Selecciona una palabra y presiona la tecla d para obtener su definición.


ArribaAbajo- VI -

A longa argumentação anterior era indispensável.

Era preciso mostrar, à luz de documentos claros, que a Bolívia, embora intentem transmudá-la em Polônia sul-americana, construiu um destino mais elevado, que se não violará.

Quando se tornou República, nobilitando o nome do chefe preeminente das campanhas da liberdade, capitalizava esforços seculares. Avançara isolada, e fundamentalmente distinta das demais nações neo-espanholas, na conquista de sua autonomia. Nenhuns vínculos a ligaram de fato aos dois imponentes vice-reinados, que a ladeavam, mas não a comprimiam. O peso morto, esmagador, destes sistemas retrógrados e marasmados, anulava-lhos a Audiência quase soberana, com a sua expansibilidade nativa admirável, repelindo-os. Era, com efeito, na frase de Bartolomeu Mitre, «un mundo, una raza, un organismo aparte», que dentro de si mesmo efetuara a sua evolução, pelo caldeamento do sangue de outras gentes e equilíbrio de seus elementos constituintes. Caminhara por si; e esta marcha, conforme no-la descreveram solenes vozes antigas, através dos mais lúcidos ditames dos mais austeros ministros, foi para o norte, indefinidamente para o norte, com um determinismo inviolável, seguindo o itinerário marcado por um meridiano indistinto numa penumbra geográfica, que ela deveria romper, arrebatadamente, na esteira das vagas agitadas das invasões portuguesas. Em tal rumo, que a arrastava para a atual zona litigiosa, a metrópole aparelhara-a de excepcionais franquias. Armara-a para bater, a um tempo, a invasão e o deserto. E nesta empresa os seus mestiços destemerosos fundaram a rude nobiliarquia de um verdadeiro marquesado, nas fronteiras.

Ali, ela refinou os seus atributos nativos; e chegou à independência administrativa antes de chegar à República.

Não se iludem estes fatos. Nem maravilha que no desdobramento do período revolucionário, de 1809-1823, a Bolívia centralizasse por vezes as esperanças hispano-americanas.

Vinha de uma tremenda escola de batalhas. O General Mitre, num luminoso confronto, entre o Paraguai, rebento da civilização embrionária enxertada no tronco indígena pelo espírito jesuítico, e o Peru, onde se alentavam e se refaziam as forças realistas -descreve-a revestida de energia estóica para a resistência e para a morte, patenteando «uno de los espectáculos más heroicos de la revolución sud-americana».

Devem ler-se todas as páginas do notável historiador militar.29

A antiga barrera dos domínios castelhanos tornou-se, nos dias mais sombrios da luta, a guarda incorruptível e indomável da liberdade sul-americana. Completou o seu destino histórico. Firmou uma continuidade perfeita na sua existência ativa e combatente.

Assim, esta continuidade de esforços, este incomparável destino, e aquele determinismo inflexível, que vimos desdobrar-se, e aquela diretriz superior, que rompeu, retilineamente, três séculos atumultuados, se não podem excluir ao menos em muitos pontos podem retificar os riscos às vezes inextricáveis dos cartógrafos, e os dizeres ambíguos, ou incompletos, dos antigos documentos.

De outro modo, não há interpretar-se, logicamente, o uti possidetis de 1810.

Realmente é até um truísmo o escrever-se que o princípio básico dos deslindamentos sul-americanos tem um elastério maior que o velhíssimo uti possidetis, ita possideatis da jurisprudência romana, que o transmitiu ao direito internacional. Engrandeceu no transitar das relações individuais para as dos povos. Quando a Colômbia o proclamou em 1819, instituindo a doutrina, aceita logo depois por todas as repúblicas espanholas, de que as bases físicas de nacionalidades emergentes compreendessem as áreas demarcadas até 1810 pelas leis da metrópole, pôs-se de manifesto que a posse de fato, efetiva e tangível, não bastaria a firmar os deslindes entre elas. Impossibilitava o seu efeito exclusivo a própria geografia da época. Entre umas e outras jaziam enormes países desconhecidos. Assim, se lhe aditou o critério superior, consistindo no direito de possuir, ou melhor, na iminência da posse, demonstrada pelos antecedentes históricos, reveladores da capacidade para o domínio sobre as terras convizinhas.

É o uti possidetis americano, ou criollo, consoante a adjetivação pinturesca de Quijano Otero30 -mercê do qual a Argentina se estendeu, indefinidamente, pela Patagônia em fora, até às mais altas latitudes austrais; e em virtude do qual, com o mesmo direito, adquirido através de lutas mais penosas, e inabalavelmente garantido pelos documentos insofismáveis, que extratamos, a Bolívia se avantajou, obediente a um roteiro secular, até ao Acre...

As linhas anteriores eram indispensáveis. Demonstram, à saciedade, a posse boliviana, virtual mas inalienável, sobre as paragens ignotas que lhe demoravam ao norte; e, ao mesmo passo, o afastamento da influência peruana, sobejas vezes expresso nos mais solenes documentos oriundos da metrópole.

Mas atalhemos. As páginas mais firmemente blindadas de fatos inegáveis não se forram, às vezes, ao subjetivismo dos que as lêem. Não raro se argüi de romancear imaginoso a argumentação mais séria. Querem-se datas certas, coordenadas impecáveis, números, muitos números, numerosos números, e medições, e desenhos incisivos, e dados, e elementos secamente tangíveis, massudamente concretos, acaçapadissimamente positivos.

Então, continuemos, o mais que pudermos adscritos às linhas invariáveis dos antigos mapas, e substituindo a pena pelas réguas, os transferidores e os compassos.

*

De feito, a questão assume, agora, aspectos asperamente geométricos.

A derradeira fase da jurisdição territorial dos domínios espanhóis retrata-se nas Ordenanças de Intendentes de 28 de janeiro de 1782 e 23 de setembro de 1803, que demarcaram novas unidades administrativas, modelando-as pelas raias dos bispados existentes. De acordo com elas mantiveram-se as Audiências divididas em Intendências, prefigurando os departamentos atuais; e subdivididos, estes, em partidos, representadas as antigas províncias. Foi toda a mudança. A administração colonial rotulava-se com outras palavras. Pouco se alterou. A carta régia criadora reporta-se ainda às «sabias leyes de Indias», cujas «prudentes y sabias reglas», prescreve «se observen exactamente por los Intendentes». E, de fato, apenas as restringiu, ou ampliou, em pontos acessórios.

Mas para a geografia geral das possessões a sua importância foi sensível, e avulta, sobretudo, nos deslindamentos dos dois vice-reinados, que se modelaram pelas divisas particulares das respectivas Intendências, por maneira a esclarecer completamente o atual litígio.

Com efeito, desde então as Audiencias de los Reyes e de Charcas desenharam-se com a fisionomia geográfica que mantiveram, imutável, até 1810, data do uti possidetis -que se diz sugerido por Alexandre Humboldt.

Podem acompanhar-se os limites, preexistentes no princípio do século passado, contemplando-se qualquer mapa moderno.

O vice-reinado de Buenos Aires repartia-se nas Intendências de Buenos Aires, Assunção do Paraguai, São Miguel de Tucumã, Mendoza, Santa Cruz de la Sierra, La Paz, La Plata (arcebispado de Charcas) e Potosi, correspondendo cada uma às áreas dos respectivos bispados; além dos territórios de Moxos, Apollobamba, etc. O do Peru, nas de Lima, Tarma, Huamanga, Huancavelica, Arequipa, Cuzco e Puno, em que se tinham fracionado as suas cinco dioceses.

São nomes que vieram até aos nossos dias.

Vê-se, para logo, que a Audiência de Charcas entrava na constituição do primeiro com as quatro secções de Santa Cruz, La Paz, La Plata e Potosi, e as terras de Apollobamba e Moxos. A de Lima, ou de los Reyes, formava tudo o segundo. E compreende-se, de pronto, que a discriminação de limites de ambos se reduz, para o nosso caso, no apontar os que separavam os partidos mais setentrionais daquelas duas audiências.

Para isto não se faz mister seguir as várias fases do processo demarcador, que foi longo.

Nomearam-se a este fim, sucessivamente, dois notáveis, os visitadores-gerais D. José Antonio Areche e D. Jorge Escobedo que, de acordo com os vice-reis, deslindaram o complicado assunto, até ao desfecho, em 1796, ao se desligarem do governo de Charcas as províncias de Lampa, Azangaro, Carabaya e outras, constituindo a Intendência de Puno desde então definitivamente incorporada ao Peru. Desta sorte a Bolívia perdeu, naquela banda, vastos territórios à margem ocidental do lago Titicaca, assim como a divisa secular da cordilheira de Vilcanota, que se desenhara desde o princípio de sua formação.

Não comentemos o caso. Consumou-se.

Mas para concertar-se juízo definitivo, considere-se, por momentos, o vice-reinado peruano pouco antes deste acréscimo de superfície; e determine-se, depois, a sua grandeza exata, ao anexar-se-lhe aquela nova intendência. É a marcha mais direta para verificar se de fato, como hoje se pretende, ele se estendia pela Amazônia em fora até às margens do Madeira. Porque a sua área nunca mais variou, ou cresceu, naqueles lados, até os nossos dias.

Demonstram-no muitos dados oficiais.

Pouco antes daquele desmembramento, no remate dos acidentados deslindes, após quatorze anos de estudos, o capitão-general que governou o Peru, de 1790 a 1795, D. Francisco Gil y Lemos, entregou, por obedecer à lei, ao seu sucessor, um relatório com o mapa de todos os seus domínios. A valia deste documento é intuitiva, não já pelo caráter legal, senão por aparecer ao cabo de prolongado pleito enfeixando-lhe as resoluções finais.

Subscrevia-o D. André Baleato, conhecido cosmógrafo da época.31

Temo-lo sob as vistas. Vemos, de um lance, a que se reduziam as terras peruanas, em 1795. E embora Gil y Lemos, na sua memória, advirta que el reyno del Perú ha perdido mucho de aquela grandeza local que tuvo, e tenhamos assistido a sua decadência, quer mutilado pela criação do de Buenos Aires, quer retraindo-se ante a expansão vigorosa de Charcas -surpreendemo-nos.32

A área primitiva mal se lhe vislumbra na fita continental desatada de Tumbez (3º 20' lat. S.) até as costas de Atacama (21º 25' lat. S.), desenvolvendo-se por 423 léguas de vinte ao grau. A enorme extensão meridiana contrasta, notavelmente, com a largura em demasia estreita. Todo o vice-reinado é uma irregular e longa faixa litorânea. Seguindo-se de perto o geógrafo oficial, pormenorizaram-se-lhe em vários pontos, ao longo dos paralelos, as expansões máximas para o centro das terras:

«Por el paralelo de Arica desde la costa hasta lo más oriental de su partido tiene 18 leguas; por el de Pisco, hasta lo más oriental de la intendencia de Cuzco, 120 leguas; por el de Barranca hasta lo más oriental del partido de Tarma, 44 leguas; por el de Sechura desde su ensenada hasta lo más oriental del partido de Chachapoias, 131 leguas.»



Partindo destas normais à costa, verdadeiras abscissas de uma longa ordenada de 423 léguas, Baleato deduziu-lhes a média de 79,5 léguas; e depois a superfície total do Peru = 33628,5 léguas quadradas.

Jamais se avaliou com um tal requinte de exação a área de um país. O rigorismo geométrico aí se retrata em perpendiculares definidas; o aritmético se aguça nas arestas cortantes das vírgulas das decimais. O vice-reinado é um debrum do Pacífico. Estira-se, longamente, de norte a sul, por dezoito graus de latitude; porém, alarga-se apenas de seis, no máximo, de longitude, para o oriente.

É positivo. É claríssimo. Contemplando aquele mapa, lendo aqueles números, medindo aquelas linhas, o sucessor de Gil y Lemos demarcava o perímetro imutável de seu governo. Viu-lhe, como lhe estamos vendo, como todos podem ver-lhe, os limites: ao norte o vice-reinado de Nueva Granada, expandindo-se até cerca de 6º de lat. S.; a leste o Pampa del Sacramento, inçado dos silvícolas bravos do Pajonal, até a ourela esquerda do Ucayali, e mais para o sul a serrania de Vilcanota; no extremo meridional, o deserto de Atacama e o Chile.

Era tudo. Para N. E., a partir do fosso separador do Ucayali -precisamente onde se localizam hoje as paragens litigiosas- lê-se, num grande espaço em branco: Países incógnitos.

Países incógnitos, antigas terras «no descubiertas», das vetustas cédulas reais, territórios que prolongavam os de Apollobamba e de Moxos, postos, de um modo gráfico, mensurável, visível, inteiramente fora da alçada do governo peruano. Ou, mais explicitamente: em 1795 a Audiencia de Los Reyes não se ampliava, abarcando-os, até alcançar os domínios portugueses.

Realmente, a sua intendência mais avançada em semelhante rumo, a de Cuzco -que hoje se intenta espichar até o Madeira- ficava consideravelmente distante deste rio. Qualquer carta revela que só poderia prolongá-la até ali o partido norte-oriental de Paucartambo; e este cerrava-se em raias inextensíveis e fixas. Demarcara-o, desde 1782, legalmente, o visitador Jorge Escobedo:

«... tiene de largo 26 leguas Norte-Sur sobre 5 a 7 de ancho... confina por el nordeste con los Andes (Vilcanota) o montañas de indios infieles...»33



Deste modo, em que pese aos erros da carta de Baleato -onde, por exemplo, o Beni se desenha como tributário do Ucayali- a sua expressão geral é segura: o vice-reinado, ou a Audiência de Lima, em 1795, no seu internamento máximo para o levante, estacava nas barrancas esquerdas do Ucayali e, mais para o sul, nas cumeadas de Vilcanota.

Estabelecida esta base segura, prossigamos.

A Cédula Real de 1 de fevereiro de 1796 modificou estes limites, agregando ao Peru a Intendência de Puno. O vice-reinado cresceu, expandindo-se para o oriente.

Vejamos até onde foi.

O lance é capital e dominante, porque, definida esta expansão, se define o seu último avance para o oriente. Os seus limites naqueles lados naquele ano, são os próprios limites atuais. Nenhum outro ato, ou lei, ou ordenança, ou tratado, os alterou até aos nossos dias. Descrevê-los em 1796 é o mesmo que os descrever em 1810, e agora.

Descrevamo-los; apelando o mais secamente que pudermos para elementos fixos, infrangíveis, numéricos e geométricos.

A circunscrição, que a Cédula de 1796 integrou no território peruano, compunha-se de cinco partidos -Chucuito, Puno, Lampa, Azangaro e Carabaya- rigorosamente demarcados. O vice-reinado ampliou-se pela justaposição de um bloco territorial definido. Destes partidos, os quatro primeiros, e mais meridionais, acarretaram-lhe uma dilatação para o levante, que não ultrapassou o diâmetro maior do lago Titicaca, entre os paralelos de 14º 30' e 16º 30'. Não interessam, portanto, ao litígio vertente. Resta o mais setentrional, de Carabaya, confinante com as terras de Apollobamba, e, por isto, o único por onde poderia entrar e avançar nos vales do Madre de Dios, do Beni e do Madeira a influência peruana.

Mas não entrou, nem avançou. O Partido de Carabaya, da Intendência de Puno, a exemplo do de Paucartambo, da de Cuzco, encerrava-se todo em linhas limítrofes absolutamente inalteráveis.

Delimitara-o, desde 1782, por ordem da metrópole, e de inteiro acordo com o vice-rei do Peru, o visitador-geral Jorge Escobedo:

«Tiene de largo 40 leguas (dous graus) norte-sud, y en parte 50 (dous graus e meio) de ancho... confina por el Este con la provincia de Larecaja (Charcas); por el nordeste y norte con las tierras de indios infieles, de que las separa el famoso río Inambari.»34



Assim surgiu a linha divisória, lúcida e nobremente reclamada, hoje, pela Bolívia.

Considere-se um mapa qualquer. Resulta esta evidência: a anexação daquelas terras teve o efeito único de substituir a vetusta divisa arcifínia de Vilcanota, por outra, igualmente natural e tangível, mais para leste -a do thalweg do Inambari. Nas barreiras esquerdas deste, quedou para sempre o vice-reinado, ou a Audiencia de los Reyes, no seu máximo alargamento para o levante. As terras não descobertas, terras bravias de infieles, formadores da atual zona disputada, ficavam fora das suas raias, a estirarem-se para N. E., a partir da margem direita daquele rio. Os esclarecimentos a este respeito apinham-se, incontáveis; e o reproduzi-los, sobre fatigante, implicaria póstuma injustiça à clareza e à retitude do visitador Escobedo. Ademais reforçam-nos todos os mapas do tempo, feitos pelos que perlustraram o país. O já anotado, de Figueroa, é francamente confirmativo. O de D. Joaquim Atós, figura o Partido de Carabaya não só circunscrito por uma linha divisória fechada, como abrangido em todo o quadrante de N. E. pelos territórios de Moxos e Apollobamba.35 O de Pablo Orycain, elucidado por um breve texto, no qual se refere à opulenta província «con sus bajos y demás quebradas llenas de lavaderos de oro», mostra-no-la a «confinar con los chunchos», e localiza os profugos selvagens nas «misiones de Apollobamba», além do Inambari, totalmente estranhas, portanto, ao vice-reinado, cujas barreiras lá se riscam, em destaque vivo, com visibilíssimos traços amarelos.36

Elas assim permaneceram até 1810, e -sublinhemos uma afirmativa segura- até 1851, data em que se fixaram os nossos limites definitivos com o Peru. Não há engenhar-se o mais ligeiro argumento em contrário.

O Partido do Carabaya -único que permitiria ao Peru estender-se aos vales do Madre de Dios, propriamente dito, do Beni e do Madeira- persistiu sempre com aquela área, e com aquelas raias imutáveis, até aos nossos tempos, nitidamente lindado ao oriente pelo Inambari. As provas a este respeito fervilham. Mas por abreviar, e frisar mais uma vez o traço de elevada imparcialidade, em que vai versando-se este assunto, apresentemos uma apenas, genuinamente peruana, que por si só supre por muitas. Reclamemos, ainda uma vez, o auxílio de D. Mateo Paz Soldan, o mestre tradicional da fisiografia da República vizinha. E abrindo o seu livro, o seu magnífico livro em boa hora impresso em Paris, à custa do governo de sua terra, leiamos, aprendamos:

«La province de Carabaye a environ 50 lieus (dois graus e meio) de l'Est a Oeste... est bornée au Nord et au Nord-Est par le territoire des indiens barbares, appelés Crangues et Sumachuanes et d'autres dont la separa la fameuse revière Ynanvari... a l'Est par celle de Larecaje, de le Republique le Bolivie.»37



Preciosíssimo excerto, este. De sorte que em 1863, oitenta anos depois de primeira Ordenança de Intendentes, doze anos depois do Tratado de limites de 1851, do Brasil com o Peru, e quatro anos apenas antes do da Bolívia com o Brasil -o grande geógrafo, glória da cultura peruana, decalcava os dizeres de Jorge Escobedo... Jamais uma verdade se impôs com tamanho império. Há, até ali, surpreendentes laivos de plágio. Paz Soldan tinha, por força, sobre a mesa e aberto, o relatório do visitador-geral, de 1782... Não prossigamos.

Seja como for, naquelas linhas, deletreadas em todas as escolas do Peru, se renteiam todas as pretensões peruanas visando as terras do Madre de Dios, do Beni e do Madeira.

Não dão pega à mais ligeira dúvida.

De feito, como iludir-se o significado de tais palavras, que se renovam através de quase um século, e o de linhas tão indeléveis, e a sugestão gráfica a entrar-nos, fulgurantemente, pelos olhos -destes mapas e destes relatórios, traçados por ordem da metrópole, subscritos pelos visitadores, com a referenda dos vice-Reis, reproduzidos em nossos dias pela maior autoridade peruana em tais assuntos, e discriminando e estereotipando, de modo tão evidente, a distribuição legal e geográfica daquelas terras?

As deduções são inabaláveis: em nenhum dos partidos das duas intendências, de Puno e de Cuzco, do extremo nordeste do vice-reinado ou Audiência de Lima, inscritos em divisas que não mais se alteraram até hoje, se incluíram os territórios ainda não de todo conhecidos e descobertos, que com o nome vago de Apollobamba, ou qualquer outro, se desenrolavam pelos vales meridionais da Amazônia. Em 1776 o vice-reinado, cuja capacidade política para o domínio tanto diminuíra, não se estendia, nem visava estender-se, até às margens do Madeira.

*

Ora, aquela situação prolongou-se aos nossos dias.

Naquele tempo o vice-reinado de Nova Granada -incubando, ainda latentes, o Equador, a Colômbia e a Venezuela- dilatava-se para o sul pelo Ucayali acima até a foz do Pachitéa, onde desde muito se erigira o aldeamento de São Miguel de Conibos, fundado pela missão dos Maynas, do bispado de Quito.

Não acompanharemos os grandes missionários entre os quais se vêem os tipos esculturais do estóico P. Richter, ou daquele incomparável Samuel Fritz, que foi o precursor de La Condamine e primeiro geógrafo do Amazonas.

Para o nosso propósito, baste notar-se que desde 1750 as missões de Maynas dilataram em tanta maneira o Governo de Nova Granada, ao longo do Ucayali, que o do Peru não teve, como ficou repetidamente demonstrado, a ingerência mais breve nos deslindes internacionais com as terras portuguesas. Estava de lado, de fora. Entre estas e ele, a partir da margem direita daquele rio, projetavam-se para leste os terrenos de Apollobamba, que, consoante a frase valiosa do ministro mais ilustre do Conselho das Índias, Pedro Campomanes, se extremavam, de um lado, com o território de Moxos e de outro com as missões do grande tributário do Amazonas.

«Se dan las manos con las de mojos y las que administran los franciscanos sobre el río Ucayali.»38



Assim se limitavam, exclusivamente, naqueles lados e naqueles tempos, com os domínios portugueses, a Audiência de Quito, pelo Governo de Maynas, e a de Charcas, pelo de Moxos, -delineando-se a divisória Madeira-Javari na penumbra geográfica das paragens desconhecidas. E do mesmo modo que o Governador de Moxos e Apollobamba, somente pela circunstância de ser rayano, foi nomeado comissário da terceira partida, destinada á demarcação em todo o trato que vai do Guaporé ao Javari, o engenheiro Francisco Requena, que era o chefe da quarta, encarregada do mesmo trabalho desde a foz do Javari até ao Orenoco, somente em virtude deste cargo se revestiu do de Governador-geral de Maynas, sujeito ao capitão-general de Nova Granada, D. Silvestre Albarea.

Não há patentear-se, de modo mais sintético, que somente as duas jurisdições, de Quito e de Charcas, se extremavam naquela época com o Brasil em todo o âmbito da bacia amazônica que vai do Madeira à foz do Javari; a primeira, ao longo deste até às cabeceiras; a segunda, destas, ou pouco a jusante, até à semidistância do Tratado de 1777.

Mas esta situação mudou em 1802.

Uma Cédula Real de 15 de julho daquele ano, inspirada por Francisco Requena, desmembrou a província de Maynas do vice-reinado granadino, anexando-a ao Peru, e submetendo as missões ao arcebispado de Lima.

Poderia mostrar-se que a famosa Cédula -último título territorial do Peru- era inviável.

Malignou-a para sempre a parcialidade, ou a má-fé, comprovada, de Requena, que a informou pondo-a a talho de uma lei preventiva e moralizadora, da Recopilación:

(Que no se cumplan las cédulas en que hubiere obrepción o subrepción.)39



Em torno dela há uma literatura político-geográfica em que explodem os mais violentos panfletos. Nenhum dos velhos ditames coloniais foi ainda mais discutido, ateando mais agitadas controvérsias.

Mas não desvendemos a gênese que a invalida. Vamos além: admitamos, com Antonio Raimondi -o europeu mais peruano que ainda se viu na América- a sua legitimidade e todos os seus efeitos. E mostremos, mesmo maniatados nesta hipótese, sobradamente gratuita, que a carta régia tão ampliadora da influência do Peru, ao ponto de estirá-la sobre dois terços do Equador40, não a estendeu de um metro sequer para o levante, a partir das margens direitas do Ucayali e do Javari.

A suma da Cédula Real de 1802 é esta:

«He resuelto agregar al Virreynato de Lima el Gobierno y Commandancia General de Maynas no sólo por el río Marañón abajo hasta las fronteras de las colonias portuguesas, sino también por todos los demás ríos que entran al mismo Marañón por sus márgenes meridional y septentrional, que son; Morona, Pastaza, Ucayali, Nopo, Yavary, Putumayo, Yapurá, y otros menos considerables, hasta el paraje en que estos mismos ríos por sus saltos y raydales inaccesibles no puedan ser navegables...»41



Aí está um documento admirável no mostrar que as divisórias peruanas, naqueles lados, são -exclusivamente- as linhas naturais do Javari, até perto de seus manadeiros, e o Ucayali até à confluência do Tambo e o Urubamba (10º 55' latitude sul), onde ele perde o nome: divisas lucidamente reclamadas, hoje, pela Bolívia.

Com efeito, ante demarcação tão expressa, justificam-se em toda a linha os negociadores peruanos, que pactuaram, em 1851, com o Brasil, a fronteira arcifínia de todo o Javari, sem cogitarem da semidistância do Madeira; e, ao mesmo passo, os comissários, brasileiro e peruano, Barão de Tefé e Guilherme Black, que confirmaram, praticamente, aquele critério, implantando, em 1874, o marco divisório definitivo nas cabeceiras do mesmo rio, até onde, conforme declaram, «os obstáculos eram tantos que não permitiam ir além», ou seja, traduzindo-se a velha Cédula Real, «hasta el paraje en que este mismo río por sus saltos y raydales inaccesibles no pudo más ser navegable...»

Realmente, não há turvar-se a limpidez da Cédula Real de 1802. Esclarece-a, além disto, o mapa desenhado pelo próprio Francisco Requena, em 1779.42 As terras, que se aditaram ao vice-reinado de Lima, vêem-se, ali, circunscritas por uma curva fechada, nítida e contínua, perlongando a margem esquerda do Javari, e deixando-a, numa deflexão para o S. O., a interferir o Ucayali perto da latitude acima descrita.

Os deslindes, sugeridos pelos visitadores-gerais, desde 1782, grafados por André Baleato, em 1796, subscritos pelo Virrey Gil y Lemos, sancionados pela metrópole, persistiam, em 1802, inalteráveis, no tocante àquela zona. Os terrenos, ainda não de todo descobertos, de Apollobamba, continuaram fora do influxo peruano, sob o domínio iminente da Audiência de Charcas.

E quando ainda restassem dúvidas a este respeito, destruí-las-ia aquele mesmo Francisco Requena, que tanto atrapalhou a geografia hispano-americana e deu, de graça, ao Peru, o título primordial de suas mais ousadas pretensões.

O lance é inopinado: ao mais solerte advogado da República vizinha, certo, ainda não se lhe antolhou a conjectura de que o máximo dador de seus territórios setentrionais -o homem a quem o Peru deve uma estátua na foz do Pachitéa!- pudesse erigir-se em juiz, o mais insuspeito dos juízes, neste caso, no proibir-lhe a marcha para o oriente, precisamente, na zona que hoje se debate.

Revelemos a inesperada atitude. Requena, em 1799, vingara a posição superior de membro do Conselho das Índias, onde o seu parecer preponderava sempre no tocante às coisas da América; e nas salas daquela assembléia soberana apresentou o informe, que foi o molde da Cédula de 1802.

Ora, sobretudo no trecho do longo arrazoado, em que discute o estabelecimento da prelazia das missões, naquelas terras, o ministro, com a enorme autoridade advinda do seu título de engenheiro, sobre todos sabedor dos países que percorrera e explorara, estabeleceu que a diocese (e portanto as terras a anexarem-se ao Peru, que as Ordenanças marcavam pelas áreas dos bispados) não deveria e não poderia ultrapassar o Ucayali, para o levante.

Criticando vários projetos, formulados no sentido de fixar-se a zona de influência da nova jurisdição eclesiástica, declarou que aos seus autores, se lhes sobravam zelos, «les faltaba inteligencia de los Países». E ao considerar as terras hoje litigiosas, que o Peru intenta abranger, como se fosse possível estirar também por aqueles lados a maravilhosa Cédula, disse:

«El que representa unir bajo de una mitra las misiones de Apollobamba con las de Maynas, y todas las que entre estas dos hay intermedias, situadas por las montañas no supo desde luego, por falta de geografía; la inmensa extensión que daba a este Obispado; y que el Prelado era imposible las pudiese visitar».43



Esse parecer, que pela primeira vez se revive, é notadamente expressivo, sobretudo quando se considera que o princípio básico da constituição territorial, explícito nas Ordenanças de Intendentes, consistia no firmar as áreas das novas seções administrativas pelas dos obispados respectivos, axioma da administração colonial espanhola, que nenhum escritor peruano será capaz de contestar.

Assim, pela sentença do próprio autor intelectual da Cédula de 15 de julho de 1802, ficaram inteiramente fora da zona agregada ao Peru, com o Governo do Maynas, as terras extensíssimas que, a partir da margem direita do Ucayali, abrangem as cabeceiras do Juruá, do Purus e todo o Acre meridional, até ao Madeira.

Sobre elas pairava, de fato, a extremar o rumo de um itinerário histórico admirável, o domínio iminente e eminente da Bolívia.




ArribaAbajo- VII -

Francisco Requena foi, sem o querer, cruel, na concisão golpeante dos trechos anteriormente extratados, que por si sós renteiam, senão desarraigam, todas as pretensões peruanas a leste do Ucayali, onde terminavam as Missões de Maynas anexadas ao Peru pela Cédula Real de 15 de julho de 1802.

Repitamo-los ainda uma vez. Decoremo-los, destacando-os:

1º) Aos que pretendiam estender o bispado aquém daquele rio, «les faltó inteligencia de los países que querían comprender en la nueva diócesis».

2º) Os que planejavam unir, sob uma só jurisdição, as terras de Maynas e as de Apollobamba, não sabiam, «por falta de geografía, la inmensa extensión que daban a aquel obispado».

3º) Se porventura se efetuasse tão absurdo projeto, ao prelado ser-lhe-ia «imposible que las pudiesse todas visitar».

Ora, recordando que as ordenanças, então em vigor, consoante acordam todos os historiadores, estabeleciam a constituição territorial sob a norma exclusiva de fixar as áreas dos novos distritos administrativos pelas demarcações eclesiásticas correspondentes, conclui-se que o território de Maynas, adquirido pelo Peru, era o de seu bispado, rigorosamente definido, no avançamento máximo para o oriente, pelas linhas naturais do Ucayali e do Javari, conforme as desenhou e esclareceu o próprio inspirador da carta régia precitada.

Poderíamos terminar aqui. As frases do máximo benfeitor da República peruana e as nossas afirmativas mais rigorosas, conchavam-se.

Mas insistamos ainda. Aquela carta régia -mirífico documento que já entregou de fato à venturosa República do Pacífico dois terços do Equador- tem a resistência das fantasmagorias garantidas pela própria intangibilidade. Assim, poderíamos mostrar que desde o nascedouro a condenou uma das figuras mais austeras da cultura peruana, o lúcido D. Ypolito Unanue, antigo Presidente do Conselho, e autor de um mapa de seu país, que traçou um 1804, sem absolutamente cogitar dos limites que ela indica. Depois se lhe contraporia a autoridade formidável de Alexandre Humboldt, com a sua «Carta Geral da Columbia», de 1824, onde as linhas da singularíssima Cédula não se retratam. Em seguida -o que é mais surpreendente «el mapa físico y político del Alto y Bajo Perú», oficial, publicado pelo Governo da República de 1826, ermo totalmente de quaisquer traços reveladores da zona que ela marca. Subsecutivamente, a sepultou um Tratado, um pacto soleníssimo, o de 1829, entre o Peru e a Nova Granada... E ela renasce, e ressuscita, e desenlapa-se, incoercível, intangível, impalpável, a espantar, intermitentemente, a política sul-americana, com as suas estranhas visagens de recalcitrante espectro colonial.

Traçaram-se-lhe, ou escreveram-se-lhe, por cima, outros desenhos de cartas, outros dizeres de ulteriores convenções; porém raspam-se estas frases e estes desenhos, e revivem-se-lhe, indeléveis como estigmas, os dizeres no emperrado castelhano de há cem anos. Lembra um desses velhos palimpsestos medievais, cujos primitivos caracteres, cobertos por outros, ulteriores, dos escribas, hoje se desvendam na raspadura das letras mais recentes.

Felizmente para a atual litispendência bem é que ela reviva. Não repudiaremos, neste passo, a diplomacia do Império que a reconheceu, favorecendo ao Peru. Queremo-la, íntegra, sem que se lhe desloque uma vírgula, sem que se lhe mude uma letra, a remascar e a remoer todas as afirmativas, na torturante gagueira de suas redundâncias infindáveis.

Esta carta régia, agitada, imprudentemente, como a prova capital dos direitos do Peru, contraproduz. É desastrosa para a República, que se proclama herdeira de um regímen condenado e extinto. É a prova preexcelente dos direitos da Bolívia.

O que ela nos diz, nos seus termos acabrunhadoramente repetidos, e nos diz o ministro, que a sugeriu e engenhou, em frases inequívocas, é que a região jacente a leste do Ucayali não devia repartir-se, não podia repartir-se, e não se repartiu, entre as jurisdições de Cuzco e de Puno e a de Maynas. As primeiras imobilizaram-se à margem esquerda do Inambari, até onde as estendeu a carta régia de 1796; a segunda permaneceu nitidamente lindada pelo Ucayali, onde a fixou a de 1802. O quadro demarcador do vice-reinado peruano, em 1810, cerrava-se numa inteiriça e inextensível moldura. Pelo levante acabava nas extremas dos partidos, demarcados até às frações de léguas, desde o de Azangaro, ao sul, ao de Carabaya, ao norte, onde se alonga o thalweg de Inambari.

E no largo trato que vai deste último às divisas naturais do Ucayali e Javari, correm sucessivamente, as linhas setentrionais do partido de Paucartambo, pelo leito de Marcapata até à confluência Tono-Pinipini, e as de Urubamba que seguem pelo rio do mesmo nome até a foz do Tambo, onde começa o Ucayali.

Não há fugir-se a este traçado traduzindo, graficamente, os mais sérios documentos da demarcação territorial, que prevaleceu até 1810. Não se conhecem outros. As Ordenanças de Intendentes de 1782 e 1803, as cartas régias de 1796 e 1802, são os únicos, e os mais sérios, e os mais firmes e os mais compreensíveis elementos em que se esteiam as pretensões peruanas.

Mas não lhes abrem as portas da Amazônia.

*

Fora disto resta o duvidoso e o aflitivamente torturante das célebres provas cartográficas. Temo-las por adiáforas; no geral, suspeitas; as mais das vezes, incompletas; quase sempre, traiçoeiras; sempre disparatadas.

O cartógrafo profissional, afeito a percorrer a maravilha milhares de milhas, e miriâmetros, montando comodamente um lápis bem aparado e destro, velocíssimo e ágil no transpor oceanos e no romper, em décimos de segundos, continentes inteiros, perde, exausto ao fim dessas imaginosas viagens, em que não moveu um passo, as próprias noções universais da forma e das distâncias.

Há deploráveis desvios de justeza e boa medida em todos estes Atlas homúnculos, que em toda a parte aparecem, carregando cada um o seu pequeno mundo muito bem feito e quase sempre errado.

Falta-lhes, em geral, a intimidade da Terra. Nunca sentiram em torno, entre as vicissitudes das explorações longínquas, o império formidável do desconhecido, a ressaltar nas perspectivas assombradoras das paragens ermadas e nunca percorridas. E, sobretudo -por lhes inspirar mais respeitoso carinho a face do planeta, que irreverentemente garatujam- não avaliam que, não raro, a zona mais restrita, por onde lhes passa o lápis forro e endiabrado, é o deserto interminável, que o explorador sucumbido, não lhe bastando o norte vacilante da bússola, só pôde dominar amarrando-se, cada noite, com os raios refletidos do sextante, às âncoras das estrelas...

Daí, em grande parte, o arrojo com que pompeiam os seus riscos rebeldes e heresias gráficas. Na grande maioria, estes hábeis caricaturistas de rios e de montanhas só se tornam inócuos quando se atêm à cópia, ou ao decalque mecânico das linhas e dos erros de seus antecessores. Se a fantasia se lhes desaperta, a revolver terras e mares, assiste-se à inversão do Gênese. Restaura-se a imagem perturbadora do caos.

É preciso escolhê-los cautelosamente, quando se não pode evitá-los.

Com estes resguardos, nos longos raciocínios anteriores, reportamo-nos apenas aos geógrafos que perlustraram aquelas regiões. Os demais, deixamo-los. Entre os antigos, citando à ventura, Sanson d'Abbeville (1659) e as suas cordilheiras tiradas a cordel; Guillaume De L'Isle (1701), «et quelques autres messieurs de L'Académie», com as províncias do rio da Prata a entrarem por Goiás adentro, ou o seu rio Purus que não acaba mais; um certo I. B. Nolin (1704), e o seu Paraguai a terminar, curiosamente, no porto de Santos; o mágico Homaniam Aeredes, que atirou o Paraíba sobre o Tocantins, fazendo que este abandonasse o leito, mudando-se para a calha estreitíssima do Guamá; o tateante Conrado Mamnert (1803), que nos seria favorável, porque pintou as missões de Moxos, estranhas ao Peru, e abrangendo os pampas do Sacramento; e dezenas de outros, até ao crédulo D'Anville, com os seus fantásticos plateros -certo constituiriam esplêndidos recursos para espraiar-se urna erudição inútil. Preferimos, a bem da gravidade do assunto, o digno André Baleato, malgrado os seus deslizes; os irmãos Ulloas; o singelo Alós; o magnífico Requena. Entre os modernos, é de todo em todo opinável a valia que possam ter os dois ditosos La Pies (Mr. La Pie, géographe du Roy, et Mr. La Pie Fils, géographe du Dauphin), que em 1829, do mesmo modo que estenderam o Peru até o Madeira, estenderam São Paulo até quase ao Uruguai e esticaram o Uruguai até ao Iguaçu; e o interessante A. Brué, que ainda em 1843 não ouvira esta terrível palavra -Bolívia- e punha um ansioso ponto de interrogação diante do rio Madeira, e copiava André Baleato, lançando o Beni no Ucayali. Não os citamos; como não citamos Arrowsmith (1839), o qual, entretanto, desenhou a linha de Santo Ildefonso feita limítrofe, exclusiva, entre o Brasil e a Bolívia; nem Kiepert (1849), que lhe reproduziu a mesma demarcação mais racional; nem um sem-número de outros, favoráveis ou desfavoráveis, que se nos deparariam com o só esforço material da pesquisa; entre os quais teríamos de alinhar o Sr. Estanislao Zeballos, atual Ministro das Relações Exteriores da República Argentina, que ao traçar, em 1904, em Washington, um mapa dos territórios adquiridos pelo Brasil, incluiu, de um modo claro, iniludível, em nítidos traços contínuos, toda a atual zona litigiosa no território boliviano...44

Uns e outros, a despeito do renome que tiveram, e tenham, e mereçam, não valem o mais modesto geógrafo que haja percorrido aqueles lugares.

Por exemplo, Gibbon. Enfileirem-se de um lado todos os Ebdens, Delarochettes, Dufours, Arrowsmiths, Shliebens, Greanleaves, Lapies, Brués -e suplantá-los-á, no definir a geografia boliviana, aquele abnegado Tenente Lardner Gibbon, que fez o que nenhum deles fez: percorreu o país, e, com pleno conhecimento de causa, estudando as terras, conversando as gentes, traçou o mapa da Bolívia e as raias de sua demarcação política, em 1853.

Entretanto, não relutamos em garantir que nenhum advogado peruano será capaz de citar o digno oficial da U. S. Navy, que foi o único geógrafo a contornar em parte a atual zona litigiosa, logo depois do Tratado de 1851, construindo um mapa, único entre todos os da Bolívia, que se modelou sob as observações próprias, sem ser copiado de outros.

Gibbon entrou na Bolívia em 1852, por La Paz; seguiu para o sul, a alcançar Oruro; infletiu para leste até Cochabamba; ganhou a ourela do Paracta; desceu o Chiparé; prosseguiu pelo Mamoré abaixo até a confluência do Itenez; subiu ao arrepio deste, a buscar o forte do Príncipe da Beira; voltou; e volveu ao som do Madeira até ao Amazonas. A sua carta resultou das observações realizadas neste itinerário dilatadíssimo; e estas foram tão cuidadosas que lhe permitiram, além da planta, traçar vários perfis do imenso território, graças aos elementos hipsométricos reunidos.45

É um documento precioso, onde não se reflete apenas a responsabilidade do geógrafo, mas também a do militar, a quem se deferira o encargo de estudar um país novo, e apresentar, oficialmente, um relatório ao governo de Washington. É natural afirmar-se que Lardner Gibbon não se limitou aos máximos cuidados nas operações astronômicas e topográficas, senão também que teve as maiores cautelas no estabelecer os limites políticos da Bolívia, com a mais inteira segurança.

Ora, a sua demarcação, apresentada em caráter oficial ao governo norte-americano -por onde, naturalmente, este se guiaria em todas as suas relações com aquela República- reproduz, admiravelmente, as linhas gerais, limítrofes, que apontamos e são hoje requeridas pela Bolívia. A boundary line, desenhada entre ela, o Peru e Brasil, é clara: a partir da margem norte oriental do lago Titicaca, nas cercanias de Guiacho, vai, por um meridiano, procurar o thalweg do Inambari; segue-o; entra no Marcapata, prosseguindo. Por outro lado, no levante, depois de acompanhar o Itenez, o Mamoré e o Madeira, estaca na foz do Beni, e desta última estira-se, retilínea, para o poente, segundo um paralelo, a interferir o Purus na latitude aproximada de 10º 30'.

Notam-se, desde logo, lacunas inevitáveis neste deslindamento geral. Mas o seu significado inegável, fundamental no presente litígio, é este: no conceito do geógrafo, que tudo nos denuncia timbroso em não apresentar ao governo de seu país informações falsas, ou vacilantes, a linha leste-oeste, do Madeira para o ocidente, em toda a Amazônia do sul, separava, exclusivamente, as terras brasileiras das bolivianas.

A carta de Gibbon pode falsear em pormenores, bastando notar-se que desenha o Madre de Dios feito um prolongamento do Purus; mas, evidentemente, não se compreende que assistindo ele durante tanto tempo naquelas terras, e tendo como companheiro de excursão o distinto peruano Padre Bovo de Revello, por seu turno um explorador infatigável, se abalançasse a traçar aquela linha limítrofe, preeminente entre as demais de sua carta, sem exato e maduro conhecimento do assunto. Além disso, como já o vimos, reproduziu-lhe este conceito, mais tarde, em 1863, D. M. Paz Soldan, pró-homem da geografia peruana. E ambos ativeram-se ao confirmar as declarações uniformes, numerosíssimas, de todos os nossos geógrafos e cronistas, quer dos tempos da colônia, quer dos primeiros dias da Independência, para os quais, sem destoar de um nome, a capitania ou província de Mato Grosso, estendendo-se para o norte até pouco além da cachoeira de Santo Antônio, confinava no ocidente, de uma maneira exclusiva, com os governos de Chiquitos e de Moxos.

Ora, entre todos aqueles nossos geógrafos, que ali viveram percorrendo todas as paragens, dois únicos são bastantes a demonstrar-se que a opinião brasileira atual, consistindo em considerar boliviano todo o território à margem esquerda do Madeira até as raias setentrionais de Mato Grosso, é antiquíssima, e não desponta agora, mal arranjada, para justificar os Tratados de 1867 e o de Petrópolis, de 1903.

Reportemo-nos apenas aos oficiais de engenheiros Ricardo Franco de Almeida Serra e Luís d'Alincourt.

O primeiro, a um tempo astrônomo experimentado e militar a que nenhum batia parelhas na retitude e no heroísmo, assistiu em Mato Grosso durante mais de dois decênios, desde 1781. Conhecia a terra. Defendera-a contra os espanhóis, através de atos memoráveis, que culminaram naquela extraordinária defesa do forte de Coimbra, onde com 40 homens repeliu os 800 de Lázaro de Rivera (1801).

Percorrera-a em vários rumos. E definiu as suas paragens ocidentais, naquela época, a confinarem com os domínios castelhanos, «pelos governos do Paraguai, Chiquitos e Moxos».46 Isto é, para Ricardo Franco, antigo comissário das demarcações, a província de Moxos, confrontante, estendia-se para o norte até onde se estendia, neste rumo, o Mato Grosso.

O sargento-mor de engenheiros, Luís d'Alincourt, também ali viveu largo tempo, desde 1824, em comissão do Ministério da Guerra. São notáveis os seus estudos estatísticos e geográficos naquela província. Ora, em vários tópicos de seus trabalhos, quando lhe vem a ponto referir-se às suas divisas ocidentais, mostra-no-las a ladearem, invariavelmente, as províncias de Chiquitos e Moxos, pertencentes à República da Bolívia. Esclarece-as, por vezes, pormenorizadamente:

«Quase todo o corpo do rio Mamoré existe nos domínio da Bolívia e somente as últimas 34 léguas, desde que se lhe une o Guaporé até à sua foz no Madeira (refere-se a confluência do Beni), é que são por nós navegadas, separando em toda aquela extensão a nossa província de Mato Grosso da de Moxos.»



Ou então afirmativas mais amplas, a abrangerem quase toda atual zona litigiosa:

O rio Purus, que todo ele corre por domínios da Bolívia.47

Poderíamos prosseguir. Nesta intimidade com os nossos velhos patrícios, certo não nos faltariam elementos, quando tão fartos e em barda os encontramos nos anais e arquivos estrangeiros. Mas os casos apontados, adrede escolhidos em dois períodos imediatamente anteriores e subseqüentes à quadra da Independência, são bastantes à demonstração de que o nosso parecer atual se enraíza, profundamente, na nossa própria história.

*

Voltando ao mapa de Gibbon, não maravilham as lacunas que nele existem, relativas à ignota região abarcante das cabeceiras do Juruá e do Purus, até ao Acre meridional. Aqueles lugares, convizinhos das raias peruanas, predestinavam-se aos últimos roteiros dos descobrimentos geográficos na América do Sul.

Entretanto, à volta e longe, desencadeavam-se largos movimentos povoadores, dominando as zonas desconhecidas. No extremo oriente os bolivianos desvendaram as terras do baixo Beni, onde, desde 1842, se erigira o Departamento do mesmo nome; e D. Augustin Palacios, um de seus prefeitos, completara, em 1846, os esforços dos portugueses e brasileiros na hidrografia completa do Madeira.

Outros grandes tributários, o Purus e o Javari, desde os tempos coloniais haviam sido percorridos em trechos dilatados.

Revelam-no as mais decisivas provas.

Consulte-se a carta geográfica do Dr. Antônio Pires da Silva Pontes, astrônomo das reais demarcações, de 1784. Ver-se-á o traçado do Purus até perto de 6º de lat. S., com rigorismo tal que, sem grandes discrepâncias, pode ajustar-se aos levantamentos modernos; o que denuncia longos e pacientes esforços.48

Contemplando-se a planta que construíram, em 1787, os capitães-engenheiros José Joaquim Vitório da Costa e Pedro Alexandrino Pinto de Sousa, nota-se que o Javari se desenha até 5º 40' lat. Sul, ou até quase às suas cabeceiras, por maneira a justapor-se em quase todos os pontos às cartas modernas, feitas de 1863 a 1901.

Estes exemplos satisfazem. Prolongá-los seria fazer a longa e belíssima história, ainda inédita, da geografia brasileira na Amazônia.

Apresentamo-los para o só destaque deste conceito: enquanto as pesquisas geográficas irradiavam por toda a banda, na bacia do grande rio, paralisavam-se de todo nos lugares mais próximos do Ucayali e ao norte do Madre Dios.

Em 1864, um anos após publicar-se o livro de Paz Soldan, ainda reinavam, no tocante às nascentes do Juruá e do Purus, as idéias dúbias, palidamente esboçadas em 1818 pelos missionários do Colégio de Santa Rosa de Ocopa, na planta das missões do Ucayali, publicada em 1833.49

Ali, o Purus, sob o nome de Cuja, mal se adivinha incorretamente, no levante. Os próprios missionários nunca o viram. Conforme o confessaram, e escreveram naquela carta, debuxaram-no «según varias relaciones de los indios». E ele assim ficou até à viagem notável de William Chandless, que prolongou os trabalhos do engenheiro João Martins da Silva Coutinho e do abnegado Manoel Urbano, completados em 1905 por uma comissão mista brasileiro-peruana.

O mesmo quanto ao Madre de Dios. Malgrado as tentativas do pertinaz Padre Bovo de Revello, ele não perdera, ainda em 1848, o traçado misterioso do lendário Amaru-mayo dos Commentarios reales, de Garcilaso. A famosa exploração de Faustino Maldonado (1852) que não era um geógrafo, nem um comissionado do Peru, mas um prófugo viajante, ansioso por salvar-se em terras estrangeiras, fora nula, apesar da valia que hoje se lhe pretende emprestar. Antonio Raimondi, em 1879, no seu livro clássico, garante-nos ter sido ela completamente estéril: «no nos ha dejado dado alguno...»

E aditava, mais longe, que, entre todos os rios daquelas paragens, «el Madre de Dios, es todavía sin duda alguna aquel cuyo curso es menos conocido».50

Por fim, o Inambari, elemento essencial no presente litígio ainda em 1863, na poderosa opinião do maior geógrafo peruano, era:

«... une revière très considerable qui separe la province de Carabaye du territoire des barbares... et un afluent du Marañón dans lequel il va se jeter après une percours assez étendu.»51



Ali se observa, a ladear o pasmoso erro geográfico, a insistência naquela demarcação política certíssima:

Não multipliquemos os exemplos.

Ante os que se inserem, não maravilha resultasse imperfeito, naqueles lados, o belo trabalho de Gibbon. Mas as sombras geográficas, que o esforço do yankee mal poderia romper, isolado, não escurecem o critério, que firmou, conscientemente, de serem, o Inambari e o seu afluente Marcapata, os limites naturais e históricos da Bolívia com o Peru; e a linha de Santo Ildefonso, a divisória exclusiva entre a Bolívia e o Brasil.

Destas linhas, que poderíamos estender em muitas páginas, com o só auxílio do insuspeito livro de Antonio Raimondi, decorre outra conseqüência, robusta como um corolário ao fim de um teorema: a posse peruana nas cabeceiras do Juruá e do Purus, nula, de direito, antes de 1810, não se realizou, de fato, nos anos subseqüentes até aos Tratados de 1851 e 1867. Enquanto a Bolívia prolongava a sua avançada histórica para o norte, e desbravava e povoava as terras que se desatam para o ocidente a começar da margem direita do Madeira, ao ponto de erigir-se, desde 1842, o Departamento do Beni a estirar-se para o Madre de Dios, transpondo-o, até ao Acre meridional -no extremo oeste, à parte a arremetida inútil de Maldonado, as explorações, feitas quase exclusivamente pelos missionários, reduziam-se, no seu máximo avançamento em busca dos territórios orientais, à grande expedição, do Conde Francisco de Castelnau (1843-1847), executada por ordem do governo francês.52

*

Não se impõe longa explanação deste assunto, que está fora do litígio, tão rigorosamente inscrito na órbita fechada do uti possidetis de 1810.

Recordando-nos, porém, que há pouco tempo, no contravir a vários conceitos do professor John Moore, da Columbia University, um internacionalista, francamente devotado à causa peruana. Carlos Wiesse, professor da Faculdade de São Marcos -aventurou, entre outras afirmativas cambaleantes, que o médio e baixo Purus não estavam na posse efetiva do Brasil em 1822, aproveitemos o lance para destruir-lhe a objeção fragílima.53

Com efeito, contrastando com a paralisia das entradas geográficas no oriente peruano, naqueles tempos, a expansão brasileira no Amazonas (que se desenvolvera, no século XVIII, linearmente, até Tabatinga) definia-se, vigorosa, em movimentos laterais, que alargavam pelos maiores tributários ao sul do grande rio.

Sobram-nos a este respeito documentos acordes todos no patentearem, desde 1780, os mais perseverantes esforços para o povoamento daquelas regiões. E no que toca ao Purus, o simples folhear as Revistas do nosso Instituto Histórico, nos revelaria que ele estava em tanta maneira conhecido, explorado em parte de seu curso, percorrido no trecho inferior pelos extratores de drogas, e desafiando tanto o mais decidido ânimo de uma posse incondicional, e animus domini, que determinou uma das mais curiosas extravagâncias da derradeira fase do regímen colonial. De feito, o último governador do Rio Negro, Manuel Joaquim do Paço, em 1818, trancou-o. Proibiu que o sulcassem os pesquisadores de salsa e outras especiarias -«indo-se-lhe os olhos cegos de sua ambição atrás dos preciosos frutos», conforme nos delata a palavra insuspeita de um cronista.54

Deste modo, muito ao revés do que aventurou o catedrático da Faculdade de São Marcos, o Purus não estava na mesma condição do médio e alto Mississipi, quando os disputavam os Estados Unidos e Espanha. E o mesmo sucedia com o Juruá e o Javari.

Imobilizada a geografia peruana nas bordas do Ucayali, os descobrimentos dos tributários austrais do Amazonas são uma glória privativa de geografia brasileira.

Abandonaríamos inteiramente o nosso assunto, mostrando-a.

Sirva-nos de remate -e prova fulminante- extratar apenas mais um dos trechos do livro daquele Antonio Raimondi, que se nacionalizou no Peru graças a trabalhos memoráveis, e se erige em máximo inspirador das linhas mais atrevidas das modernas pretensões peruanas.

Escrevia o historiador-geógrafo em 1879:

«Casi no cabe duda alguna, que deben existir comunicaciones entre el Ucayali y algún otro tributario del Amazonas situado más al oriente; pues se tiene noticias de varios casos que en el siglo pasado aparecieron los brasileiros en el Ucayali, sin haber entrado por la boca de este río».



Assombrosa e rara antilogia: o Peru discute, reclama, exige; discute profusamente, reclama insistentemente, exige quase ameaçadoramente, um território acerca do qual o seu grande geógrafo, o único de seus geógrafos capaz de continuar a tradição luminosa de Paz Soldan, ainda em 1879 só possuía notícias vagas, esmaecidas, a diluírem-se em conjecturas, por intermédio... dos brasileiros do século XVIII!




ArribaAbajo- VIII -

O tratado de limites de 23 de outubro de 1851, entre a República do Peru e o Império do Brasil, foi, antes de tudo, uma troca de excepcionais favores.

Ali se vendeu a pele do urso equatoriano...

O Império, admitindo a divisória pelo Javari, fortaleceu, com o seu grande prestígio, as pretensões peruanas, que se estendiam até aquele rio, tendo como só elemento de prova a controvertida Cédula de 1802, a que se contrapunham, vitoriosamente: o atlas de Restrepo (1827); a carta geral da Colômbia, de Humboldt (1825); e, saliente-se este argumento extraordinário, o Mapa físico y político do Peru, impresso em 1826 por ordem do governo daquele país. Poderíamos ir além: a que se contrapunha um Tratado, o de 1829, pactuado com a Confederação Colombiana e estabelecendo que os limites das terras austrais, do Equador, abrangiam as províncias de Jaens e de Maynas, isto é, eram «los mismos que tenían antes de su independencia los antiguos Virreinatos de Nueva Granada y del Perú, según el uti possidetis de 1810».55

Como quer que seja, as vantagens conseguidas pelo Peru foram enormes. Reduzimo-las, anteriormente, a números: apropriou-se de 503.430 quilômetros quadrados, ou sejam dois terços do Equador, conforme os cálculos de Teodoro Wolf.56

Em compensação a República submeteu-se ao Império na retrógrada tentativa deste para monopolizar a navegação amazônica, excluindo-a do comércio universal.

É uma história de ontem, que se não precisa rememorar, tão vibrante ela aí está, ao alcance de todos, nas páginas revoltadas de F. Maury e de Tavares Bastos.57

Registre-se este único incidente: enquanto os enviados extraordinários e ministros plenipotenciários brasileiros, mandados à Bolívia, ao Equador e à Colômbia, com o objetivo de firmarem, com estes países, o direito preeminente do Brasil à navegação de seus tributários amazônicos, não logravam sequer entabular as negociações, o Peru, sem opor o mais breve embaraço a este alastramento da política imperial -naquele caso realmente imperialista- aceitava-o e sancionava-o, solenemente, com o Tratado de 1851. Desta arte se aliou ao Império no propósito obscurantista, que F. Maury denunciou à humanidade, em frases admiráveis blindadas de uma lógica irresistível: isto é, na missão de frustrar todas as tentativas das relações comerciais de outros mercados com aquelas Repúblicas, feitas pelos tributários do grande rio -e destinada a estancar aquela artéria maravilhosa, perpetuando, num monopólio odioso, o marasmo que durante três séculos entibiara o desenvolvimento econômico da Amazônia.

«O Peru deixou-se lograr e fez o Tratado exigido»58, conceituou o esclarecido oficial de marinha.

E iludiu-se. Iludiu-se palmarmente.

Vemo-lo agora.

Mas não lhe malsinemos a perspicácia. Qualquer observador mais bem apercebido de acurada malícia, ou sutil argúcia, subscreveria, naquele tempo, aquela frase. Fora preciso gizar-se a mais absurda entre as mais complexas maranhas internacionais, para conjecturar-se que no Tratado de 1851, onde os limites brasílio-peruanos se traçam de maneira tão límpida, houvesse, latentes, tantos gérmens de dúvidas capazes de justificarem o presente litígio -por maneira a prever-se a inversão da frase do yankee, ao fim de meio século:

«O Brasil deixou-se lograr, no Tratado que firmou...»

Realmente, as nossas relações eram muito conhecidas, ao celebrarem-se os Convênios de 1851 e de 1867, com o Peru e com a Bolívia. De um lado, para com o primeiro, em tanta maneira maleável aos caprichos da política imperial, todas as simpatias; de outro, para com a segunda, perenemente recalcitrante e rebelde e agressiva, todas as animadversões e azedumes. Ainda em 1867 um dos luminares da nossa história diplomática, Antônio Pereira Pinto, conceitava que «na Bolívia as tradições adversas ao Brasil passavam em seu governo de geração em geração».59

Datavam de 1833 as cizânias entre ela e o Império, no tocante às questões de limites; e nunca mais cessaram, engravescendo-se, crescentemente, com outras: em 1837 a propósito das sesmarias outorgadas em territórios brasileiros; em 1844, oriundas das tentativas bolivianas, visando franquear a navegação para o Amazonas; em 1845, 1846 e 1847, até 1850, relativas todas, em última análise, ao domínio amplo do Madeira; em 1853-1858, irrompendo dos decretos declarando livres ao comércio e navegação estrangeiros todos os rios que regam o território boliviano, fluindo para o Amazonas e para o Prata; e firmando, expressamente, com os Estados Unidos, um convênio, onde se estatui que todos aqueles cursos d'água eram caminhos livres, «abertos pela natureza ao comércio de todas as nações...».

Durante esse tempo abortavam as conferências e propostas para se resolverem os deslindes internacionais -desde 1841, em que se frustrara a missão especial do Conselheiro Ponte Ribeiro. E os malogros, assim como as demais discórdias, de relance precitadas, provinham, sobretudo, ao parecer de Pereira Pinto, «de não quererem as autoridades supremas da República arredar-se das estipulações do Tratado de 1777, estipulações caducas depois da guerra de 1801».

Destaquemos bem a razão, que aí está entre aspas, sob a responsabilidade do lúcido internacionalista. O Império, esteando-se no argumento (aliás opinável e frágil, porque há outros mais sérios, como já o vimos) da guerra de 1801, obstinadamente repelia, ou negava, as divisas do Tratado de Santo Ildefonso, para guiar-se nas demarcações modernas; e como a Bolívia «era um dos estados sul-americanos mais pertinazmente interessados na vigência daquele Tratado», ensina-nos o publicista nomeado, resultaram destes critérios, diametralmente contrários, os empeços dilatórios no se pactuarem os limites respectivos.

A consideração é capital, máxime se a defrontarmos com as docilidades e lhanezas, que favoreceram o Convênio de 1851 com o Peru.

Com efeito, deduz-se, lisamente, que o grande empecilho contraposto ao curso da política imperial, naqueles deslindamentos -o pacto de Santo Ildefonso e a sua famosa divisória e principalmente a sua famosa divisória Madeira-Javari- se eliminou de todo no acordo brasileiro-peruano.

É a lógica singela e forte dos fatos. Aparece, irresistível, ao cabo de antecedentes históricos, que se não iludem.

O Império não celebraria a Convenção de 1851, com a República do Pacífico, se houvesse de respeitar a caduca demarcação que desde 1841 tanto o desarmonizava com a Bolívia.

A evidência é luminosa.

E, se lhe restassem ensombros, delir-lhos-ia este fato sabidíssimo: o fracasso de todas as negociações com a Bolívia subsecutivas aos Convênios brasílio-peruanos, de 1851 e 1858, até aos reiterados esforços de nosso Ministro Rego Monteiro, em 1863.

Entretanto, este transigira. Ao fim de 20 anos de notas contrariadas, o Império cedera, em parte, à pertinácia boliviana. Em conferência de 17 de julho daquele ano, o seu plenipotenciário propôs a base que mais tarde, quase sem variantes, se refletiria nos deslindamentos de 1867: a linha limítrofe, após seguir o Paraguai, o Guaporé e o Madeira até à foz do Beni,

«seguiria dali para oeste por uma paralela tirada da margem esquerda, na latitude de 10º 20' até encontrar o rio Javari; e se este tivesse as suas nascentes ao norte daquela linha, seguiria por uma reta, tirada da mesma latitude, a buscar a nascente principal do mesmo rio».



Era, como se está vendo, não já o embrião do Tratado de 1867, senão todo ele, íntegro.

A Bolívia, porém, repulsou a proposta. Não cedeu um passo nas antigas exigências. Insistiu na sua divisória intangível, de Santo Ildefonso.

As negociações romperam-se.

Interpretem-se, agora, os fatos. Havia doze anos (1851-1863) que se celebrara o pacto com o Peru, à luz de um princípio novo, removendo os deslindes anacrônicos das metrópoles. A política imperial via-os renascer, contrariando-a, nas suas negociações com a Bolívia. Demasiara-se nos maiores esforços, durante dois decênios, por eliminá-los. Não o conseguindo, transigiu, alterando-os ligeiramente, e deslocando a leste-oeste para o ponto indicado pelos antigos comissários portugueses. Apesar disto a Bolívia não aquiesceu. Manteve, pertinazmente, o que julgava ser-lhe direito claro, exclusivo, inalienável. As negociações fracassaram ruidosamente. Engravesceram as relações dos dois países... E durante todo esse tempo o Peru mandava os seus comissários, emparceirados aos nossos, a demarcarem as linhas do Javari, consoante o acordo de 1851, ratificado em 1858. Não emitiu, ou boquejou, o mais balbuciante juízo no debate fervoroso, que se lhe travara às ilhargas. Não insinuou, no decurso de doze anos, em que coexistiram os seus convênios tranqüilos e as negociações perturbadíssimas da Bolívia, o mais remoto interesse, prendendo-o aos territórios, onde se abria o campo da discórdia. Não disse aos contendores que o seu parecer, embora consultivo, era indispensável.

Fez isto: naquele mesmo ano, quatro meses apenas depois de baquearem as nossas tentativas com a Bolívia, porque a Bolívia impunha o traçado completo da linha de Santo Ildefonso, por que a Bolívia recalcitrava, exigindo todas as terras amazônicas ao sul daquele paralelo, porque a Bolívia não cedera, obstinadamente, um só hectare da zona hoje litigiosa -o Peru celebrou com a Bolívia o Tratado de Paz e Amizade de 5 de novembro de 1863, onde não se cogita, sob nenhum aspecto, dos deslindamentos gravíssimos, cada vez mais insolúveis ao cabo das mais longas, das mais repetidas, das mais demoradas, das mais infrutíferas conferências, em que surgiam, como elemento único de desarmonia, precisamente os territórios constituintes do atual litígio.60

Como explicar-se esta atitude?

Resta um doloroso dilema: ou o Peru reconhecia, de modo tácito, que se lhe alheavam de todo aquelas terras, sobre as quais não poderia exercitar o mais apagado direito -ou aguardava que a Bolívia, devotando-se ainda uma vez ao seu papel de cavaleira andante da raça espanhola, e intrépida amazona da Amazônia, se esgotasse nos debates diplomáticos, e sucumbisse, ao cabo, dessangrada em uma guerra desigual prestes a romper, para alevantar um direito tardio, entre as ruínas.

Não há fugir às proposições contrastantes. Estamos afeitos às deduções rispidamente matemáticas. Para quebrar-se a ponta que lanceia, aí, a honra nacional de uma terra timbrosa de suas tradições cavalheirescas, é forçoso admitir-se a infrangibilidade da outra. Admitimo-la de bom grado: o Peru, em 1863, data em que se infirmaram as nossas relações com a Bolívia, data em que se firmaram as suas relações com a Bolívia, reconhecia o direito exclusivo desta última à posse das terras hoje controvertidas.

E o reconhecimento acentuou-se. Progrediu. Rotas as negociações, o nosso Ministro pediu os passaportes e retirou-se da República incontentável.

Entre os dois países, as relações, turvando-se, assumiram esse sombrio aspecto crepuscular, que não raro se rompe aos repentinos brilhos das espadas. Além disto, o micróbio da guerra envenenava o ambiente político, germinando nas sangueiras do Paraguai. A América estremecia na sua maior campanha. Toda a nossa força molificava-se ante a retratibilidade de Solano Lopes e a inconsistência dos esteros empantanados...

A ocasião surgia a talho a que a política imperial resolvesse, de um lance, dois problemas capitais, na conjuntura apavorante em que se via: captar o bem-querer do Peru, cuja antiga cordialidade resfriara, trocando-se por simpatias ao Paraguai, ao ponto de ocasionar a retirada, de Lima, do nosso representante Francisco Varnhagen; e revidar, triunfantemente, à tradicional adversária, que nos ameaçava pelos flancos de Mato Grosso. Para isto um meio infalível: atrair o Peru à posse das maravilhosas terras da Amazônia meridional.

Mas não se aventou sequer este alvitre.

O Império manteve-se, nobremente, no plano superior das nossas tradições.

Submeteu-se à retitude do nosso passado político. Não repudiou os ensinamentos austeros dos nossos velhos cronistas e dos melhores geógrafos, que estabeleciam, unânimes, o direito boliviano naquelas terras.

Abandonou, galhardamente, o desvio que o favorecia; e firmou o Tratado de Ayacucho, de 27 de março de 1867, decalcando-o, linha por linha, pelas bases propostas em julho de 1863.

Decalcando-o, frase por frase, pelas bases propostas em 1863 -é indispensável repetir, porque em várias páginas de lídimo castelhano se tem garantido, humoristicamente, que o firmamos urgidos, ou aguilhoados, das dificuldades que nos assoberbavam sob o alfinetar das baionetas paraguaias...

O fato é que em 1867, a despeito das vicissitudes de uma guerra -gravíssimas, embora o nosso Exército já se houvesse imortalizado em Tuiuti- o Brasil manteve a base oferecida cinco anos antes, quando a sua hegemonia militar no continente era incontestável, aparecendo entre o desmantelo da ditadura suplantada de Rosas e os triunfos, a passo de carga, da campanha do Uruguai.

Ora, pactuado aquele convênio, pelos plenipotenciários Filipe Lopes Neto e Mariano Duñoz, os bolivianos, em massa, protestaram. A consciência nacional rebelou-se contra o governo que deslocara a velha linha histórica.

Explodiu em panfletos violentíssimos.

A ditadura de Melgarejo reagiu, discricionária. Lavraram-se proscrições.

E durante a crise tempestuosa o Peru quedou na mais imperturbável e cômoda quietude.

Protestou, afinal, transcorridos nove meses. O protesto, subscrito pelo Ministro das Relações Exteriores, J. A. Borrenechea, é de 20 de dezembro de 1867. Nove meses justos, que a noção relativa do tempo torna sobremodo longos na precipitação acelerada dos acontecimentos.

Mas protestou; e no protesto transluz, notavelmente, a insubsistência das pretensões peruvianas. Raras vezes se encontrará documento político onde se contrabatam, às esbarradas, as maiores antilogias e se abram, em cada período, tão numerosas frinchas à mais fácil crítica demolidora.61

O ministro, ao termo da penosa gestação, começa ponderando que sempre «había creído que era conveniente para las Repúblicas aliadas darse conocimiento de sus negociaciones diplomáticas», quando havia 25 anos, desde 1841, que as negociações brasílio-bolivianas, ruidosas, alarmantes, cindidas no intermitir de sucessivos fracassos, preocupavam a opinião geral sul-americana... E talvez não demonstrasse que os acordos anteriores, do Peru, houvessem satisfeito à conveniência de uma consulta prévia à Bolívia. Depois, doutrina professoralmente que o princípio do uti possidetis, estabelecido no Tratado de 1867, embora se pudesse invocar com justiça nas controvérsias territoriais das nações hispano-americanas oriundas de uma metrópole comum, não poderia aplicar-se, tratando-se de países dantes submetidos a metrópoles diversas, entre as quais havia pactos internacionais regulando-lhes os domínios -deslembrando-se que aquele mesmíssimo princípio, expressamente aceito pelo Peru fora o único em que se baseara o Convênio de 1851, ratificado em 1858. Apesar disto preleciona: «Así el uti possidetis no podía tener lugar entre Bolivia y Brasil...»

Prossegue. Refere-se à semidistância do Madeira. Esclarece-lhe a posição verdadeira.62 Argúi, amargamente, a Bolívia de permitir que ela se mudasse tanto para o sul, o que importava na perda de dez mil léguas quadradas de terrenos, incorporados ao Brasil, onde se deparam: «ríos importantísimos, tales como el Purús, el Yuruá y Yutay, cuyo porvenir comercial puede ser inmenso»; e, logo adiante, esquecido da semidistância, tão pecaminosamente deslocada pela complacente Bolívia, que se não devera mudar tanto para o sul (porque ela deveria interferir o Javari em 6º 52', consoante o juízo de Raimondi, restaurado, às cegas, nas atuais pretensões peruanas), escreve que, conforme o Pacto de 1851, entre o Brasil e o Peru,

«... todo el curso del río Javary es límite común entre los Estados contratantes...»



É um jogo estonteante de incongruências curiosíssimas.

Por fim, a serôdia impugnação não afirma, não precisa, não acentua um juízo claro dos prejuízos peruanos. Não diz o que reclama. O protesto é o murmúrio vacilante e medroso de uma conjectura; é a expressão anódina de um interesse aleatório: o governo boliviano cedeu ao Brasil territórios que pueden ser de la propriedad del Perú. Que, pueden ser...

Aí está o corpo de delito direto da maior e mais insensata cinca da política internacional sul-americana.63

Este documento, que não resiste à mais romba e desfalecida análise, devia ser o que foi e o que é: contraditório, frágil, bambeante, sem nenhuma pertinência jurídica, e a destruir-se por si mesmo na decomposição espontânea da própria instabilidade, advinda, a um tempo, do contraste e divergência dos seus conceitos, que ora se anulam, entrechocando-se, ora, disparatando, desagregam-se e pulverizam-se.

O período gestatório de nove meses, há pouco considerado longo, achamo-lo, agora, apertadíssimo. Em nove meses apenas, o mais prodigioso gênio não conceberia paralogismos, para iludir três séculos, escrevendo quatro ou cinco páginas capazes de embrulharem toda a história sul-americana.

Não vale a pena prosseguir. Deste lance em diante o assunto decai. Baste-se dizer que, por paliar, ou rejuntar, superficialmente, estes estalos na estrutura de seu protesto e das suas exigências, apela o governo peruano para o adiáforo, o vátio, o insubsistente, dos dizeres de algumas instruções aos comissários demarcadores dos limites, entre 1863 e 1874. Não nos afadiguemos na tarefa inútil de apurá-las. Satisfaz-nos, a este propósito, uma consideração única: quaisquer que elas fossem, aquelas instruções debateram-se, balancearam-se, longos anos, por maneira a prevalecer, naturalmente, o critério das deliberações finais.

Pois bem -o comissário brasileiro que, de harmonia com o peruano, implantou o «marco definitivo» dos nossos deslindamentos com o Peru, em 1874, nas cabeceiras do Javari, foi o venerando Barão de Tefé; e ele, que com o maior brilho repelira as constantes propostas de seu colega, M. Rouaud y Paz Soldan, para adotar-se a célebre linha média, do Madeira ao Javari, mesmo escandalosamente deslocada para 9º 30' de latitude sul, conforme, reiteradamente, aquele lhe oferecera em documentos oficiais inequívocos e límpidos -o Barão de Tefé, a quem se pode cortejar desafogadamente, porque na sua quase existência histórica é apenas um relíquia sagrada do nosso passado, sem a mais breve influência nos negócios públicos- ao implantar o marco definitivo do Javari manteve, integral, o parecer vitorioso que impusera ao comissário peruano, consistindo nestes pontos essenciais:

«1º - Que o Peru nenhum direito possuía à margem direita do Madeira;

2º - Que a República do Peru no Tratado solene celebrado com o Império do Brasil, estabelecera como limite todo o curso do rio Javari; por isto considerou nulo o art. 9º do Tratado de Santo Ildefonso, que fixava o extremo sul da fronteira do Javari no ponto cortado pela linha leste-oeste, tirada a meia distância do Madeira, que é o mesmo paralelo dos 7º 40' dos comissários de 1781.»



Nestas palavras ultimaram-se para sempre os nossos negócios territoriais com o Peru.

*

O prolongamento natural destas linhas consistiria em desvendar o cenário da recentíssima expansão daquela República, a estirar-se pelas cabeceiras do Juruá e do Purus -obscuramente, temerosamente e criminosamente- escondida no afogado das selvas oscuras das «castillôas»; por onde vai alastrando-se a rede, aprisionadora de territórios, entretecida pelas trilhas tortuosas e fugitivas dos «caucheiros».

Mas estes, reclamam-no-los outras páginas...

*

Terminemos.

Estes artigos têm a valia da própria celeridade com que se escreveram. São páginas em flagrante. Não houve, materialmente, tempo para se ataviarem frases, expostas na cândida nudez de uma esplêndida sinceridade.

Fomos apenas eco de maravilhosas vozes antigas. Partimos sós, tateantes na penumbra de uma idade remota. Avançamos; e arregimentou-se-nos em torno uma legião sagrada, mais e mais numerosa, onde rebrilham os melhores nomes dos fastos de uma e outra metrópole. Chegamos ao fim, malgrado a nossa desvalia, a comandar imortais.

Daí a absolvição desta vaidade: não nos dominaram sugestões. Num grande ciúme de uma responsabilidade exclusiva, não a repartimos. O que aí está -imaculada e íntegra- é a autonomia plena do escritor.

Muitos talvez não compreendam que, numa época de cerrado utilitarismo, alguém se demasie em tanto esforço numa advocacia romântica e cavalheiresca, sem visar um lucro ou interesse indiretos. Tanto pior para os que não o compreendam. Falham à primeira condição prática, positiva e utilitária da vida, que é o aformoseá-la...

De tudo isto nos resultou um prêmio: nivelamo-nos aos princípios liberais de nosso tempo. Basta-nos. Afeiçoamo-nos, há muito, aos triunfos tranqüilos, no meio da multidão sem voz dos nossos livros. Hoje, como ontem, obedecendo à finalidade de um ideal, repelimos, do mesmo passo, o convício e o aplauso, o castigo e a recompensa, o desquerer e a simpatia.

Não combatemos as pretensões peruanas. Denunciamos um erro.

Não defendemos os direitos da Bolívia.

Defendemos o Direito.






ArribaAbajoNotas adicionais indispensáveis


I

Os dizeres dos plenipotenciários portugueses e espanhóis, extractados em várias páginas do capítulo III, pertencem a documentos existentes no Arquivo de Simancas, Legajos 7 403 e 7 406.




II

A Real Cédula de 15 de setembro de 1772, tantas vezes citada, consta do Archivo de Índias, Est. 120. Cap. 7. Leg. 27.




III

O Memorial de Bartolomeu Verdugo, e as informações de vários ministros expostas no capítulo IV -existem no Archivo de Índias, Leg. 27.






ArribaApêndice


I

Protesta del Peru


Ministerio de Relaciones Exteriores del Perú - Lima, Diciembre 20 de 1867.

Señor Ministro: El infrascrito, Ministro de Relaciones Exteriores del Perú, tiene el honor de dirigirse a S. E. el Señor Ministro de igual clase de la República de Bolivia, con motivo del Tratado que se ha celebrado en La Paz entre Bolivia y el Brasil el 27 de Marzo del presente año, y a fin de salvar los derechos del Perú comprometidos en este acto internacional.

Poco después de la llegada del Señor López Netto a Bolivia, comenzó a hablarse de la negociación de un Tratado de Límites, y sólo últimamente se tuvo noticia de la celebración de un importante pacto entre los dos países. El infrascrito que por diferentes motivos debía hacerse intérprete del interés que tiene el Perú en todo lo relativo a Bolivia, habló sobre el particular al Señor Benavente; pero S. E. no tenía conocimiento alguno del contenido de aquel Tratado; y el Gobierno del Perú ha aguardado a que ese notable documento fuese publicado en los periódicos para imponerse de su contenido.

El infrascrito había creído que era conveniente para las Repúblicas aliadas, darse conocimiento de sus negociaciones diplomáticas más importantes: y no sólo tenía, sino que conserva aún el propósito de no concluir ningún pacto de alguna gravedad sin comunicar su pensamiento a las Repúblicas hermanas, que están llamadas a formar entre sí una entidad internacional. Por lo mismo habría deseado encontrar en Bolivia el mismo pensamiento y fortificar la união (sic) por una reciprocidad de miras y de sentimientos que parece desprenderse de la situación actual. En el presente caso, la confianza entre el Perú y Bolivia tenía otros motivos de justificación, nacidos, por un lado, del estado en que encuentra las relaciones de límites entre las dos Repúblicas, no definido aún, y por otro, de no hallarse todavía concluidas entre el Perú y el Brasil las negociaciones relativas al mismo objeto. Por lo mismo la previa inteligencia entre las dos Repúblicas no habría sido perjudicial, sino talvez muy útil al buen resultado de la negociación.

Nada se halla, sin embargo, más distante del Gobierno del Perú que la idea de intervenir en lo menor de las cuestiones que son de la exclusiva competencia del Gobierno boliviano. Así él no entrará en el examen del Tratado, en la parte que se refiere únicamente a Bolivia. Sin embargo, cree de acuerdo con lo que en otra ocasión manifestó el Gabinete de Sucre, que el principio del uti possidetis; pactado en el primer acápite del artículo 2º, si bien puede invocarse con justicia en las controversias territoriales de los Hispanoamericanos, que dependían de una metrópoli común y que durante la coloniaje no eran sino diversas secciones administrativas, no puede tener aplicación al tratarse, como al presente, de diversas metrópolis, entre las cuales había pactos internacionales que regulaban los diferentes dominios, legitimando y confirmando la posesión que fuese conforme a él y condenando la que le fuese contradictoria u opuesta. Efectivamente, el principio de la posesión actual no puede servir de regia sino cuando la propiedad no ha sido reconocida. Así el uti possidetis no podía tener lugar entre Bolivia y el Brasil por cuanto estos dos países tienen un derecho escrito sobre la materia. Por razones de diverso género el uti possidetis entre el Perú y Bolivia, aunque puede ser invocado, en ciertos casos, es insuficiente en otros; porque haciendo ambas Repúblicas parte del mismo virreinato, no se puede definir con exactitud la posesión actual respecto de territorios sobre los que no hay verdadera detención.

Talvez por no haberse tomado en consideración estas observaciones se ha llegado a formular un Tratado contra el cual el Perú se ve en la necesidad de protestar en cuanto ataca sus derechos territoriales. En el artículo 2º se estipula «que la línea divisoria del extremo Sur de Corixa grande irá en líneas rectas al morro de Buena Vista y a los Cuatro Hermanos; de estos también en línea recta hasta las nacientes del río Verde; bajará por este río hasta su confluencia con el Guaporé y por medio de éste y del Mamoré hasta el Beni, donde principia el río Madera».

«De este río para el Oeste seguirá la frontera por una paralela tirada de su margen izquierda, en la latitud Sur, 10 grados 20 minutos, hasta encontrar el río Yavary».

«Si el Yavary tuviese sus nacientes al Norte de aquella línea Este-Oeste, seguir la frontera desde la misma latitud por una recta hasta encontrar el origen principal de dicho Yavary».

Examinado el mapa oficial de Bolivia de 1859, se ve que el río Madera no comienza en el Beni sino en la confluencia del Guaporé con el Mamoré. Esto se halla conforme con los más acreditados mapas. Este error geográfico puede producir resultados equivocados.

Lo más grave para el Perú es hacer seguir la frontera entre Bolivia y Brasil por una paralela tirada de la margen izquierda del Madera en la latitud Sur 10 grados 20 minutos hasta encontrar el río Yavary o en caso de no encontrar este hasta su origen.

Conforme el Tratado de San Ildefonso de 1777 la línea habría debido tirarse de la semidistancia del Madera calculada entre la confluencia del Mamoré y del Guaporé y la desembocadura del primero en el Amazonas. Así se deduce del artículo 11 de dicho pacto cuyo tenor es el siguiente:

«Bajará la línea por las aguas, de estos dos ríos Guaporé y Mamoré, ya unidos con el nombre de Madera, hasta el paraje situado en igual distancia del río Marañón o Amazonas, y de la boca del río Mamoré; y desde aquel paraje continuará por una línea Este-Oeste hasta encontrar con la ribera oriental del río Yavary, que entra en el Marañón por su ribera austral; y bajando por las aguas del mismo Yavary hasta donde desemboca en el Marañón o Amazonas, seguirá aguas abajo de este río, que los españoles suelen llamar Orellana y los indios Guiena, hasta la boca más occidental del Yapura, que desagua en "él por la margen septentrional"».

Esta estipulación se halla de conformidad con el artículo 8º del Tratado de Madrid de 13 de Enero de 1750, que dice así:

«Bajará (la línea divisoria) por las aguas de estos dos ríos (el Guapuré y el Marioté) ya unidos hasta el paraje situado en igual distancia del citado río Marañón o Amazonas, y de la boca del dicho Mamoré y desde aquel paraje continuará por una línea Este-Oeste hasta encontrar la ribera oriental del río Yavary que entra en el Marañón por la ribera austral y bajando por las aguas del Yavary hasta donde desemboca en el Marañón o Amazonas, seguirá aguas abajo de este río hasta la boca más occidental del Yapura, que desagua en él por la margen septentrional».

El resultado de no haberse tenido en cuenta estas estipulaciones y de haberlas sustituido con el artículo 2º del Tratado en cuestión, puede percibirse por todo el que examine ligeramente una carta de las localidades. Lejos de ser lisonjero para el Perú y para Bolivia, importa la absorción por el Brasil de cerca de diez mil leguas cuadradas, en las cuales se encuentran ríos importantísimos, tales como el Purús, el Yuruá, el Yutay, cuyo porvenir comercial puede inmenso.

Si el Gobierno de Bolivia no ha temido las consecuencias del Tratado, el del Perú se ve en la necesidad de hacer las reservas convenientes en guarda de los derechos territoriales de la República.

Los límites entre Perú y Bolivia no están aún definidos.

En el artículo 12 del Tratado de Paz y Amistad entre las dos Repúblicas, se estipuló lo siguiente: «Ambas Partes Contratantes, en el propósito de alejar todo motivo de mala inteligencia entre ellas, se comprometen a arreglar definitivamente los límites de sus respectivos territorios, nombrando, dentro del término que de común acuerdo se designe, después del canje de las ratificaciones del presente Tratado, una Comisión mixta que levante la carta topográfica de las fronteras y verifique la demarcación, etc., etc.».

Ninguna urgencia ha tenido el Perú para llevar adelante ese deslinde; pero el de Bolivia desde que ha creído conveniente hacer el suyo con el Brasil respecto de territorios que por lo menos, debió considerar como limítrofes del Perú, parece que debía ajustar con éste la debida negociación. Este olvido ha causado la cesión que el Gobierno de Bolivia ha hecho al Brasil de territorios que pueden ser de la propiedad del Perú. Salvarlos es el objeto que se propone el infrascrito en la presente nota.

Verdad es que el Gobierno del Perú aceptó también el principio del uti possidetis y sustituyó a los Tratados celebrados por la Metrópoli la posesión actual y conforme a ella, el Tratado de 23 de Octubre de 1851 que la República se halla en el deber de respetar; pero el Gobierno peruano había deseado que el de Bolivia se aprovechase de la experiencia que el Perú ha adquirido a costa de algunos sacrificios. Ya que esto no ha tenido lugar, por lo menos el Perú habría deseado que el Tratado de 1851 fuese respetado con todas sus consecuencias.

Según ese pacto, ratificado posteriormente por la Convención de 1858, todo el curso del río Yavary es Límite común para los Estados Contratantes; y aunque los Tratados no lo dicen, los Comisarios de límites señores Carrasco y Acevedo pactaron que se llegase hasta la latitud de nueve grados treinta minutos Sur o hasta el nacimiento de dicho río, siempre que éste se encontrase en una latitud inferior. La línea paralela al Ecuador, trazada en una de las referidas situaciones señaló la división territorial entre el Perú y el Brasil por ese lado, quedando perteneciente al Perú todo el terreno comprendido entre el Sur y la enunciada paralela, que debe terminar en el río Madera. Tan cierto es esto, que los Gobiernos del Perú y del Brasil, al conferir sus instrucciones a los Comisarios respectivos, tuvieron especial cuidado de consignar en ellas como punto cardinal esta verdad y en todos las conferencias oficiales de los Comisarios, que existen protocolizadas, así como las instrucciones dadas a la Comisión especial, que se encomendó a los secretarios para la exploración del Yavary, se acordó prevenir de una manera expresa lo que queda manifestado.

Resumiendo lo expuesto, resulta que, según el Tratado en cuestión:

1º La frontera debe seguir del Madera para el Oeste por una paralela tirada de su margen izquierda en la latitud Sur diez grados veinte minutos hasta encontrar el río Yavary.

2º Si el Yavary tuviese sus márgenes al Norte de aquella línea Este-Oeste, seguirá la frontera desde la misma latitud, por una recta, hasta encontrar el origen principal de dicho Yavary.

En el primer caso, el Brasil para fijar por este lado sus límites con Bolivia, invade nuestra propiedad, reconocida por él, en los citados pactos de 1851 y de 1858.

Si los Comisarios de Bolivia y del Brasil se vieran precisados a llevar adelante la segunda solución, se tendría como consecuencia necesaria un resultado imposible: que las nacientes del Yavary servirían de punto común de partida para establecer fronteras respectivas entre el Perú, Bolivia y el Brasil; y que la recta que de allí partiera hasta encontrar la margen izquierda del Madera, vendría a ser, poco más o menos, línea divisoria, también común, para los tres países.

Si Bolivia (admitiendo esta hipótesis) es dueño del territorio de que se ocupa el infrascrito a quien perteneciera la faja de terreno comprendida entre la paralela pactada entre el Perú y el Brasil y la que el imperio ha estipulado con Bolivia?

El Tratado no lo dice.

En el caso de que el Gabinete de Sucre hubiera querido escuchar al Perú se habría evitado, por lo menos, la divergencia en la manera de apreciar estas importantes cuestiones.

Ya que este no ha tenido lugar, el infrascrito cumple las órdenes de S. E. el Presidente del Perú protestando contra el mencionado Tratado de 27 de Marzo, en cuanto ataca por su artículo 2º los derechos territoriales del Perú.

El infrascrito tiene el honor de reiterar a S. E. el señor Ministro de Relaciones Exteriores de Bolivia, las seguridades de alta consideración con que se suscribe de S. E. muy atento y muy obediente servidor.

(Firmado) J. A. Barrenechea.

Excmo. Señor Ministro de Relaciones Exteriores de la República de Bolivia.




II

Contra-protesta de Bolívia


Ministerio de Relaciones Exteriores de Bolivia - Sucre Febrero 6 de 1868.

Señor: He tenido el honor de recibir por el último correo, el interesante despacho que V. E. se ha servido dirigirme con fecha 27 de Diciembre último, en el cual, con motivo del Tratado que Bolivia ha celebrado con el Brasil el 27 de marzo del año próximo pasado, y a fin de salvar, según se expresa, los derechos del Perú, comprometidos en este acto internacional, V. E. tiene a bien protestar contra el mencionado Tratado, en cuanto ataca por su artículo 2º los derechos territoriales del Perú.

Antes de recibir el citado despacho de V. E., ya tuve ocasión de verlo publicado en El Comercio de esa Capital, y aguardaba sólo recibir el ejemplar auténtico para contestar a V. E., como paso a hacerlo.

Sensible es para el Gobierno de Bolivia que el ejercicio de un acto internacional de su exclusiva competencia y que ninguna relación tenía con los altos fines de la Alianza del Pacífico, a la cual adhirió con la mayor espontaneidad, haya podido considerarse como objeto de un cargo, desde luego inmotivado, contra sus propósitos, igualmente perseverantes que los del Perú, para fortificar la unión por una reciprocidad de miras y de sentimientos, de que tiene dadas algunas pruebas.

Menos podía considerarse en la obligación de buscar una inteligencia previa con el Perú, por más motivos de fraternidad y estrechez cordial que lo unan con él, desde que se trataba de una negociación en la cual sólo Bolivia debía comprometerse, siendo también a ella exclusivamente, a quien debía favorecer o perjudicar aquel Tratado, sin que sea parte a inclinarla en el sentido que expresa V. E., la circunstancia de hallarse aún sin definirse y demarcarse sus límites con el Perú, puesto que por el mismo art. 12 del Tratado de Paz y Amistad entre las dos Repúblicas, cualquiera de las Altas Partes Contratantes podía y puede tomar la iniciativa para arreglar definitivamente los límites de sus respectivos territorios, como en él se halla estipulado. Extrañar que no se haya dado al Perú noticia previa en un negocio privativo de Bolivia, parece que era innecesario y que lo será siempre.

Entretanto, el Gobierno de Bolivia se hace un honor en reconocer la altura con que el de esa República declara: que «nada se halla, sin embargo, más distante del Gobierno del Perú que la idea de intervenir, en lo menor, en las cuestiones que son de la exclusiva competencia del Gobierno boliviano.» Este profesa igual principio y está resuelto a observalo con lealtad invariable.

Pasando al fondo de la cuestión y prescindiendo de que en la relación íntima que existe entre ambos países, más natural y obvio era, acaso, pedir una explicación previa, (como lo hizo Bolivia respecto al Tratado de 1º de Mayo de 1865, concluido entre el Imperio del Brasil y dos Repúblicas del Plata) reservando la protesta para después de conocer el escrito y tendencias de los Estados signatarios; pasando, repito, al fondo de la cuestión, me bastaría declarar a V. E. que, sin estimar fundada la protesta, el Gobierno de Bolivia, que sabe respetar los derechos ajenos, no ha intentado menoscabar los del Perú en el Tratado de 27 de Marzo, el cual no compromete ni en un palmo de terreno los intereses peruanos, por más que V. E. se esfuerce en atribuir al Brasil la absorción de cerca de 10.000 leguas cuadradas, que se permite suponer cedidas por Bolivia en prejuicio del Perú.

Mas, como V. E. funda su protesta en varias apreciaciones, igualmente inexactas, me veo en el deber de refutarlas, rectificando los hechos y manifestando la verdad de las cosas.

Principiaré por hacer notar a V. E. que en el mapa oficial de Bolivia de 1859, no es exacto que el río Madera comience en la confluencia del Guaporé con el Mamoré, aún cuando esta aserción se halle conforme según dice V. E., con los más acreditados mapas. Lo que hay de evidente es que, en el mapa oficial de Bolivia de 1859, reunidos el río Itenez o Goaporé con el Mamoré, en la longitud 67º 55' del meridiano de París y a la latitud Sur 11º 22', continúan su curso bajo el nombre exclusivo de Mamoré, el cual unido al río Beni, en la longitud 68º 40' y a la latitud Sur 10º 20' recibe la denominación de Madera, con que signe su curso hasta incorporarse al Amazonas.

Para comprobar lo dicho, hasta la más ligera inspección del mapa boliviano; inspección que desvanecerá los infundados temores de ese error geográfico, que en realidad no existe, y que, por lo mismo, nunca podrá tampoco producir resultados equivocados.

Debo también assegurar a V. E. que en la negociación del Tratado de 27 de Marzo, el Gabinete de Sucre no olvida que estaba aún pendiente la definición de los límites entre Bolivia y el Perú; hallábase, empero persuadido, como lo está hoy mismo, de que esta cuestión en nada afecta a los arreglos que contiene aquel Tratado.

Tuvo, además, en cuenta las estipulaciones de 1750 y de 1777, ajustadas entre las Coronas de España y de Portugal, y para haberlas sustituido con el art. 2º del Tratado en cuestión, no perdió de vista que aquellas quedaron sin ejecución y jamás establecieron una verdadera posesión para el Gobierno español.

No quedaba, pues, otra base para fundar sólidamente los derechos territoriales de Bolivia y del Brasil, que el principio del uti possidetis; esto es, la posesión real y efectiva de España y Portugal, aún quando fuese detentación; no pudiendo tomarse por posesión verdadera aquello que pretendiese tener qualquiera de las dos coronas sin una ocupación positiva y actual.

Pero el Perú y el Brasil concluyeron en 23 de Octubre de 1851, como V. E. mismo lo reconoce?

Su artículo 7º dice terminantemente -«Para prevenir duda respecto de la frontera aludida en las estipulaciones a la presente Convención, convienen las Altas Partes Contratantes en que los límites de la República del Perú con el Imperio del Brasil sean regulados en conformidad del principio de uti possidetis; por consiguiente reconocen respectivamente como frontera la población de Tabatinga; y de ahí para el Norte en línea recta a encontrar el río Yapurá, frente a la hoya del Apaporiz; y de Tabatinga para el Sur el río Yavary desde la confluencia con el Amazonas».

Aún hay más y debe tenerse en cuenta que se estipuló también lo que sigue -«Una Comisión mixta nombrada por ambos Gobiernos reconocerá, conforme al principio del uti possidetis la frontera y propondrá el canje de los territorios que juzgaren a propósito para fijar los límites que sean más naturales y convenientes a una y otra Nación».

He ahí cómo el principio del uti possidetis ha sido la base primordial y única que ha regulado el Tratado entre Perú y el Brasil en 1851.

Fuera de que esa misma frontera aún no se hallaba netamente definida por entonces, como no lo está ahora mismo, puesto que se convino en conferir a una Comisión mixta la facultad de reconocerla y proponer el canje de los territorios.

Por qué, pues, pretende el Gabinete de Lima, que el de Sucre hubiera rehusado adoptar el mismo principio que a él le sirvió para el ajuste de límites con el Brasil?

Lo que fue razonable y justo, o cuando menos equitativo, para la Cancillería peruana, no debió serlo igualmente para la boliviana, en caso idéntico y en perfecta igualdad de circunstancias?

Resumiendo V. E. lo expuesto en su citado despacho formula las conclusiones siguientes:

1º - «Si la frontera debe seguir del Madera para el Oeste por una paralela tirada de su margen izquierda en la latitud Sur 10º 20' hasta encontrar el río Yavary; el Brasil para fijar por ese lado sus límites con Bolivia, invade la propiedad peruana reconocida por él en los citados pactos de 1851 y de 1858».

2º - «Si el Yavary tuviere sus márgenes al Norte de aquelle línea Este-Oeste, seguirá la frontera desde la misma latitud, por una recta hasta encontrar el origen principal de dicho Yavary; en este caso, si los Comisarios de Bolivia y del Brasil se vieran precisados a llevar adelante esta segunda solución, se tendría como consecuencia necesaria un resultado impossible -que las nacientes del Yavary servirán de punto común de partido para establecer fronteras respectivas entre el Perú, Bolivia y el Brasil; y que la recta que de allí partiera hasta encontrar la margen izquierda del Madera, vendría a ser, poco más o menos, línea divisoria, también común para los tres países, y si Bolivia (admitiendo esta hipótesis) es dueño del territorio, a que se refiere la protesta, pregúntase: -a quién pertenecería la faja de terreno comprendida entre la paralela pactado entre el Perú y el Brasil y la que el Imperio ha estipulado con Bolivia, puesto que el Tratado del 27 de Marzo no lo dice?

Respecto a la primera y dejando al Gabinete del Janeiro la tarea de contestar, en su caso, por lo tocante al Imperio, me limitaré solamente a llamar la atención de V. E. sobre el mismo tenor literal del artículo 7º antes transcrito, según el cual los límites entre el Perú y el Bolivia, al Sur de Tabatinga, están definidos por el río Yavary de manera que los territorios adyacentes a su margen izquierda son los últimos que por esa parte posee el Perú, correspondiendo al Brasil los que se hallan situados a su margen derecha.

Y como en esta parte asiste también a Bolivia un derecho incuestionable, que nace del mismo principio del uti possidetis, que al Perú le ha servido de punto de partida para sus arreglos territoriales con el Imperio, nada parece más natural que lo estipulado entre Bolivia y el Brasil, que disponían de cosa propria, esto es, de territorios que poseían y donde la soberanía y jurisdición del Perú no podían alcanzar por impedírselo el río Yavaty, su Límite reconocido en el Tratado de 23 de Octubre de 1951. En este punto desaparece todo motivo de duda; y cualquier principio de cuestión entre Bolivia y el Perú, queda regulado por el mismo Tratado Peruano-Brasileiro.

Con relación a la segunda, fácil será manifestar que no tendrá lugar el resultado imposible que prevé V. E. y que en ningún caso quedará aislada una faja de terreno que supone existir entre las paralelas pactadas respectivamente por Bolivia y el Brasil, y entre éste y el Perú.

El segundo caso previsto en el artículo 2º del Tratado de 27 de Marzo considera las nacientes del río Yavary al Norte de aquella línea Este-Oeste; y en tal concepto hállase convenido que la frontera entre Bolivia y el Brasil, seguirá desde la misma latitud por una recta hasta encontrar el origen principal de dicho Yavary.

En esta estipulación, tan razonable como obvia para ambos países, nada hay que pudiera afetar ni remotamente los intereses peruanos, desde que su territorio queda limitado por el mismo Yavary, a cuyas márgenes convergen las líneas boliviano-brasilera y peruano-brasilera.

El ángulo de convergencia de dichas líneas viene a ser el punto de partida para que Bolivia y el Perú definan sus respectivos límites, compartiendo en este caso el territorio triangular que resultare; siendo empero, de notarse que el uti possidetis entre la línea boliviano-brasilera y la hoya del río Beni, favorece sin género de duda a Bolivia.

Pero aún aplazando esta última cuestión para cuando Bolivia y el Perú traten de ajustar sus límites, me persuado de haber podido demostrar claramente que el artículo 2º del Tratado de 27 de Marzo, no es agresivo de los derechos territoriales del Perú, a que los negociadores boliviano y brasilero supieron prestar el debido homenage.

Muy lisongero sería para el Gobierno de Bolivia, si las explicaciones ingenuas que dejo expuestas y los sencillos fundamentos en que estriba el artículo 2º de dicho Tratado, merecieran la aceptación del Exm. Gobierno del Perú, de cuya alta ilustración y notoria probidad la guarda tranquilo el de esta República.

Al dejar satisfecho el objeto de este despacho, tengo el honor de renovar al Exmo. señor Ministro de Relaciones Exteriores del Perú, las seguridades de alta y distinguida consideración, con que me suscribo de S. E. el señor Barrenechea muy attento y obsecuente servidor.

(Firmado) Mariano Donato Muñoz.

Al Exmo. señor Ministro de Relaciones Exteriores del Perú.




III

Demarcação brasílio-boliviana no Madeira


Comisión de Límites entre el Imperio del Brasil y la República de Bolivia.

Términos de la inauguración del marco levantado en la margen izquierda del río Madera frente a la cachuela del mismo nombre.

A los diez y siete días del mes de Noviembre del año de nacimiento de Nuestro Señor Jesucristo de mil ochocientos setenta y siete, siendo Emperador del Brasil el Señor Don Pedro II y Presidente de la República de Bolivia en ejercicio de sus poderes públicos, Su Excelencia el Señor General Don Hilarión Daza se encontraron en la margen izquierda del río Madera, arriba de la cachuela del mismo nombre, con el fin de inaugurar el marco levantado en ese lugar por la Comisión Brasilera, compuesta de los Señores: Mayor del Cuerpo de Ingenieros Bachiller Guillermo Carlos Laisance E. Primero teniente da Armada Frederico Ferreira de Oliveira, hallándose también presente en dicho acto el primer Cirujano del Ejército, Doctor José Severiano de Fonseca, sirviendo de Secretario el Teniente primero Oliveira y deseando de comparecer los Señores Comisario Interino Mayor del Cuerpo de Ingenieros Bachiller Francisco Janèr Lopez de Araujo y Capitán de Estado Mayor de primera classe Bachiller Javier de Oliveira Pimentel, que formaban parte de la sección que habían explorado las nacientes del río Verde, y el Capitán de Estado Mayor de Artillería Antonio Joaquím de Costa Guimarães, por haberse retirado para la Corte del Imperio con licencia por enfermedad.

Este marco hállase construido en la margen izquierda del río Madera y frente a la cachuela del mismo nombre, da cuaqueda abajo de la confluencia del río Mamoré con el Beni.

Desígnase la línea de límites que parte del puerto del río Verde, donde los miembros de esta sección deben colocar un marco, y seguir por la sección del río Guaporé por la margen hasta el río Mamoré, cuya posición geográfica es latitud 11º 54' 12", 83 Sur y longitud 21º 53' 6", 45 Oeste del Imperial Observatorio de Río de Janeiro continuando de ahí por el curso del río Mamoré hasta este punto. De aquí continúa la línea geodésica que liga este marco con la naciente y origen del río Yavary, corriendo esa línea en rumbo verdadero de 69º 51' 13", 58 Noroeste en la distancia 1.031km 44 según los cálculos hechos con las coordinadas geográficas de esa nascente conforme a las indicaciones de la Comisión mixta demarcadora de los límites entre el Imperio y la República del Perú, las cuales son: latitud 7º 1' 17" 5, longitud 74º 8' 27" 07 Oeste de Greenwich, este marco está construido de albañilería de piedra y tiene la forma de una pilastra con las dimensiones siguientes: altura 1 metro 20 metro por 1 metro 20 por 0,80 centímetros; base 1 metro por 1 metro por X por 40 fuste 01,70 por X m, 70 por 1,50 metro al capitel 0m,78 por X por metro 12. Todos estos antecedentes están orientados según los rumbos verdaderos N. S. y E. O. no se tomó en cuenta que se tome en consideración la instrucción para el Norte de: «Imperío do Brasil 1877» ni aquella en el Sur «República de Bolívia 1877».

Suposición geográfica: latitud 10º 21' 13", 63 y longitud 22º 14' 37", 65 Oeste del Observatorio Imperial del Río de Janeiro; la declinación de la aguja 7º 45' Noreste.

Del marco designado indicaremos los verdaderos rumbos; en el punto Sur de la margen izquierda del Beni, 16º 53' 53" Sudoeste 4.439,5 metros hasta el punto; formado por la margen derecha del Beni e izquierda del Mamoré 2º 25' 25" Sudoeste y la distancia de 3575 que queda en la margen derecha del Madera 49º 13' 35" Sudeste a la distancia de 2.250 metros.

Y para que conste en todo tiempo expídese la presente acta por duplicado en los idiomas portugués y español, ambos como fue determinado en el Ministerio de Relaciones Exteriores con fecha 30 de Noviembre del año de 1875, firmando los miembros presentes de la Comisión Brasilera. (Firmados).- Guillermo Carlos Laisance.- F. Ferreira de Oliveira.

Oficial de la guarnición - Teniente de Caballería de Ejército Don Pedro Romero.

Por parte de Brasil.

Comisario de Límites - Señor Barón de Teffé.

Agrimensor - Don Carlos Guillermo Von Hoonholtz.

En vista de los poderes que a dichos señores Comisarios les han sido conferidos, y después de haber hecho de antemano todas las observaciones astronómicas consiguientes, y haber levantado el plano hidrográfico del río «Yavary» desde el punto en que terminó sus trabajos la Comisión Mixta nombrada el año de 1866.

Acordaron los dichos señores Comisarios que el marco de límites debía colocarse en la margen derecha del río «Yavary» a los seis grados cincuenta y nueve minutos, veintinueve segundos y cinco décimos latitud S. y a los setenta y cuatro grados seis minutos, veintiséis segundos y setenta y siete centésimos Longitud Oeste de Greenwich.

Latitud 6º 59' 29", 5 S.

Longitud 74º 6' 20", 67 O de Greenwich.

Debiendo tenerse en cuenta que tan pronto como se levanten los planos del río «Yavary» operación que se praticará por los dos Comisiones reunidas en el Puerto de Tabatinga, según el resultado que dichas cartas geográficas arrojen, los Señores Comisarios determinaron el verdadero nacimiento del río Yavary en una distancia que será la citada anteriormente más al sudoeste del lugar en que se ha colocado el marco, teniendo en cuenta que de Otro modo no puede resolverse esta cuestión y que los conocimientos que la experiencia les ha enseñado respecto a este río, será su norma para que se arregle en justicia.

De este modo el Límite de ambas naciones tomará, tomando el centro o álveo del río, desde su nacimiento hasta su confluencia con el río Amazonas.

El marco que se ha colocado es de la madera llamada piquiá, en forma de cruces como símbolo de redención para las desgraciadas de salvajes que pueblan esas regiones, siendo su altura total de veinte pies.

Se halla colocado en tierra firme donde no alcanza el agua. En la cara del Oeste tiene la siguiente inscripción;

Límite del Perú

Marzo 14 de 1874



En la cara del Este:

Límite del Brasil

Marzo 14 de 1874



En la cara del Norte:

Viene de la boca del río



En la cara del Sur:

Latitud 6º 59' 29", 5

Longitud 74º 6' 26", 67 Oeste de Greenwich.



Esta respectiva acta ha sido firmada por los señores miembros de las Comisiones ya citadas, con la solemnidad respectiva.

De este documento que consta en el citado libro se sacaron cuatro copias: dos en idioma portugués y dos en castellano, las cuales legalizadas con las competentes firmas, serán enviadas por los Jefes de ambas comisiones a sus respectivos Gobiernos.

En fe de lo cual firmaron la presente en el día y lugar de la ceremonia a las cinco horas pasado meridiano - Guilherme Black - Barón de Teffé - Froilán P. Morales - Frederico Rincón - Manuel C. de la Hasa - Pedro Romero.

Nota - Se consigna en la presente acta dos puntos que pertenecen directamente al cuerpo de ella: el primero es la muerte acaecida en el río «Yavary» del Agrimensor de la Comisión brasilera, Don Carlos Guillermo von Hoonholtz que firmó el acta original en el libro brasilero, no habiéndolo hecho en el peruano, por convenio mutuo de ambos comisarios; pues el libro original quedó depositado a bordo del vapor «Napo», para evitar de este modo, en caso de un accidente, la perdida de esos dos documentos importantes.

La segunda cuestión se refiere a la verdadera Latitud y longitud de la naciente del río, según Consta del acta (Latitud 6º 59' 29", 5 Sur y Longitud 74º 6' 26" 67 Oeste de Greenwichh). Aumentando tres millas al rumbo S. O. del mundo nos da: Latitud siete grados un minuto diez y siete segundos, cinco décimos Sur; y longitud setenta y Cuatro grados ocho minutos veinte y siete segundos y siete centésimos Oeste de Greenwich.

Latitud - 7º 1' 17", 5 Sur.

Longitud - 74º 8' 27", 07 Greenwich.

De este modo queda determinado el verdadero ponto del nacimiento del río «Yavary» en fe de lo cual firmaron la presente las personas de la Comisión que arriba suscriben - Guillermo Black - Barón de Teffé - Froilán P. Morales - Frederico Rincón - Manuel C. de la Hasa.




- IV -

Demarcação definitiva no Javari


ACTA

De la fijación del marco definitivo en la margen derecha del río «Yavary» Límite entre la República del Perú, y el Imperio del Brasil, punto más meridional del enunciado río que es hasta donde ha sido posible llegar la Comisión Mixta de Límites; pues los obstáculos que se encontraban impedían seguir más arriba el curso del río y provaban al mismo tiempo que había llegado a sus cabeceras con diferencia de algunas millas que se supone sean ocho más o menos.

A los catorce días del mes de Marzo del año del nacimiento de Nuestro Señor Jesuscristo, de mil ochocientos setenta y cuatro, quincuagésimo tercero de la Independencia del Perú y quincuagésimo tercero de la Independencia del Brasil; gobernando el Perú el Excmo. Sr. D. Manuel Pardo y gobernando el Imperio del Brasil Su Magestad el Sr. D. Pedro II Emperador Constitucional y Defensor Perpetuo.

Se reunieron los miembros de la Comisión Mixta nombrados por ambos gobiernos para demarcar la frontera de las respectivas naciones arriba citadas, en el nacimiento del río Yavary y en el lugar que se colocó el marco.

Las comisiones de ambas naciones se componían de los siguientes señores:

Por parte del Perú.

Comisario de límites - Capitán de fragata de la Armada Nacional don Guillermo Black.- Secretario accidental, Capitán de corbeta graduado D. Froilán P. Morales.

Ayudante - Teniente 2º de la Armada Nacional, D. Frederico Rincón.

Ayudante - Alféres de Fragata de la Armada Nacional, D. Manuel Cosme de la Haza.