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O novo Hamelin

Cecilia Zokner





Em abril de 1952, Gabriel García Márquez publica, em Barranquilla uma de suas crônicas para o jornal El Heraldo com o título «Sobre ratos e homens». O assunto se originara de uma conversa entre amigos quando um deles se declarou enojado de falar sobre homens. Passaram, então, a falar sobre ratos. Entre vários interlocutores e deferentes assertivas, Gabriel García Márquez lembrou a história (uma das mais lindas histórias já escritas) do flautista de Hamelin que a tocar a sua flauta, atravessou o povoado para livrá-los dos ratos que, aos milhares, seguiram a música. Se Gabriel García Márquez voltasse ao assunto, hoje, certamente, o seu entusiasmo iria para o violonista Triclinio, também condutor de ratos.

O surpreendente Triclinio é personagem do romance El trino del diablo (Buenos Aires, Suadamericana, 1974) de Daniel Moyano, um dos excelentes escritores argentinos de hoje que nasceu em Todos los santos de la Rioja, cidade fundada em 1591 no lugar errado devido a um engano de cálculo. Fadada a grandes pragas, secas, pestes, conforme explicou o futurólogo da expedição, seus habitantes seriam condenados à falta de trabalho, à fome, às intervenções militares, ao calor e às moscas. Tais prognósticos levaram seu fundador, o capitão brigadeiro Don Juan Ramírez de Velasco mandar que fosse acrescentado a sua ata de fundação que toda pessoa que sob este céu venha a nascer, será devidamente indenizada pelo Rei.

Quando nasceu Triclinio, porém, as palavras de Ramírez de Velasco já se haviam esfumado nos ares porque o Rei já não mais possuía as suas colônias, os séculos haviam passado e toda promessa fora perdida e toda culpa, perdoada. Só restou, então, a Triclinio, o êxodo para Buenos Aires em busca de ouvintes para o seu violino e de razões para sobreviver. Num Concurso para a Orquestra Sinfônica do Ministério do Interior, perdeu a vaga para um tenente que declamou um poema patriótico em vez de tocar. Na capital do país, entre aventuras e sustos, surpresas, prisões, delações Triclinio se deu conta que a situação era tão estranha e sigilosa e tão malsã que uma simples melodia podia alterar a ordem das coisas. E, assim, foi: Triclinio tocava numa esquina do Paseo Colón, esperando as moedas que, talvez, um passante lhe atirasse quando alguém lhe pediu para parar de tocar. Logo, de jipe, de motocicleta vieram outros mais. Eram vozes de remorso, vozes de meia noite a pedir silêncio. O violinista compreendeu que o pedido para calar a melodia significava o desejo de que outras vozes fossem silenciadas. Então, caminhando pelas ruas da cidade, Triclinio continuou a tocar. Novo Hamelin do Continente a conduzir os ratos: De diferentes pontos da cidade saíam indivíduos aberrantes com picanas, revólveres, máquinas de luz intensa, saca-rolhas e outros objetos de tortura e o seguiam caminhando pesarosos. A medida que Triclinio percorria as ruas continuavam acrescentando-se torturadores, vencidos ou diluídos, com seus instrumentos de tortura nas mãos. Triclinio tinha percorrido umas dez quadras, mas a fila dos torturadores chegava até os pontos cardiais. As pessoas apareciam nas sacadas, como durante as invasões inglesas, para ver o que estava acontecendo e olhavam para essa longa procissão de ratos, como na História de Hamelin, atrás do maravilhoso violonista. Choravam como que arrependidos, tratando de esconder seus punhais, suas palavras mas, todo mundo os enxergava e não se esquecia deles. As mães, encorajavam Triclinio, que estava cansado porque a cada torturador que se juntava lhe custava mais esforço tirar sons do instrumento e lhe diziam que tivesse coragem e continuasse que assim se acabaria com o flagelo. As crianças na idade de receber gases lacrimogêneos e algum golpe de picana agitavam no alto bandeirinhas e lenços. Quando chegaram ao Rio da Prata, ilustre por diversas razões, Triclinio, trepado na vela de um barco, continuou tocando, enquanto os torturadores lançavam seus instrumentos na água.





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