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O conto de fadas folclórico sabe falar à criança

Armindo Teixeira Mesquita


(Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro-Portugal)


Resumo:

Os contos de fadas folclóricos são algumas das primeiras histórias que são contadas às crianças e vêm desde tempos imemoriais, pois ninguém sabe quem foi o primeiro a contá-los. Sabe-se que foram contados, durante muitos séculos, sobretudo em longas noites invernais, em locais privilegiados pela tradição como os serões à volta das fogueiras e das lareiras de todo o mundo.

Os contos de fadas tratam, em linguagem simbólica, de problemas humanos universais e da necessidade de enfrentar a vida por si só. Neste sentido, ajudam a criança a ultrapassar as suas dificuldades e a crescer mais serenamente, dando um sentido à vida.





Qual o interesse dos contos de fadas nos dias de hoje, quando tantas histórias mais modernas, consolas, jogos de vídeo estão à disposição da criança?

Apesar de ensinarem pouco sobre as condições específicas da vida actual, mas o facto de lidar com conteúdos da sabedoria popular, os contos de fadas fazem referência a problemas humanos universais (morte, envelhecimento, a inveja, os ciúmes, as dificuldades de ser criança, entre outros), numa linguagem simbólica que a criança pode compreender, que é a linguagem da magia, a linguagem dos sonhos.

O conto, em geral, desabrochou nos meios tradicionais, de certa maneira propriedade colectiva do grupo. A sua transmissão só dependia da memória das gerações de contadores (que perpetuavam esta tradição), já que, em tempos longínquos, a maioria das pessoas não sabia ler nem escrever, por isso, as histórias dos contos eram uma forma de distracção, de divertimento e de aprendizagem.

Os contos de fadas são algumas das primeiras histórias que são contadas às crianças e vêm desde tempos imemoriais, pois ninguém sabe quem foi o primeiro a contá-los. Mas uma coisa é certa, sabe-se, sim, que foram contados, durante muitos séculos, sobretudo em longas noites invernais, em locais privilegiados pela tradição como os serões à volta das fogueiras e das lareiras de todo o mundo. Este ambiente aponta para um espaço especialmente receptivo ao conto de fadas que é o mundo rural.

À pestanejante luz dos troncos ardentes que faziam saltar as sombras pelas paredes e ao som da roca enchendo a casa, uma voz suave (essencialmente feminina: avó, mãe, criada) contava os contos que já tinham sido recontados milhares de vezes antes e que, no entanto, pareciam sempre novos, porque este tipo de contos abre as portas ao imaginário, à magia e ao sonho, onde as realidades se transformam, dando vida a muitas criaturas que estão encarceradas no mundo da fantasia, esperando o momento para encantar, por isso, temos de acreditar na fantasia, compreender e apreciar a transformação da verdade numa outra dimensão.

Era a voz de alguém que, pela sua larga experiência, conhecia a forma de ser da vida humana sobre a terra. Conforme falava, surgiam à vida, nas mentes das crianças (e também dos velhos), as familiares figuras dos contos de fadas que saiam do seu mundo encantado para encontrar um lugar no coração dos ouvintes. Reflectido nos contos, via-se o próprio deambular pela vida, desde a infância à juventude, sabendo que este universo exemplar de literatura oral tradicional é um legado dos nossos antepassados, porque, sendo um produto nascido do encantador imaginário popular, estes contos transmitem valores e costumes, e apontam para a importância da vivência dos mesmos, já que são os pilares de sustentação de uma sociedade.

O conto maravilhoso é único, é uma obra de arte, logo é susceptível de diversas interpretações. O significado mais profundo deste tipo de contos será distinto para cada pessoa, inclusive para a mesma pessoa em diferentes períodos da sua vida. Para uma criança, o que faz que um determinado conto seja mais importante do que outro depende do seu estado de desenvolvimento psicológico e dos problemas mais estimulantes naquele momento.

Ao contar um conto maravilhoso e não ao lê-lo, mantemos a característica mais identificativa desde tipo de relatos, a sua oralidade. Neste processo, a palavra ganha vida, transmite mais do que significados, transmite sentimentos, vivências, afectividade.

Nesta perspectiva, poderemos dizer que o conto maravilhoso é uma forma feliz para contactar com o mundo da criança, porque oferece elementos profícuos para despertar e desenvolver a sua imaginação, partindo das experiências reais da própria criança, já que os seus conteúdos correspondem às contradições e aos conflitos com os quais todos os indivíduos são confrontados.

Assim, o conto, para além de divertir a criança e de lhe desenvolver a sua capacidade imaginativa, surge como uma maneira, ainda que disfarçada, de objectivar determinados conhecimentos, uma vez que se dirige à criança numa linguagem simbólica, bem distante da realidade do dia-a-dia, possibilitando o avanço da criança na compreensão da linguagem, ampliando o seu vocabulário, fazendo-a viver e relacionar-se com muitas realidades com as que, na sua vida real, possivelmente nunca entraria em contacto. Logo, «le pouvoir des contes est dans son universalité» (Jean 1981:228).

O conto, em geral, e o conto maravilhoso, em particular, por serem um espelho mágico que reflecte alguns aspectos do nosso mundo interior e das etapas necessárias para passar da imaturidade à maturidade total, contribuem, de forma clara, para o desenvolvimento da aprendizagem humana.

O tempo e o espaço dos contos estão fora do espaço e do tempo reais, já que o seu ritmo, por ser vivido no próprio momento, nada tem a ver com a temporalidade objectiva. Trata-se de um tempo indeterminado, isto é, o autor serve-se desta «indeterminación espacio-temporal para situar al narratario ante dimensiones diferentes del mundo real. Así, la utopía y la ucronía favorecen la introducción de elementos inverosímiles que no sorprenden a nadie» (Cervera 1997:206). Aliás, a expressão «Era uma vez...», que frequentemente inicia um conto, ao provocar um distanciamento temporal, é o anúncio gozoso de um acontecimento feliz, abrindo todas as possibilidades ao conto, mas sem expectativas concretas.

Os contos de fadas fazem com que as crianças anseiem o bom e o formoso, visto que todas as crianças tendem a adorar os bons e desejam ser como eles, detestando as bruxas, os ogres, os lobisomens, etc. Não há nada que ajude mais uma criança, nos seus anos de desenvolvimento, do que uma pessoa ideal, já que pode modelar a sua própria personalidade. Os contos propõem, à criança, uma quantidade de personagens com as quais se pode identificar, segundo as suas necessidades de momento: por exemplo, a fada boa pode personificar os seus desejos mais ardentes e a bruxa má a sua vontade de destruição. Os contos de fadas são tão ricos de possibilidades que um mesmo conto pode falar tão bem a um criança de 5 anos como a uma de 12 anos: as suas interpretações não serão obviamente as mesmas.

Além disso, os contos de fadas oferecem-nos um outro precioso presente, presente de que muito necessitamos na nossa curta passagem pela vida: a fé inquebrantável no poder da metamorfose. Este poder é o que faz com que tudo seja possível; graças a ele, sabemos que o sapo mais feio pode ser convertido em valente e bonitão príncipe, sem que descobramos o segredo de como fazê-lo. Neste «embruxado» existe a magia reparadora que o liberta. Isto transmite a certeza de que o bom triunfará finalmente, enquanto que o vilão, apenas, poderá ter logrado uma vitória transitória. Na realidade, quem aprendeu esta lição dos contos de fadas é afortunado, porque terá a força para caminhar erguido, sem flanquear nas provas da vida terrena.




A linguagem simbólica de um conto de fadas

Para ilustrar esta comunicação, nada melhor do que abordar a linguagem simbólica de um conto de fadas, já que se dirige à criança numa forma mágica, excitando a imaginação e estimulando a fantasia.

Certamente que todos conhecemos a história de Branca de Neve e os sete anões, dos Irmãos Grimm, considerada como um clássico da literatura infantil. Esta história ensina-nos que atingir a maturidade física não é suficiente para se estar preparado, intelectual e afectivamente, para entrar na idade adulta, idade esta representada pelo casamento. O adolescente deve crescer mais, pois, é preciso ainda muito tempo para que a personalidade fique mais madura e que sejam integrados os velhos conflitos. Só nesse momento é que se está preparado para receber o parceiro do sexo oposto e estabelecer, com ele, relações íntimas que permitam à maturidade adulta efectivar-se. O parceiro de Branca de Neve é o príncipe que recebe o caixão das mãos dos anões e que o leva, isto é , Branca de Neve dissipa-se no sono e só sai amadurecida pela união com um jovem O conto diz-nos, de maneira simbólica, se não refrearmos as nossas paixões incontroladas, acabaremos por nos destruirmos.

Neste sentido, Branca de Neve é um dos contos de fadas mais célebres. Aliás, poucos contos de fadas conseguem ajudar o destinatário a distinguir entre as principais fases de desenvolvimento da infância. Neste conto, os anos em que a criança está totalmente dependente apenas são mencionados. A história refere-se essencialmente aos conflitos entre a enteada e a madrasta, insistindo no que constitui uma «boa infância» e o que é preciso para sair dela.

Aparentemente, nada de mal acontece a Branca de Neve durante os seus primeiros anos, ainda que a sua mãe tenha morrido e tenha sido substituída por uma madrasta. Esta não é a madrasta «típica» do conto de fadas, porque, por estar presa à vaidade, revela-se como uma bruxa perdida na busca da beleza eterna. Quando Branca de Neve faz sete anos é expulsa do seu castelo e abandonada, pelo servo, na floresta que, miticamente, é o lugar desconhecido. E, aqui, começa a amadurecer.

Todo o conto gira em torno da beleza: «Espelho meu, espelho meu! Diz-me se no mundo há mulher mais bela do que eu?». Esta pergunta é feita sete vezes. Quando os anões chegaram a casa e viram Branca de Neve deitada na cama exclamaram: «Santo Deus! Que criança tão linda».

A beleza de Branca de Neve está representada pelas cores vermelha, branca e preta:

Um dia de Inverno, quando caíam grandes flocos de neve, uma certa rainha estava a bordar à janela com um lindo bastidor de ébano negro e, ao olhar lá para fora, picou o dedo e três gotas de sangue caíram na neve. Então, ela olhou pensativamente para as três gotas de sangue que tinham salpicado na neve e disse:

- Gostava que a minha filhinha fosse tão branca como a neve, tão rosada como o sangue e tão negra como o bastidor .



O narcisismo da madrasta de Branca de Neve está simbolizado pelo espelho mágico que é o olho universal que percebe tudo, reflecte todas as coisas e diz a verdade sobre cada uma delas.

Depois de ter comido a maça envenenada, Branca de Neve adormeceu. Este espaço de tempo corresponde a uma preparação para a maturidade. Assim, durante três dias, os anões velaram o corpo de Branca de Neve. «Fizeram um caixão de vidro, para a poderem ver, escreveram o nome dela em letras douradas e que era filha de rei» .

A imagem de Branca de Neve, no caixão de vidro colocado na montanha, é a mais comovedora deste conto.

Quando Branca de Neve jaz no caixão de vidro, símbolo da morte espiritual, três pássaros choram junto dos sete anões: primeiro a coruja (pássaro da morte, simboliza a sabedoria), depois um corvo (chefe das forças obscuras, simboliza a consciência madura) e, finalmente, uma pomba (simboliza a inocência e o amor).

Estas três aves, para além de constituírem aspeças chaves da trama do conto, simbolizam um número mágico que, aliás, também aparece em outros contos. Três são, geralmente, as provas que o protagonista deve superar para alcançar vitória. A malvada madrasta de Branca de Neve visita, por três vezes, a casa dos anões enquanto estes estavam a trabalhar. Na sua primeira visita, disfarçada de velha vendedora ambulante, tenta estrangular a enteada, apertando-lhe, em demasia, o corpete, a tal ponto de «ficar sem poder respirar e caiu no chão como morta». Foi reanimada pelos anões que lhe cortaram as fitas que a impediam de respirar. Na segunda visita, a rainha, disfarçada de velhota, dá-lhe uma travessa do cabelo envenenada que a deixa, igualmente, caída sem sentidos, isto é , como morta. O envenenamento do cabelo parece ser outro signo da culpa que a madrasta atribui a Branca de Neve para crescer. Isto confirma-se na terceira visita. Desta feita, a madrasta, disfarçada de camponesa, ofereceu uma maçã envenenada. Para mostrar que a maçã estava sem veneno, a bruxa divide o fruto em duas partes e come a metade branca. Ao deglutir a metade encarnada, Branca de Neve perde a sua inocência e os anões já não poderão ajudá-la mais. A cor vermelha pode significar o começo da maturidade sexual. Quando Branca de Neve come a metade encarnada da maçã , caiu inanimada no chão.

Entretanto, um príncipe chega a casa dos anões para passar a noite. Vendo a formosa Branca de Neve jazida e lendo o que estava escrito, em letras douradas, no caixão, quis levá-la. Ao erguê-la, a maçã envenenada caiu-lhe da boca e a Branca de Neve voltou a si, isto é , Branca de Neve, após pagar o preço da sua ingenuidade, acaba por renascer da sua morte simbólica nos braços do seu príncipe encantado.

O sete é outro dos números mágicos. Veja-se: quando chega a casa dos anões, Branca de Neve tem sete anos1, sete anões2, sete utensílios (sete pratos, sete pães, sete copos, sete garfos, sete facas, sete camas, sete candeeiros), sete as perguntas dos anões ao regressarem a casa, sete tarefas (cozinhar, lavar, tricotar, fiar, ...) que os anões encomendam a Branca de Neve3, sete vezes se pergunta ao espelho mágico quem é a mulher mais formosa do mundo, Branca de Neve e a madrasta vivem em mundos diferentes separados por sete montanhas. Poderemos dizer mais, Branca de Neve converte-se numa menina formosa aos sete anos.

Os animais selvagens simbolizam os conflitos não resolvidos e os instintos de agress ã o. A madrasta de Branca de Neve, assaltada pelos ci ú mes e pela inveja, procura a morte com uma maçã envenenada.

Em suma, devemos ter presente o seguinte, no mundo das fadas, todos (crianças, jovens e adultos) seguimos encantados e ... felizes para sempre.






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