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Três notas alcobacenses: Um Códice perdido; Um Livro de Milagres; Concordâncias Bíblicas

Aires A. Nascimento






ArribaAbajo O «Summa Chronicarum» perdido

Em ocasião anterior1 contestámos a identificação2 de fragmentos da Chronica Gothorum repartidos entre Madrid (Real Academia da Historia, ms. 81) e Londres (B. L., Egerton ms. 1934) como pertencendo a um códice alcobacense utilizado por João Vaseu3. No apontamento então apresentado chamávamos a atenção para a inconsistência de um pressuposto que consistia em tomar como dado adquirido ser o extravio do alcobacense atribuível àquele humanista. Aduzimos como argumento suficiente para remover tal suspeita o testemunho de Fr. Antonio Brandão deixado entre os materiais manuscritos4 preparatórios da Terceira Parte da Monarquia Lusitana, onde aquele erudito cisterciense dizia expressamente tê-lo ainda visto e utilizado, antes de alguém o ter entretanto feito desaparecer. Referimo-nos igualmente à existência de variantes entre o alcobacense e o texto inserido no Homiliário conimbricense (Santa Cruz 4 = BPM Porto 23), marcadas no apontamento de A. Brandão e algumas (ainda que com incorrecções) na edição impressa5, para cujo texto utilizou um outro manuscrito que pertencera a A. Resende e estava, ao tempo, na posse de Manuel Severim de Faria. Concluíamos que, dada a identidade entre o complutense editado por Florez e o conimbricense, e vistas as variantes entre estes e o alcobacense, os fragmentos em causa não podiam ser atribuídos a este.

Quase em simultâneo, G. V. SUMNER6, da Universidade de Toronto, partindo das divergências notadas entre o texto de Isidoro Pacense tomado por Vaseu do alcobacense e a edição de Mommsen para a Crónica Moçárabe de 754, nos Chronica Minora dos MGH chegava a idêntica conclusão. Cinco variantes lhe bastavam para demonstrar que tais fragmentos não pertenciam ao alcobacense7:

  1. divergência de data para um eclipse de sol: 757 VMP: 758 A
  2. variante de nome: Moabias Vasaeus ipse: Maule V (ex Alc.): Mauie A
  3. grafía constante e diferente de: Emer V (ex Alc.): Homer alii: Amer M A
  4. variante ortográfica para: Attuman siue Attoman V: Atthuman siue Atthoman A: Actuma siue Autuman siue Attoma M: Attuman siue Autuman siue Attoman P
  5. interpolação comum a V M P do passo referente ao bispo toledano Cixila: floruit aera septingentesima octogesima secunda.

Nem todas as variantes aduzidas por Sumner apresentam obviamente valor idêntico; as de data são matéria demasiado frágil e as de carácter gráfico não chegam para criar oposição. A argumentação final assenta sobre os pontos 3 e 4, deixando de lado o 5, por não poder comprovar que o passo não existia em A, muito embora falte em outros testemunhos, como no ms. segobrigense. Os indícios recolhidos permitem-lhe contudo formular conclusões que interessarà resumir:

  1. O códice utilizado por Vaseu pertencia ao mesmo braço da tradição que M e P (v. interpolação do n.° 5).
  2. Porém não pode ser identificado com M P. Mommsen supusera «duo libri ex archetipo communi desperdito ipso, descripto autem ex Alcobacensi». Contudo M e P não podem ser considerados gémeos, até porque não contêm as mesmas coisas. Haverá que tomar V como afim dos aparentados M P. As relações entre A e M P V talvez tenham que ser consideradas como mais afastadas que um grau no stemma.
  3. O códice utilizado por Vaseu não foi ainda reencontrado, mas devia derivar, como M (complutense) e P (parisino), directamente de A (de que restam os fragmentos de Madrid e Londres).

Ao trabalho de Sumner caberia fazer uma objecção de carácter metodológico, pois, para ser consequente na sua análise, haveria que ter procedido a prova de fidelidade relativamente à transcrição exacta feita por Vaseu sobre o alcobacense. Sumner limita-se, efectivamente, no ponto 3 da apresentação dos dados, a depor sobre base de uma condicional: «portanto, se podemos confiar em Vaseu, autor geralmente fidedigno, o códice alcobacense era distinto de qualquer outro manuscrito hoje existente».

Reconheçamos que, sem contra-testemunho derivado igualmente do alcobacense perdido, seria impossível a Sumner proceder à prova que faltava. Ora, em seu abono é possível trazer a concordância entre Vaseu e as notas manuscritas8 tomadas por A. Brandão para a Chronica Gothorum:

  • Era 466 (Gothi) ingressi sunt Hispaniam ubi regnaverunt annis 383 (=Vasaeus, fol. 114r);
  • Era 812 Silo (...) regnavit annis VIIII mense uno die uno (=Vasaeus, fol. 120v);
  • Era 821 Mauregatus regnavit annis V, meusibus VI (=Vasaeus, fol. 121r).

É sabido que nada é mais vulnerável e susceptível a alterações que a transcrição de datas em numeração romana; a contraprova, se quisermos fazê-la, está nas variantes introduzidas na própria edição de A. Brandão. Porém a coincidência entre Vaseu (onde a numeração romana dá lugar a transcrição por extenso) e o manuscrito de Brandão é um dado a reter para comprovar o escrúpulo de Vaseu ao recolher a informação do manuscrito alcobacense.

No conjunto, e perante a convergência de indícios, poderemos concluir uma vez mais:

  1. Os frags. de Madrid (Real Academia da Historia, ms. 81) e Londres (B. L., Egerton ms. 1934) não pertencem ao códice alcobacense perdido, visto e testemunhado pela última vez no séc. XVII por Fr. António Brandão, em Alcobaça, e cujo conteúdo era constituído por uma Summa Chronicarum Eusebii, etc.
  2. Os únicos testemunhos que dele nos restam são os que podemos recolher em Vaseu ou entre as notas manuscritas de A. Brandão, tomadas quando este erudito cisterciense preparava a Terceira parte da Monarquia Lusitana.
  3. O ms. alcobacense não está na origem de outros e apresentava variantes, significativas (omissões) relativamente à versão da Chronica Gothorum dada pelo homiliário de Santa Cruz de Coimbra, de 1193, segundo se pode concluir das próprias sinalefas apostas nos seus apontamentos por A. Brandão.
  4. Dada a importância atribuída à Summa Chronicarum é muito provável que o códice alcobacense não tenha sido destruído, mas se encontre algures, ainda não identificado.



ArribaAbajoA colecção de milagres marianos do Alc. 149

Ao estudo por nós apresentado em Didaskalia9 sobre o Mariale do Alc. 149 (séc. XII/XIII) importará acrescentar duas notas.

A primeira para três pequenas correcções, e a segunda para assinalar um códice de conteúdo semelhante na Biblioteca Nacional de Madrid.

  1. As correcções dizem respeito a três pequenos lapsos, dois deles escapados na revisão final, mas que oportunamente foram notados pelo olhar sempre atento e benevolente de H. Silvestre10: p. 345 - Godofredo de S. Vítor não se identifica com Godofredo, alias, Geoffroy de Breteuil (cfr. Revue Bénédictine, 74, 1964, p. 169) e por isso é de eliminar o parêntese de identificação; p. 346, o texto atribuído a Ps.-Hieronymus tem como autor Pascásio Radbert (cfr. Clavis Patrum Latinorum, n.° 633, p. 146); p. 351, sub 104r, «crux» deve ser lido ou entendido como «crus».
  2. No estudo do Alc. 149 supuséramos que tal códice seria o único testemunho peninsular conhecido a registar uma colecção de milagres próxima da série documentada pelos Milagros de Nuestra Señora de Gonzalo de Berceo.

Importará rectificar tal asserção, pois, efectivamente, apenas a dificuldade de obter uma informação bibliográfica unitária e completa11 pode desculpar que não tenhamos registado a notícia dada em 1971 por R. P. Kinkade, relativamente ao ms. 110 da Biblioteca Nacional de Madrid como testemunho de fonte latina para os Milagros de Berceo12.

A partir da descrição do conteúdo que aquele investigador nos proporciona não será descabido estabelecer um confronto com o nosso alcobacense, que, de resto, não é citado e certamente também não era conhecido.

Se tivermos em conta que os Milagres ocupam no Alc. 149, a parte central de um todo que facilmente pode ser apresentado como compreendendo mais duas outras, reconheceremos que o ms., 110 da B. N. de Madrid coincide com ele quase só quanto a essa parte central. De toda a primeira parte apenas coincide o De Nativitate Beatae Mariae Virginis, de Pascásio Radberto (e não Pseudo-Hieronymus, como se corrigiu ácima).

O corpus miraculomm do Madrid ms. 110, tal como o do Ale. 149, é constituido por dois grupos: o primeiro formado por 47 (48 no alcobacense) milagres tomados de varias séries anónimas do tipo Pez-HM; o segundo reproduz o Libellus de miraculis Beatae Mariae in urbe Suessionensi, de Hugo Farsito.

O corpus rythmicum marianum do Alc. 149 está ausente do Madrid 110, onde vamos encontrar, na sequência dos milagres marianos, cópia incompleta da I e II partes do Liber Sancti Iacobi, contido no famoso Codex Calixtinus da catedral de Santiago de Compostela.

Cremos que a presença deste terceiro elemento é suficiente para atribuir uma origem hispânica (e não francesa como admite R. P. Kinkade) ao códice madrileno13. Efectivamente ele aparece como um tanto espúrio no conjunto. Bastará reparar na unidade que o texto De Nativitate Beatae Mariae Virginis, da I parte forma com os Miracula B. M. V. da II parte, num esquema que se aproxima bastante das Vitae Sanctorum. O facto de se poder reconhecer um único copista na sua redacção é um factor a mais para levar a pressupor uma motivação local para o acrescentamento do Liber Sancti Iacobi. É, à falta de outro testemunho, a conjectura recai sobre o lado hispânico.

Mas, se este dado pode ter alguma pertinência para confirmar a existência de uma fonte latina utilizada por Berceo nos Milagros, há uma variante de ordem no lugar que ocupa o milagre de Teófilo (colocado no final da obra de Hugo Farsito) que será suficiente para retirar ao códice madrileno tal qualidade.

Por este motivo importará sublinhar que o códice alcobacense da Bibl. Nacional em Lisboa está mais próximo da fonte utilizada por Berceo que o madrileno. É não será de todo inútil repetir14 que o nosso Alc. 149 mantém maior fidelidade às séries originais que o Copenhague Thott 128.

Assim, ainda que nem todos os problemas das fontes utilizadas por Berceo estejam plenamente solucionados15, o alargamento da base de testemunhos poderá eventualmente facilitar a compreensão dos dados numa dimensão menos restritiva16.




ArribaConcordâncias Bíblicas Medievais

O Ale. 439 é constituído por um volume de Concordâncias Bíblicas, mas, uma vez mais, tem ele sido esquecido nos elencos respectivos.

A notícia a seu respeito vem incluída nos Commentaria de Fr. Fortunato de S. Boaventura, dada com a pertinência que a informação disponível ao tempo lhe proporcionava, suficiente para criticar as atribuições feitas pelos seus confrades no Index Codicum de 1775, ou na Alcobaça Ilustrada, e bem assim por Diogo Barbosa Machado na Biblioteca Lusitana, mas limitada quanto à própria interpretação dos dados disponíveis17.

Trata-se efectivamente de um exemplar das Concordâncias Bíblicas segundo o terceiro modelo elaborado pelos Dominicanos de St. Jacques em Paris, na parte final do séc. XIII, e difundido, a partir daí18. Deduz-se tal facto do prólogo, que reproduz o prefácio conhecido daquele tipo de Concordâncias: cuilibet volenti requirere Concordancias in hoc libro unum est primitus attendendum, videlicet quod est in primis concordanciis que dicuntur Concordancie Sancti Iacobi...

Confirma-o igualmente o modelo de referenciação e o contexto apresentado.

A presença de um volume de Concordâncias Bíblicas num Fundo de biblioteca cisterciense é um facto plenamente normal e integrado nas preocupações culturáis da Ordem. O catálogo de Claraval elaborado em 1472 (na sequência dos regulamentos estipulados pelo Capítulo Geral de 1459) regista nada menos que 17 volumes de concordâncias, logo a seguir a 34 exemplares de Sagrada Escritura, em 44 volumes19. Ao primeiro tipo de concordâncias pertenciam pelo menos dois exemplares20, e do terceiro modelo a casa mãe de Cister guardou do séc. XIII 9 exemplares, três deles conservados hoje em Dijon e seis em Troyes21. Sintomaticamente, o primeiro exemplar documentado deste modelo que viria a tornar-se canónico procede de uma casa cisterciense22.

O exemplar conservado no Fundo de Alcobaça deixa supor pelo próprio cólofon23 que a cópia terá sido elaborada em scriptorium monástico (sem que nada confirme, no entanto, a atribuição feita pelo Index Codicum). Por outro lado denota unia conservação muito cuidada, sem marcas sensíveis de utilização, o que leva a excluir talvez um acesso dentro de ambiente escolar. A elaboração, por sua vez, foi extremamente cuidada.

Reconhece-sc efectivamente uma grande regularidade tanto na estrutura dos cadernos (49 quaternos e 2 ternos - o 8 e o 51) como no preenchimento da página a 3 cols., e com zonas bem definidas para lema, referenciação e contexto. No fol. 71 podemos recolher o seguinte plano de página:

3 cols. / 60 L / 27.5.16.6.37.5.18.6.38.5.23.39.75.

ou seja: 3 colunas, com 60 linhas e um espaço compreendido entre as margens de 27 mm (interna) e 75mm (externa); a zona de referenciação e de contexto são delimitadas por colunas de 5/6 mm; o próprio contexto recebe um espaço que tende a alargar da esquerda para a direita. O lema, por seu lado, ocupa uma linha, a partir do enfiamento da referenciação.

O começo de cada nova letra é marcado com uma inicial em que azul e vermelho alternam para o corpo da letra e filigrana de ornamentação. Um pormenor neste domínio nos chama a atenção. A grande inicial A, em tamanho maior que qualquer outra, foi recortada e substituída juntamente com as duas primeiras linhas de concordância por um remendo que, pelo tipo de letra e cosedura do pedaço de pergaminho na dobra da encadernação se tem de considerar primitivo. Resta do desenho antigo a voluta que desce ao longo da margem interior e flecte em final de coluna, onde termina em figura de grifo. São visíveis ainda as cores de azul, vermelho, castanho e ouro. Este dado sugere-nos uma explicação para a eliminação desta inicial em ambiente cisterciense: um zelo mal compreendido em aplicar as normas ditadas pelos Estatutos dos Capítulos Gerais cistercienses24, ou recolhidas na leitura de S. Bernardo.

Do ponto de vista material, um outro dado chama a atenção, uma vez que pode ser indicio da intervenção de mais que um escriba na cópia desta Concordância: a maneira de lançar os reclamos. Enquanto nos cadernos 1-11 estes aparecem em alinhamento horizontal ao fundo e à direita no fólio final de cada caderno, preenchendo o intervalo formado por dois traços de regramento, nos cadernos seguintes (12-50), os reclamos obedecem à mesma estrutura material, mas são orientados em sentido vertical.

Não sendo uma especie rara, esta Concordância Bíblica medieval, do séc. XIII/XIV, merece todavia não ficar esquecida e aparecer na série dos outros exemplares conhecidos25, até para que se possa estabelecer com maior precisão o próprio mapa da difusão destes instrumentos de trabalho. Que este exemplar funcionou como tal prova-o o facto de a sua encadernação ter sido substituída em data que não é possível estabelecer com certeza, mas possivelmente (a julgar pela técnica empregada) dentro do séc. XV.

*  *  *

A Biblioteca Pública de Évora guarda um outro exemplar de Concordâncias Bíblicas, o Cod. CXXIV/1-8, procedente dos Carmelitas de Dijon e assinado por João Borreti, que o terá cedido pelo preço de seis florins, conforme indicação fornecida no último fólio. Trata-se de um códice de 17 x 22 cm, com 184 fols. (com numeração errada pela repetição dos n.os 161 e 163), formando 9 octónios + 3 sénios + 1 bínio. A página apresenta a seguinte configuração:

63 L/6 cols./26.30.4.19.4.19.4.19.4.21.35 (202) x 20. 281. 62 (281).

O interesse principal deste códice eborense está no facto de constituir mais um exemplar a incluir no primeiro tipo das Concordâncias de St. Jacques. Efectivamente, não só falta o prefácio do terceiro tipo, como são idênticos àquele tipo primitivo o incipit (A, a, a) e o explicit (Zorobabel).

Não consta quando terá chegado a Portugal, mas documenta só por si o interesse dado também entre nós a obras deste género certamente ainda dentro do período medieval.





 
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