por outros trovadores. JOAN LÓPEZ D'ULHOA, por exemplo, assim termina uma cantiga (CBN 695 __CV 296:


   Perder-m'-á, se o non souber,
que terra foy a que achou,
u el sen min tanto morou,
se mi verdade non disser:
      como pôd' aquesto fazer,
      poder sen mi tanto morar,
      u mi nan podesse falar?


E PERO D'ARDIA desta forma começa outra (CBN 1119 __ CV 710):


   Jurava-my-o meu amigo,
quand' el falava comigo,
qua nunc' alhur viveria
sen mi, e non mi queria
      tan gran ben como dizia,


passo em que, esporàdicamente, se faz a elisão do -a de nunca. ||Embora os editôres, ainda os modernos, tenham preferido a lição mi, de B e V, julgamos de melhor aviso conservar a nasalidade da forma pronominal indicada no PV. Desenvolvemos apenas, camo PELLEGRINI (ARom, XIV, p. 300 = Studi, p, 38), o mimagen do rôlo membranáceo em min. ||Correspondendo êstes versos ao término da pergunta dirigida âs ondas pela amiga, é óbvia que se lhes deve pospor ponto de interrogação, e não de exclamação ou simples ponto final, conforme so vê em algumas edições. ||7. AUBREY BELL (MLR, XVIII, p. 167) leu aqui amado, por amigo, no que evidentemente não tem razão, pais que, pertencendo ao refram e não ao corpo da cantiga, o verso tem de repetir-se intacto nas estrofes subseqüentes.

  —87→  

Traduções: Há desta cantiga tradução alemã, por W. STORCK, (Hundert altportugiesische Leider, n.º 38, p. 42):




Wer weiss warum?


Ach Wellen, die ich kam zu seh'n
Wisst ihr's und wolt ihr mir's gesteh'n
Warum hält sich mein Geliebter
Mir fern?

Ach Wellen, die ich kam zu schau'n
Wisst ihr's und wollt ihr mir's vertrau'n
Warum hält sich mein Geliebter
Mir fern?


inglêsa, por AUBREY BELL (MLR, XVIII, p. 167):



Waves that I came to see,
Ah waves, say unto me
Why my lover lingers thus
Away from me [?]

O waves that ebb and swell,
Will you not to me tall
Why muy love tarries thus
Away from me?


e espanhola, por FRANCISCO LUIS BERNÁRDEZ (Florilegio del Cancionero Vaticano, n.º 49, p. 139):



Ay ondas que vine a ver
¿no me sabríais decir
por qué se tarda mi amigo
      sin mí?

Ondas que vine a mirar:
¿no me sabríais contar
por qué se tarda mi amigo
      sin mí?








 
Indice