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Temos, desde muito, opinião externada a respeito do sr. barão de Cotegipe.

Consideramo-lo um velho demagogo, que se dissimula em conservador, para poder conspirar à sombra do Senado e com a garantia do subsídio que lhe facilita os meios de almoçar, jantar e cear.

O seu Ministério confirmou o nosso juízo.

Estão na memória pública as aventuras a que S. Ex.ª arrastou a Coroa, durante os malsinados dois anos e meio de sua administração. Depois de haver atirado o Império de encontro às baionetas do Exército, lançou-o na torrente do êxodo de São Paulo, que por bem pouco deixou de afogá-lo numa inundação de sangue. Pela falta de lealdade no cumprimento das leis, pelo desrespeito acintoso do parlamento, pelo ataque aos mais incontestáveis direitos políticos dos cidadãos, S. Ex.ª levantou contra as instituições a indignação geral do povo. Finalmente, S. Ex.ª trouxe um dia o trono para a praça pública e expô-lo aos golpes das machadinhas da marinhagem.

Quando o historiador tiver de julgar esse Gabinete de 20 de Agosto, há de ficar admirado do estado a que chegamos, de decomposição parlamentar e de abatimento do espírito público, pois só no último grau podiam tolerar a permanência dessa administração desastrada, que fomentava por todos os modos a revolução, em desproveito do povo e da Coroa.

É S. Ex.ª o mais perseverante dos demolidores do trono, porque serve-se, sempre que pode, da sua alta posição para desprestigiar o soberano.

Deixando o Ministério Caxias, S. Ex.ª levou ao Senado cartas que ele havia recebido em confiança daquele glorioso brasileiro e converteu-as em arma de ridículo contra o imperador.

Demitido agora de presidente do Conselho, procurou converter em libelo contra a regente o ato de energia e de patriotismo com que ela desinfetou a administração.

Não o fez, porém, de fronte erguida, como adversário leal; procurou pela manha, pela astúcia, disfarçar em perigo iminente do sistema representativo o merecido castigo que lhe foi infligido.

A sua declaração de guerra ao atual Ministério foi mais uma demonstração da fé púnica, essência de seu espírito.

Depois de haver combinado, como o revelou o sr. João Alfredo, em quais seriam as explicações e informações a dar ao Gabinete, o sr. barão de Cotegipe quis fazer crer ao parlamento e ao país que a regente se acovardara diante da demissão do Gabinete 20 de Agosto e obrigara o Ministério 10 de Março a iniciar o seu Governo por uma inverdade, destinada a embair o parlamento.

Recordam-se todos das palavras do velho lobo parlamentar, vestido de pastor, à última hora, para guardar o rebanho constitucional.

Para alarmar o espírito público, o ex-presidente do Conselho aludiu a uma famosa carta, pela qual a regente se despedia da Constituição, desconhecendo a missão dos seus ministros, e tomava como inspiradoras fontes turvas de informações.

O fim do S. Ex.ª era fazer crer que o Ministério passado caíra simplesmente por uma conspiração de camarilha de palácio, quando toda a gente via na aba da farda de S. Ex.ª a pegada do pontapé dos marujos.

A armadilha de maio não produziu o efeito esperado.

O povo, longe de convencer-se de que a regente havia exorbitado, demitindo o Ministério, aplaudiu a soberana que, exercendo uma das funções majestáticas, assumiu a responsabilidade de colocar a vontade da nação no nível constitucional de que o interesse oligoplutocrático a havia desviado.

Não tendo conseguido, como pretendia, despir a regência em público, S. Ex.ª recorre agora à indenização, como meio de agitar ainda mais o mar de lama do escravismo.

O sr. barão de Cotegipe é um velho cético.

Para ele, só existe no mundo o interesse: primo vivere, deinde philosophare (sic). Por isso, S. Ex.ª nunca procurou falar à alma dos seus sequazes; fala-lhes sempre ao estômago e à bolsa. Em vez de apresentar idéias, ele sacode moedas na mão.

Foi fazendo tilintar a tarifa Saraiva que ele conseguiu ser governo e manter-se no poder. O seu Ministério foi a porcentagem dada pelo concorrente à feira de gado humano a preço fixo.

Não há ninguém que tenha procurado tornar mais clara esta proposição: a Monarquia brasileira, nos moldes do Segundo Reinado, só foi movida pelos interesses da escravidão.

Para deslustrar o terceiro reinado, que se anuncia tendo por molde o respeito da opinião, S. Ex.ª quer dar-lhe por base a indenização, que o privará dessa auréola redentora, sua maior força.

Pouco se importa o sr. barão de Cotegipe com suas contradições. Ontem, S. Ex.ª dizia no Governo à regente: não ceder ao abolicionismo porque ele é revolução; hoje, quando o escravismo se revoluciona, francamente, audaciosamente, apesar da sua impotência, filha da sua impopularidade, o sr. barão de Cotegipe empunhou a bandeira revolucionária da indenização e quer plantá-la no Senado.

S. Ex.ª diz que está convencido de que a propriedade escrava é tão sagrada como a que mais o seja; S. Ex.ª, o mesmo chefe de polícia de Gonçalves Martins, um dos maiores sabedores dos mistérios do tráfico, e por conseqüência da legalidade da atual propriedade escrava no Brasil. Já o nosso ilustrado colega da Gazeta de Notícias assoprou o castelo de cartas da indenização e por isso não nos ocupamos em rebater os fundamentos falsos dessa exigência revolucionária.

O nosso fim é outro: deixar demonstrado que o sr. barão de Cotegipe tem apenas em vista, como demagogo, perturbar o início do terceiro reinado, em nome da escravidão.

Os do conselho negro espalham que têm votos para derrubar o Ministério, ou melhor, para pôr em prova a confiança da Coroa.

É fácil de compreender o que está no fundo desse plano. O que o escravismo pretende é apoderar-se de novo do Governo, provocando uma consulta às urnas neste momento em que os ex-proprietários de escravos põem a consciência em leilão, oferecendo votos e apoio a quem mais der.

Para o sr. barão de Cotegipe tudo serve. Se ele consegue arranjar maioria para a indenização, há de acontecer uma de duas: ou o Ministério retira-se, e neste caso a indenização atirará com os abolicionistas para o campo revolucionário; ou a Coroa dissolve a Câmara, e as novas eleições dão à nova assembléia a agitação revolucionária, que o escravagismo por todos os meios provoca para vingar-se da heroicidade da princesa, que fulminou a pirataria.

O sr. barão de Cotegipe não pensa na pátria; pouco tem ele com ela. Já o provou quando empregou todas as suas forças para criar uma ditadura militar, repelida em boa hora pelo bom senso e patriotismo do nosso Exército.

Chefe dessa oposição encapotada, que não mostra a cara com medo da gargalhada popular que há de enfarinhar-lhe as jogralices perversas, como já o fez ao sr. Coelho Rodrigues, quer o sr. barão de Cotegipe armar-se com o cadáver da escravidão, em falta de outra arma para a batalha.

É muito difícil, fora do campo da instituição negra, atacar o Gabinete que se propõe a realizar todas as reformas urgentes.

O Senado ouviu surpreendido o discurso pronunciado pelo sr. presidente do Conselho.

O contraste com o Governo da chocarrice, da chalaça de cocheiro, da truanice do palhaço, foi tamanho, que a própria oposição liberal emudeceu.

O sr. João Alfredo desdobrou-se em toda a extensão do seu grande espírito e do seu vasto saber, e com essa serenidade olímpica, essa altivez aborígine, que são os distintivos da pureza do seu patriotismo e da inflexibilidade de seu caráter, sem afagar condescendências, comprometeu-se a inaugurar essa política larga, científica, única bastante fecunda para alvear a evolução democrática de nossa pátria.

O país ficou sabendo que tem na direção de seus destinos um homem do talho de Gambetta, capaz de acelerar uma revolução, apesar de todos os riscos, e de aproveitar-lhe as conseqüências com inteira sabedoria.

O presidente do Conselho não acenou com uma vã miragem à popularidade para subir ao poder. Não, ele só aceitou o Governo porque em longos anos de trabalho e de meditação formou a consciência de sua idoneidade para dirigir a política nacional.

No seu discurso, a democracia fica de pé, à vontade, destacada e iluminada em todos os seus contornos, como o Moisés de Miguel Ângelo dentro do Vaticano.

Os períodos ressumam a probidade política do orador, a honradez indígena do seu patriotismo.

O sr. João Alfredo não quer ser ministro dos seus amigos, mas ministro de um povo, que tem todas as qualidades e todos os dotes para ser grande e só por falta de um braço forte, que desbarate a oligarquia, desceu ao ignominioso papel de mercador de escravos e mendigo de empregos públicos.

O escravismo perdeu a esperança desde que viu no Governo, secundado por homens de valor extraordinário, o glorioso brasileiro.

Não teve coragem de dar-lhe batalha de frente, por isso mesmo tergiversa.

Os srs. Paulino de Sousa e Cotegipe, sem talentos, sem serviços que não sejam os da escravidão, vêem ameaçados o prestígio e o pão da parentela e dos compadres.

A escravidão era a sua única força e a sua única renda política. Era por ela que S. Ex.as recolhiam nas sinecuras e pepineiras os rábulas de aldeia, os fazendeiros quebrados.

O sr. João Alfredo tira-lhes a mamadeira da boca improvisadamente e adeus leite, adeus franga e adeus ovos!

Confessemos que é uma dos diabos.

O que hão de fazer os homens senão ver se arraigam na consciência dos ex-proprietários a idéia de que se há de dar com a lei de 13 de maio o mesmo que se deu com a de 7 de novembro de 1831.

Olhem, vocês podem ter uma república ou um governo bem agitado, que, assoberbado pelas dificuldades, não lance os olhos para o tráfico de ingênuos, para o regime do calote, máscara do antigo trabalho sem salário, para os assassinatos e espancamentos de trabalhadores.

Eis o fim dos indenizadores.

Os primeiros que se julgam com direito à indenização são chefes de grei, porque os pobres diabos não valem dez réis de mel coado sem o Tesouro.

O negócio das fazendas de saúva e samambaia gorou; o presente de casas, feito pelo Estado, aos amigos do sr. conselheiro foi também um dia.

Que diabo! É preciso apanhar uma lambugem e a melhor é a república de tenentes-coronéis e barões, república que já nasce confiscada pelos indenizadores; república que é uma nova fazenda, cujo primeiro título é a dívida antes da fundação.

Ah! tartufos! como a história os há de amaldiçoar.

11 jun. 1888

Os manifestos encheram a semana. Os jornais publicaram o manifesto Saldanha, o manifesto S. Paulo, o manifesto Werneck, o manifesto Paulino.

Nada mais curioso do que o estudo dessas diversas manifestações patológicas da ambição pessoal e do despeito o mais vulgar.

Todos esses manifestos tomam como ponto de partida a abolição da escravidão, o que quer dizer que a Monarquia podia dormir tranqüila a esta hora, se, em vez de haver obedecido ao reclamo nacional e humano, integrando a nacionalidade brasileira, se houvesse limitado a declarar como outrora os novos evangelistas da nossa liberdade política que ela aspirava ver extinta a instituição degradante.

Não é felizmente difícil a qualquer espírito descobrir a causa da súbita efervescência republicana, que nós comparamos à que se dá numa solução ácida quando se lhe lança um pouco de sal básico. A tempestade de copo d'água dá-se até que a saturação seja completa.

O esclavismo, o Proteu que toma todas as formas, desde a republicana até a de assassino vulgar; que maneja tão facilmente Spencer como o punhal do Rio do Peixe, não contava com o dia 13 de maio. Ele acreditava que, simulando generosidade para com os escravizados, por um lado evitaria o êxodo dos deserdados da lei, por outro lado cegaria o Governo ao ponto de fazê-lo crer que o melhor meio de resolver o problema era entregá-lo a essa generosidade, em que tanto falavam os srs. Martinho Campos, Paulino e Andrade Figueira.

O Governo, porém, entendeu e muito bem que o seu primeiro dever era sistematizar as aspirações nacionais, convertendo-as em leis, para que a dispersão natural dos interesses de indivíduos ou de castas não perturbasse a harmonia necessária às transformações sociais.

Não aqui, nos estreitos limites de uma resenha semanal, mas largamente, tomando de alto o assunto, discutiremos esses manifestos, cada qual mais digno de uma desinfecção demorada de lógica e bom senso.

Há no Guarani, de José de Alencar, um quadro que extasia a quantos o lêem: é a descida de Peri ao fundo de um algar, para apanhar uma jóia que a preferida de sua alma lá deixou cair.

O selvagem sabe que lá embaixo, sob o trançado da vegetação bravia, na noite e na umidade daquele bojo sem sol, vivem legiões e legiões de seres venenosos, agentes fatais da morte. O menor descuido, e o dente de um urutu ou de uma sucuruinha lhe vazará nas veias a peçonha mortífera.

Nem por ser terrífico o cometimento, Peri deixa de empreendê-lo e, empunhando um facho e imitando o canto da açanã, lá se entranha pelo abismo.

Temos de fazer viagem igual, por amor de nossa pátria, vestindo os nossos lábios com o cântico íntimo da Justiça e da fraternidade, e tendo nas mãos o archote da verdade.

Por hoje, porém, basta-nos acender nas bordas do abismo neo-republicano a carta do sr. Paulino de Sousa.

Dissemo-lo desde o dia em que observamos com mais atenção o espírito desse homem, que, por seu nome, se tornou o exegeta do Sul: o sr. Paulino de Sousa não tem nenhuma qualidade de estadista.

Dia a dia, historiando a direção que ele dava ao seu partido, acumulávamos provas probantes da nossa asseveração.

É sabido que, mesmo depois do êxodo de S. Paulo, quando já havia a petição patriótica do Exército, que em nome do seu brio e da sua missão civilizadora reclamava contra os destacamentos para o desempenho das funções de capitão-do-mato; quando já pesava sobre o ministério a intimação Prado-João Alfredo para que em maio deste ano viesse ao parlamento, para ser definitivamente resolvido, o problema servil; o sr. Paulino de Sousa ainda garantia aos seus clientes fluminenses a permanência da escravidão por mais três anos.

O plano de S. Ex.ª foi revelado pelo sr. barão de Cotegipe, quando não pôde negar que Sua Alteza, a Regente, mais de uma vez, chamara a sua atenção para a questão negra.

O sr. Paulino de Sousa contava com a dissolução, o mais lógico dos adiamentos imagináveis, ou pelo sr. barão de Cotegipe mesmo ou pelo sr. Lafaiete, a quem estava destinada a sucessão. Daí vinha a certeza com que dava de leve fiança à escravidão por três anos.

O golpe patriótico de 10 de março, pela qual a regência emancipou-se do cativeiro, a que havia sido reduzida pela coligação escravista, desnorteou completamente o sr. Paulino de Sousa, que não é homem para dar batalhas fora do Governo.

A sua carta é um nariz-de-cera, é a confissão pública do seu atordoamento. Faz-nos lembrar o Nero de Giacometti, poltrão, desvairado, protegido apenas por alguns libertos, a sentir o tropel da cavalaria de Galba, sem saber se há de render-se ou suicidar-se.

Por um lado, o sr. Paulino de Sousa diz à Regência: conte comigo; só eu posso reorganizar a Monarquia desmantelada pelo Gabinete João Alfredo; por outro lado, S. Ex.ª diz aos seus eleitores: ameaçai por mim a Regência, tornai-me necessário, ou para a Monarquia, ou para a República.

É um conjunto de contradições tão extraordinário que é difícil saber por onde começar a desfiá-las.

O sr. Paulino de Sousa contentava-se com tudo, depois de haver recusado tudo.

Queria que o Governo respeitasse, como um dogma, a propriedade escrava, e ao mesmo tempo contentava-se com a decretação de medidas ilusórias.

Por um lado, S. Ex.ª confessa-se monarquista; vê na Monarquia constitucional a forma para assegurar a integridade do Império; reconhece no imperador um grande servidor do bem público; por outro lado, S. Ex.ª quer experimentar a anarquia, proveniente da confusão dos partidos, saborear os frutos da indisciplina nos domínios do desconhecido.

Não sabe S. Ex.ª o que há de aconselhar: se a resignação das vítimas do atropelo revolucionário de 13 de maio, se o desforço contra aqueles que o espoliaram. O que aconselha, em resumo, o sr. Paulino de Sousa? Nada e tudo.

Acha que a indenização é um ato de probidade pública e aconselha aos fazendeiros que a reclamem com pertinácia.

Resisti -é a senha do sr. Paulino de Sousa. «Se os lavradores, em vez de unirem-se, diz S. Ex.ª, com decisão e coragem, fizerem ainda nas localidades esse jogo estreito e ridículo, em que o látego fornecido pela autoridade anda de umas para outras mãos, sendo cada um por seu turno flagelado; se se deixarem levar pelas graças e postos, com que nos momentos de angústias lhes acena o Governo, continuarão a ser ludibriados nos seus direitos e não lhes direi senão que terão merecido a sorte que lhes determinarem. Não há hoje quem duvide que cada povo é governado como merece.»

S. Ex.ª proclama, pois, o divórcio necessário do seu eleitorado para com as instituições, que difama, dando-lhes apenas o caráter de essencialmente corruptoras, visto como só em momentos de angústia distribuem graças e posta.

E entretanto esse mesmo homem ainda fica no isolamento, ao ver, de um lado, a província que o fez o que é, roubada na sua propriedade, e de outro lado, exposta à corrupção do Governo.

É pusilanimidade ou incapacidade? É um homem de Estado este Mac-Mahon de terreiro, que espia através da República a volta ao esclavagismo?

Entretanto, confessemos que essa carta, dentro da qual se cria a ratazana da indenização, tem um merecimento.

Através da sua despreocupação hipócrita, deixa ver bem qual o fim dos reformadores.

O sr. Paulino de Sousa, como todos os seus apaniguados, guardara até a última hora a esperança de ver continuado o esclavagismo.

S. Ex.ª pensava que o sr. João Alfredo tinha a alma daquele ministro de Estrangeiros, que se chamava também Paulino de Sousa, e que, afrontando a verdade friamente, declarava na Câmara que não entravam mais negros novos no país, quando defendia ao mesmo tempo a pirataria, como desafronta da honra nacional contra os vexames do cruzeiro inglês.

O sr. Paulino de Sousa pensava que o sr. João Alfredo se prestaria, como S. Ex.ª, a manter as tradições do visconde de Uruguai, o mais desabusado defensor da pirataria.

De feito, a tradição com relação à escravidão.

Aboliu-se o tráfico em 1831, os ministros continuaram a ser os protetores dos traficantes e muitos deles seus associados, de modo que vários pobretões se converteram em milionários.

O tráfico se fez ainda durante 25 anos, acabando somente no desembarque de Serinhaém.

Proibiu-se a escravidão dos nascituros e os ingênuos ainda aí estão escravizados, sob a forma imoral e infame da tutela, e nesta exploração miserável entram homens de Estado.

Fez-se mais: apesar de marcado prazo fatal para a matrícula da lei de 1871, ainda em 1878 houve ministro que mandasse abrir matrícula na Comarca de Palmeiras, se não nos falha a memória.

O sr. Paulino de Sousa e seus sequazes viram, porém, que o Ministério não está deliberado a condescender com o esclavagismo, e que não lhe permitirá continuar sob outra forma qualquer a escravidão. Daí a ira.

O que a carta do sr. Paulino de Sousa nos diz é que S. Ex.ª está pronto com os seus amigos a servir ao Governo que lhes prometer sociedade com os cofres públicos.

Este pedido de indenização, de auxílios à lavoura, de bancos de emissão, essa lenga-lenga do venha a nós dos cofres públicos, demonstra o que sempre dizemos: que a escravidão havia convertido o Governo brasileiro no socialismo o mais baixo e torpe, porque se resumia no roubo do país inteiro em benefício de uma classe: a lavoura.

Indenização dos herdeiros dos ladrões que piratearam a alma humana e a honra da pátria durante 25 anos!

Auxílios à lavoura, a essa lavoura do absenteísmo, a essa lavoura da jogatina, do luxo, da imprevidência, da oligarquia, a essa lavoura que produziu como estadista o sr. Paulino; como instituições livres a escravidão, o parlamento do sim e não, o júri dos assassinos do Rio do Peixe; como indústria o funcionalismo; como finanças o deficit; como economia nacional a hipoteca e o exclusivismo do comércio estrangeiro!

Bancos de emissão, mas com que banqueiros? Com esses agiotas que mal sabem ler e escrever; como essa classe de judeus, que reduziu o crédito a uma camarilha, que vive a acobertar falências criminosas e a perseguir o trabalho honesto; que divide a honra em nacionalidades? Bancos de emissão nas mãos de quem? Desses que ainda ontem pediam ao Estado garantia de juros para o crédito real, tendo por base o escravo; para esses que emprestaram dinheiro à lavoura, a título de beneficiá-la, levando-lhe os olhos da cara?

Se pudéssemos dar conselhos ao Governo, dir-lhe-íamos simplesmente:

O Ministério que fez a lei de 13 de maio e a princesa que a sancionou devem à pátria a energia a mais decidida e a decisão a mais completa.

É necessário não ouvir a grita que parte do lado dos vencidos.

Os clubes neo-republicanos são os mesmos clubes de lavoura da escravidão. O tom, a ameaça são os mesmos.

Só há dois meios para acomodá-los: ou fazer como o imperador em 1885, entregar-lhes de uma vez o Governo; ou então fazer uma larga política popular e com o punho de Luís XI esmagar esse feudalismo, que quer mascarar com a federação a coligação de suseranias ameaçadas pela abolição.

O Governo não deve perder a calma.

O povo, o verdadeiro povo, que não é composto nem de caloteiros de bancos, nem de comissários despeitados, nem de bacharéis vadios, que querem suprir a falta de clientes pelo subsídio; o povo que vê nas mãos da maioria desses republicanos das dúzias o calo do chiquerador de eito; o povo está pronto a apoiar, a sustentar o atual estado de coisas.

Que o Governo o faça votar; dê-lhes meios de resistir à oligarquia que domina as urnas; essa oligarquia com que o sr. Paulino de Sousa conta para a experiência de indisciplina; essa oligarquia que ontem era conservadora de fazer inveja e hoje ameaça eleger republicanos.

Que promova desde já a desapropriação das terras à margem das estradas de ferro e dos rios navegáveis, e sistematize para aí a imigração; que faça rever os traçados de nossas estradas de ferro e lhes dê uma orientação econômica; que abra as portas à laicização completa e absoluta do país; finalmente entre numa política larga e prática e deixe vozear para aí a pirataria despeitada, que, não podendo mais explorar o negro, quer explorar o Tesouro.

18 jun. 1888

A oposição chegou à incandescência esta semana.

Abolicionistas e negreiros da Câmara dos Deputados ligaram-se para desfechar golpe mortal ao Ministério. Aproveitaram o momento em que o sr. presidente do Conselho comunicava ao parlamento que estava dando a última demão a um contrato de auxílio à lavoura por intermédio do Banco do Brasil, ao qual emprestaria, sem juros, seis mil contos de réis.

Os liberais, os mesmos liberais que procediam de tal modo, que o sr. Silveira Martins temia que eles merecessem o epíteto de câmara dos servis, entenderam que o procedimento do sr. Alfredo era uma punhalada no sistema representativo.

Foi o sr. Lourenço de Albuquerque, o mesmo a quem o sr. Martinho Campos chamava rabadilha ministerial, durante o Ministério Sinimbu, o incumbido de fazer a catilinária contra a perversão do sistema.

S. Ex.ª entende, como bom chefe do grupo Zé que o auxílio à lavoura é urgente, que o Ministério devia ter desde logo invocado o patriotismo da Câmara para que discutisse o projeto a respeito e, para demonstrar com que açodamento a oposição se prestaria a discutir o assunto importantíssimo, S. Ex.ª falou com os olhos no relógio para conseguir pela hora o adiamento da discussão.

Não era, porém, preciso que a oposição liberal recorresse a esse meio pouco engenhoso para demonstrar a sua sinceridade. A simples aliança com os mais ferrenhos negreiros da Câmara demonstrava por si só que a tática partidária afivelava a máscara do bem público. Esperava-se que o sr. Gomes de Castro arrastasse mais gente do que trouxe e, portanto, deixaram-se de lado os princípios para cuidar dos lugares.

Quanto aos soldados negros do sr. Paulino, os zulus parlamentares, é já sabido que o único fito de S. Ex.ª é guerrear o Ministério por todos os meios.

Estavam prontos a votar a indenização proposta pelo sr. Coelho Rodrigues e estão prontos a votar tudo, inclusive a venda da pátria para indenizarem-se e aos respectivos amigos. Votam, entretanto, contra o auxílio à lavoura.

O voto da oposição teve, porém, um grande merecimento: deixou a descoberto a capacidade, a inteireza e o patriotismo da oposição.

No debate do crédito real e agrícola, ela declarou ao Governo que não votava, porque sabia que o dinheiro do Estado ia ser desbaratado, visto como o lavrador não tem recursos para fazer face aos encargos contraídos pela hipoteca.

Presentemente, ela justifica o seu voto contra o acordo com o Banco do Brasil, dizendo que o auxílio chegou tarde e, portanto, já não aproveita. A lavoura já efetuou a colheita e está desafrontada.

Como se vê, a contradição é palpável. Se a lavoura pôde arrostar uma crise aguda e instantânea, como a de 13 de maio, sem lançar mão de outro recurso além do saldo de fortuna e crédito de que já dispunha; se os capitais bancários não se arrecearam de um naufrágio em plena tempestade, está claro que a lavoura pode honrar, na pior das hipóteses, os compromissos que contrai. Quer isto dizer que o Governo tem toda a razão quando diz que a sua garantia aos bancos de crédito real e agrícola é simplesmente nominal.

Ora, como facilitar o crédito ao devedor solvável não é senão fomentar a prosperidade social, segue-se que o Governo, garantindo o juro da letra hipotecária, longe de ameaçar o país com a bancarrota, por amor de uma classe, não vai senão aproveitar, em benefício da comunhão, a atividade e a experiência dessa classe.

Reconhecer, por um lado, que a lavoura tem recursos para bastar-se durante uma crise violenta e não lhe querer fornecer o crédito necessário ao seu desenvolvimento é um contra-senso econômico.

Povos da maior experiência na matéria iniciaram, como o projeto de crédito real e agrícola do Governo, o manejo deste poderoso instrumento de valorização da terra.

A Alemanha fez mediante ela a libertação do pequeno lavrador, desfeudalizou com o emprego do sistema a propriedade, que já lá chegou a adquirir o duplo movimento de desagregação para condensar a população, de agregação, para lhes conservar o valor adquirido.

E é preciso notar que o Estado que prestou a sua garantia para libertar o pequeno proprietário é ainda o agente direto para impedir a desvalorização pelo fracionamento exagerado.

Propusesse-se o sr. João Alfredo a tentar em nosso país igual obra e ver-se-ia que os liberais mais extremados eram os mais encarniçados adversários.

O liberalismo quer proteger o pequeno lavrador; o escravismo, o grande; mas um e outro estão dispostos a protegê-lo entregando-o aos seus próprios recursos.

Até ontem, nós, os abolicionistas, dizíamos que a escravidão havia empobrecido de tal forma o país que ele não comportava nenhum progresso por falta de economias realizadas pelos particulares. Tornou-se popular a nossa frase: as ruas dos Beneditinos e Municipal são a cruz da lavoura.

Se é verdadeira esta proposição, como exigir que a lavoura marche desoprimida, inicie os aperfeiçoamentos agrícolas, substitua a rotina pela ciência, o trabalho braçal pouco inteligente pela máquina, condenando-a eternamente a carregar essa cruz que a exiciou por tanto tempo?

Onde há de ir a lavoura buscar crédito, senão nos intermediários ou comissários? Nos bancos? Quais são, excetuado o do Brasil, os bancos que se prestam a servir à lavoura mediante o juro que ela comporta? Em bancos especialmente fundados para este fim, responder-me-ão. Mas, neste caso, voltamos ao princípio. Se a lavoura pode pagar o serviço do capital, de que carece por si só, sem endosso do Estado, está claro que este é inteiramente nominal e, desde que a garantia pública limita os lucros do estabelecimento, ele terá o cuidado de a dispensar.

Deve a lavoura ficar adstrita ao estado atual? Para quê? Para viver ou para morrer.

Se ela pode viver com os juros atuais, como não poderá pagar os que decorrem do projeto do Governo? Se é para morrer, o que é que nos dão os oposicionistas em troca da fonte de produção de que nos privam?

Não se improvisa a economia de um povo, como se improvisam discursos.

Se fosse possível com um simples surge et ambula constituir a pequena propriedade; se fosse possível manter nos mercados o preço dos nossos gêneros de exportação, em tal altura que desse sempre a remuneração correspondente do trabalho do produtor; se, semeando no solo as idéias dos teóricos, elas se convertessem em instrumentos de trabalho, casa, salário, nada era mais simples do que operar sem nenhum ônus para o Estado a transformação agrícola.

Infelizmente, porém, não grelavam na terra as palavras dos barbeiros contra o rei Midas e até hoje não se conseguiu fazer pegar de galho as teorias dos mais poéticos reformadores.

O dinheiro é uma fatalidade; é impossível prescindir dele para qualquer obra humana. Para nascer, como para morrer; para amar, como para odiar; para ser poeta, como para ser milionário, ele é sempre, sempre necessário.

O estado em que nos achamos é tal que não é só a lavoura que precisa de crédito do Estado para constituir o próprio. Se houvesse um governo capaz de fechar os olhos a tudo, de prescindir de teorias e citações do estado contemporâneo do mundo, esse governo garantiria até juros aos capitais que se destinassem a favorecer os brasileiros, que fundassem casas de comércio, fábricas de grandes e pequenas indústrias.

O socialismo do Estado, largo, franco, sem hesitações, é o único meio de movimentar esta grande máquina, enferrujada pela escravidão.

O segredo da força do Governo alemão é este: ele compreendeu que o Estado deve ser o primeiro mestre econômico do povo, e não hesita em intervir sempre que essa intervenção é benéfica. E ali trata-se de um país homogêneo, de um país onde se acumulam os saldos de trabalho; de um país onde o espírito de coletividade está profundamente desenvolvido, onde o espírito de Schubre (sic) fecunda a cooperação e a solidariedade.

O que faria um governo, daquele molde, num país como o nosso, que além da emigração fatal de saldos pelo fato de sermos vítimas da imigração nômada, ainda pela compra de todos os objetos necessários à vida, desde a camisa até a locomotiva, exportamos todo o capital de que carecemos para fundar a indústria nacional?

Fala-se nos trezentos mil contos que o Estado vai dar, mas não se fala no prazo que vai decorrer. A perda é uma hipótese, o tempo é uma realidade. Contavam os oposicionistas quais os lucros que podem provir desses trezentos mil contos, em mãos de particulares, ou melhor, em circulação, durante o longo período de 30 anos?

Mas não é de projetos úteis ou ruinosos ao Estado que a oposição trata? Estamos vendo que os mesmos que votaram a lei de 13 de maio opõem-se hoje ao Governo por havê-la decretado.

E não vemos todos os dias os liberais, que reclamaram para seu partido o direito de fazer a libertação, aplaudir o movimento republicano que daí proveio e ameaçar o trono com este movimento?

O que se está passando não é sério. A oposição atual não merece respeito dos homens que estudam e que amam sinceramente a pátria.

É uma guerrilha de negreiros e de ambiciosos.

O fim do escravagismo é enfraquecer o Governo para obter de qualquer modo a indenização; isto é, tirar dos cofres públicos em proveito de alguns o dinheiro que só deve ser dado em benefício de todos.

Servem-se dos liberais, da vaidade desse partido desmanchado, para chegar aos seus fins.

O sr. João Alfredo é um obstáculo a essa conspiração imoral: é preciso destruí-lo. O pirata em alto-mar não respeita a bandeira do navio honrado; ataca-o indistintamente.

A pirataria da nossa terra não tem lei diversa.

30 jul. 1888

À Federação

Quem tem lido os meus artigos com relação ao atual movimento político sabe que eu nunca procurei magoar os velhos republicanos sinceros, os que pugnaram sempre pela verdadeira República.

Tenho feito guerra aos especuladores da República, aos egoístas que procuram especular, com a mais santa das idéias políticas.

Não há uma única palavra minha que não seja dirigida aos neo-republicanos da indenização e aos seus patronos, que viram neles o melhor instrumento para os seus despeitos encanecidos.

Basta ler a coluna de O Paiz, sob a epígrafe Partido Republicano, para ver que esta república baseada na indenização, que é combatida pela Federação, deve ser combatida por todos os que entendem que a política não é uma especulação miserável.

Não obstante, a Federação que, pelas suas tradições, devia dar neste momento exemplo de moderação, de cortesia e de bom senso; que devia distinguir entre uns e outros dos que se dizem republicanos e dos que dizem praticar as doutrinas democráticas; a Federação entra na guerra da difamação contra a minha pessoa nos seguintes termos:

«Se o senhor Patrocínio ajoelhou-se, não foi porque a libertação fosse um benefício que precisasse ser pedido de joelhos; a libertação não foi uma dádiva, foi uma conquista, uma imposição; se o senhor Patrocínio ajoelhou-se, é porque há naturezas que nunca estão tão bem como quando estão de joelhos.

O grande representante da raça negra não pode ser um renegado, vão procurá-lo entre os que souberam sentir com altivez.

O grande negro não é Luís Gama para ser o senhor José do Patrocínio!»


Quando foi que pedi, de joelhos, a libertação?

Seria pedir de joelhos o manter-me durante dez anos em guerra contra tudo e contra todos os que não eram abolicionistas?

Para que caluniar miseravelmente aquele a quem aplaudiram na véspera?

Onde está o ato meu, durante a propaganda abolicionista, que demonstre um simples pestanejar diante do perigo?

Enquanto o Partido Republicano, que merece aplausos à Federação, comia tranqüilamente o suor do negro, e tratava a chicote os seus irmãos; enquanto o sr. Rafael de Barros e os seus soldados formavam reputação para as suas coudelarias e tornavam-se notáveis pelo seu apuro no meio da boa sociedade; o que era que eu fazia senão combater dia e noite na tribuna e na imprensa?

Que fizeram os republicanos neste tempo? Qual o sacrifício coletivo por eles feito?

Nem o partido, nem nenhum deles fundou um jornal. Os que escreviam recebiam dinheiro das empresas ricas que os chamavam. Nenhum se prestou a colaborar no órgão da abolição.

É uma infâmia da canalha negreira a opinião que a Federação, infelizmente, endossou com o seu prestígio.

Esses bandidos, em cuja cara eu sempre escarrei, nos tempos da propaganda abolicionista, acharam que era agora o momento de vingarem-se contra a minha altivez.

Não tenho agora tempo, mas hei de contar a história de cada um desses patifes, que entenderam que as costas dos próximos foram feitas para servir de escada às suas ambições.

Disse-o sempre: o meu único fito em meu país é cooperar, antes de tudo, para a extinção da escravidão. Nunca iludi ninguém. Apoiei o sr. Dantas, sendo entretanto republicano, e colocava Severino Ribeiro muito acima do sr. Saldanha Marinho.

Declarada de direito a extinção da escravidão, entendi que devia ficar ao lado do Governo para vê-la realizada de fato, o que ainda se não deu por culpa do republicanismo de relho e indenização, republicanismo do Rio do Peixe e de Itu.

Disse que hei de honrar a princesa e que lhe agradeço, como ao Governo, ter decretado a abolição.

Emprestei alguma glória à Sua Alteza e ao Gabinete?

Pois não está aí o movimento republicano atual demonstrando a glória desses beneméritos?

Se eles nada fizeram, se legalizaram apenas o que todos já haviam deliberado, por que os odeiam tanto?

A Federação é injusta para comigo. Eu apelo para o futuro, mas declaro que prefiro morrer, como Tibério Graco, a ser ministro gordo e abafado do Governo do sr. Saldanha Marinho.

31 jul. 1888

Uma cilada descoberta, uma emboscada sem êxito, eis a semana.

A oposição quis de surpresa apoderar-se da Mesa da Câmara dos Deputados, mas a imperícia da manobra não deu senão para uma exibição do sr. Coelho Rodrigues, que se indignou com uma porção dos seus apelidos.

Quis a oposição reviver na Câmara dos Deputados o tempo da eleição de gola, o tempo das cédulas recheadas. A tramóia deu em água de barrela e a Mesa continuou a exprimir o voto e a vontade da maioria.

Na verdade, é para desanimar e alucinar não poder vencer um adversário que se julgou matar no primeiro encontro.

O escravismo, depois de parafusar longo tempo, concluiu que o melhor era deixar decretar a abolição de direito e, em seguida, apoderando-se do poder, manter a escravidão de fato.

Pensou lá com os seus botões que não havia nada mais cômodo do que ter uma lei para enganar o mundo, como a de 7 de novembro de 1831, e os lucros da escravidão no interior. Era tão simples: tudo se pode fazer, a questão é de jeito. A experiência lhes dizia que o difícil era conter a onda humanitária, mas não canalizar os interesses dos que eram solidários na exploração do mesmo crime.

Derrotado o Gabinete, o novo Ministério veria que não devia ser tão radical. O sr. Paulino de Sousa andara bem na encenação da república da indenização e, por este lance teatral, seqüestrar-se-ia mais uma vez a opinião do Poder Moderador.

Ficava assim o campo livre e com uma dose de recrutamento, bem aplicada, lançar-se-ia o pânico entre os novos cidadãos, de modo a obter deles trabalho sem salário. Era, pois, o melhor dos mundos, um paraíso ainda mais delicioso que este em que viveu a pirataria desde Marambaia até Serinhaém, durante 25 anos.

Infelizmente, os escravistas puseram e os fatos dispuseram.

Todas as profecias de terror foram desmentidas.

Não haveria colheita, disseram eles; a estatística demonstra que a diferença das entradas de café entre os anos de 1887 e 1888 é de mais de 245 mil sacas a favor deste ano.

Perdia-se todo o café, não havia meio de colhê-lo e, entretanto, a diferença para mais, este ano, é espantosa.

Sim, dizem eles, mas seria o dobro se não fosse perturbado o trabalho. Admitamos, porém não nos esqueçamos de que o argumento foi outro. Não se falou na perda do excesso, falou-se no aniquilamento da colheita, o que faz com que tenhamos direito em não acreditar na alegação posterior.

Diziam os escravistas que a renda diminuiria, que todos os capitais se retrairiam. A Alfândega rendeu no mês de julho, mais do que em julho de 1887, a quantia de 1.240:810$400! O algarismo da renda foi o maior conhecido até hoje, 4.811:886$287. O movimento da Bolsa do Rio de Janeiro tem sido vertiginoso. É verdade que se tem misturado muita intriga à verdade, mas o fato é que os capitais se agitam e se expandem.

O câmbio já esteve quase ao par e, apesar de todos os manejos, de todas as negaças imaginadas pela judiaria esterlina, conserva o mais alto nível a que nestes últimos tempos era possível imaginar. Os 24 d. do sr. Belisário, o ministro da conta corrente, ficaram já a perder de vista.

O testemunho do comércio imparcial é que a cifra de vendas das mercadorias essenciais à vida do trabalhador é o quádruplo da que se conhecia até antes de 13 de maio. A roupa feita, os chapéus, os sapatos e chinelos, os morins e algodões vendem-se vertiginosamente, o que quer dizer que os novos cidadãos têm feito os enxovais da liberdade.

O número de casamentos é prodigioso. Os corações, que se imobilizavam no cativeiro, começam a bater e apinhar-se, como um pássaro que, longo tempo engaiolado, voa, voa, até ir repousar bem longe, num ninho desde muito ambicionado.

O desmentido ao escravismo não podia ser mais completo. Onde ele fantasiava o deserto, surge um oásis; onde ele assentava a desolação, esplendem a alegria e o movimento vivaz. Que fazer? Cruzar os braços? Não, porque o impenitente morre vociferando.

Explicam-se pelo desespero os manejos empregados para falsificar as eleições de mesa parlamentar e a opinião pública.

É assim que se quis fazer crer que, da parte do Governo, havia a maior fraqueza, que se dera uma submissão indireta no contrato com o Banco do Brasil.

Entretanto, a singeleza mesma da operação basta para demonstrar que ainda uma vez o sr. presidente do Conselho manteve os seus créditos de prudência e de energia, de inflexibilidade e segurança de vistas.

O Banco do Brasil pagava a multa de oito por cento (8%) por não querer completar a sua carteira hipotecária.

Não há quem não compreenda logo que se o Banco do Brasil se negava a emprestar à lavoura era por motivo de interesse do estabelecimento, isto é, por julgar que o negócio não era bom.

É, pois, uma vitória, quando se anuncia a ruína total da lavoura, conseguir do estabelecimento que melhor a conhece volver de novo ao negócio, por ele considerado tão mau, que preferia a fazê-lo pagar a multa de 8% de amortização da sua emissão de papel-moeda.

Assim, pois, se o sr. presidente do Conselho obtivesse do Banco do Brasil somente a volta ao negócio, neste momento, já era um triunfo extraordinário, visto como, em tempos considerados lisonjeiros, aquele estabelecimento se negou, apesar da coação da multa.

Mas S. Ex.ª obteve muito mais. O Governo empresta, é certo, ao Banco do Brasil seis mil contos, mas o banco, por sua vez, entra para a carteira hipotecária com a quantia de seis mil contos.

Quer isto dizer, primeiro, que o sr. presidente do Conselho conseguiu que o Banco do Brasil realizasse o capital a que se obrigou emprestar à lavoura e mais uma responsabilidade de seis mil contos para com o Estado; segundo, que o sr. presidente do Conselho conseguiu a declaração pública, o depoimento prestigioso do primeiro estabelecimento de crédito do país, de que o estado da lavoura não é o que o pessimismo partidário e alucinado assoalha, com perigo do crédito do Estado.

Ressalta, à simples vista, que obter pelo empréstimo de seis mil contos o desmentido solene de uma crise, conjurar o mais formidável abalo de que podíamos ser vítimas, por tão insignificante soma, é dar prova do mais profundo tino.

Está na memória de todos que o Estado fez muito maior sacrifício quando teve que dominar a crise bancária na praça do Rio de Janeiro e, entretanto, não se havia dado uma transformação radical na sociedade.

Mas o empréstimo foi sem juros; é exato, porém é muito menos oneroso que se fosse emitido papel-moeda, que deprecia o meio circulante e perturba todas as relações econômicas do país e vós outros, em circunstâncias menos graves, lançastes mão desse recurso desesperado.

O favor é grande para o Banco do Brasil e a prova é a alta das suas ações.

É preciso distinguir o lucro direto e o lucro proveniente do aumento de confiança pela sabedoria da operação.

O Banco do Brasil, entrando com seis mil contos de sua carteira comercial para a hipotecária, priva-se de lucros certos e prontos, e muito maiores. Quer os tivesse colocado em apólices, com o juro de 5% certo, capitalizado de seis em seis meses; quer em letras comerciais, já pela segurança do empréstimo, já pela facilidade de liquidação, o banco tinha lucros que ele considerava superiores a 8% do valor do capital retirado das transações hipotecárias. A razão é óbvia, ninguém evita sob pena de multa um negócio lucrativo.

Se é verdade que o Tesouro empresta sem juros, é também verdade que o banco se priva de lucros imediatos e se aventura a transações em que ele já não confiava, e em que reentra por ter uma base certa, um cálculo seguro, para cobrir-se no futuro.

O fim do Governo não é ter casa bancária; não é negociar em dinheiro; é aplicá-lo de modo útil ao Estado.

Desde que o Tesouro não perde, desde que o estado não se priva de nenhum serviço necessário, não há que estranhar que ele aplique uma soma qualquer, que vai conjurar uma crise, com inteira segurança de reembolso.

Acresce que a quantia emprestada não pode sofrer nenhum desvio do fim especial a que é destinada, pois que será feita à proporção que o banco a for distribuindo pela lavoura.

A cotação das ações subiu e era lógico. Desde que a carteira hipotecária, sobre a qual pairavam as nuvens agoureiras do pânico teatral do escravismo, teve o horizonte desanuviado, os capitalistas, renascida a confiança, deviam voltar à procura das ações do banco.

A bolha de sabão do empréstimo espocou por si mesma no ar e não há, portanto, que admirar se ela não serviu para o balão de ensaio.

Qualquer que seja o ponto de vista, sob o qual encaremos a oposição, vemos que ela não tem nenhuma razão patriótica para combater o Ministério.

É necessário fazer barulho e a oposição agita-se; nada mais.

A verdade é que o Ministério da Redenção continua a bem merecer da pátria e consolidando pela sabedoria administrativa o nome e a fortuna nacionais no exterior e no interior.

6 ago. 1888

Respondo...

Estava o sr. Silva Jardim a pedir que o deixassem rir, e os seus ouvintes faziam-lhe cócegas à vaidade, quando lhe irromperam dos lábios estas palavras:

«Deixai que eu me ria desses republicanos abolicionistas que, depois da abolição, ajoelharam-se aos pés da Monarquia.»

-Uma voz. -José do Patrocínio.

-O orador. -«Eu não sei onde há monturos, e quando os haja, eu, como bom republicano, não devo revolvê-los».

Estou de acordo com o sr. Silva Jardim.

O monturo de misérias e ambições sobre o qual S. S.ª assentou a tenda de combate, infecciona ainda mesmo não sendo revolvido. É que ele se fez com o lixo de todas as consciências, com a podridão de todas as almas que se decompuseram ao contato da lepra da escravidão.

Representando uma propaganda que tem como arma a difamação a mais baixa dos seus adversários; fazendo do seu talento a cloaca máxima onde o ódio dos vagabundos, forçados ao trabalho pela Lei 13 de Maio, dejetam toda a bile; o sr. Silva Jardim, para sentir sempre exalações nauseabundas, não precisa de sair fora das teorias, que anda pregando.

É assim que, caluniando a História, entre outras falsidades levantadas para adular a lavoura, S. S.ª disse que era obra de lavradores a Revolução de 1817, a santa revolução a que eu filiei, como republicano que sou, a causa da abolição, desde o primeiro dia que falei e escrevi, desde os tempos em que, muito ingênuo ainda, acreditando que os chefes republicanos eram sérios, ia interromper o sr. Quintino Bocaiúva numa apresentação de candidaturas, pedindo-lhe, em nome da tradição de 1817, que ele se externasse quanto à abolição.

Quando se tem a coragem do sr. Silva Jardim para mentir assim, com a palidez de um missionário, com a doce feição de um barbadinho que evangeliza, quando se dá aos assassinos da República de 1817 a glória da sua vida; quando impudentemente se profana a sepultura do padre Miguelinho para empanzinar crianças e deliciar despeitados, tem-se com certeza coragem para tudo. Quem não hesita diante do saqueio da memória dos mortos, como há de recuar diante do assalto à honra dos vivos?

Os movimentos republicanos do Brasil são obra dos lavradores!

Eu só conheço um: a Inconfidência, devida à capitação lançada pela metrópole sobre os escravos empregados na mineração.

Mas este, como o de agora, não pode ser invocado como justificativa.

Pedia-se a República para melhor explorar a escravidão.

A apologia dos lavradores dá a medida da sinceridade do sr. Silva Jardim, na atual propaganda republicana, e não admira, pois, que S. S.ª se faça o pregoeiro público de todas as calúnias, com que o esclavagismo procurou macular a propaganda abolicionista.

Eu sou realmente um monturo, porque fui obrigado a arquivar as misérias da escravidão. O monturo não existe senão porque há uma sociedade que vai depositar nele tudo quanto ela tem de mais asqueroso.

A ilha da Sapucaia, que saiu pura e imaculada das entranhas da natureza, não tem culpa de que a escolhessem para depósito de lixo.

Eu fui a ilha em que a fatalidade da História depositou o lixo das consciências dessa geração miserável, que vivia de explorar os seus irmãos.

O sr. Silva Jardim não quer ir revolvê-la, porque tem medo de encontrar aí algum trapo que de alguma forma lhe pertença.

Acha o tribuno da Nova República ridículo o qualificativo Redentora dado à princesa.

O que hei de eu achar no qualificativo beneméritos dado aos comissários e fazendeiros, que o aplaudem?

Qual é mais digno, beijar a mão da senhora que levantou uma raça ao ponto de o sr. Silva Jardim já a considerar capaz de poder presidir a República, por um dos seus representantes, quando até o último dia muitos dos seus correligionários só a julgavam digna do chicote e do tronco e de servir como semovente à garantia de hipotecas; ou apoiar-se na fortuna e no ódio dos escravistas para subir às altas posições do Estado?

Há no meu procedimento uma contradição e eu a não contesto.

Quem é o responsável, porém, eu ou o Partido Republicano?

Eu era republicano revolucionário durante a propaganda abolicionista e nesse tempo o Partido Republicano negou-se a deixar aferir a sua bandeira pelos sentimentos abolicionistas.

Aí estão os manifestos de S. Paulo como prova, aí está o discurso do sr. Quintino Bocaiúva e o seu silêncio durante a redação do Globo, da tarde, para demonstrá-lo. O sr. Saldanha Marinho homologou as declarações dos seus correligionários. Os srs. Campos Sales e Prudente de Morais, ambos senhores de escravos, não queriam mais que o sr. Dantas.

O Partido Republicano não tinha pejo de declarar que não assumia a direção da propaganda, porque se indisporia com a lavoura.

Mais ainda: quando já a vitória abolicionista se anunciava pela resistência desesperada ao sr. Dantas, pela lei de 1885, pelo Ministério Cotegipe e a monstruosa administração policial do sr. Coelho Bastos, o Partido Republicano não se organizou, como agora, para acompanhar o sr. Quintino Bocaiúva, que tinha confraternizado finalmente com a propaganda abolicionista.

Em vão nas partes policiais, o sr. Coelho Bastos, para indispor os abolicionistas com a princesa regente, declarava que nós nos retirávamos das conferências e dos meetings dando vivas à República, os republicanos esperaram o 14 de maio, o fato consumado da abolição, para reclamar como obra republicana aquilo para que só haviam contribuído pela resistência.

O que fez a princesa regente? Ainda, sob o Ministério Cotegipe, ela, a santa, a meiga Mãe dos Cativos, dava à propaganda abolicionista tudo quanto podia: as abundâncias de piedade do seu coração. Seus filhos, os pequenos príncipes, nos seus jornaizinhos glorificavam a propaganda abolicionista, enquanto ela, a princesa, debaixo de chuva e aos estampidos do trovão esmolava pelos cativos, e quando voltava a palácio repartia um pedaço do seu manto de rainha com os escravos foragidos, que iam implorar-lhe proteção.

Os republicanos não assumiam a responsabilidade da propaganda abolicionista; a princesa não se arreceava de tornar patentes, públicos os seus desejos de ver extinta a escravidão.

Qual é mais nobre? O republicano que não arriscou um voto, ou a princesa que jogou num assomo de fraternidade a coroa da sua dinastia?

Deixo à História a resposta.

Disse o sr. Silva Jardim que há homens que só vivem para o estômago; eu repito a frase.

Estou convencido de que no dia em que cortarem os víveres à propaganda republicana atual, ela perderá muito de entusiasmo.

A República da meia dúzia de sujeitos, que arrastam S. S.ª a pedir cabeças de seus semelhantes para a forca e para a bala do sicário, como se fossem cabeças de porco para feijoada, é assim. Passeia à custa de subscrições, chama à vadiação exílio, e aos bailes no Banlieu, tortura.

Ainda não há seis meses esses mártires de hoje deixavam morrer à míngua a Gazeta Nacional, filha dos sacrifícios de um republicano, que tem tanto de exaltado quanto de leal às suas idéias.

Previna-se o sr. Silva Jardim, enquanto é tempo. Eles tirarão de si quanto puderem e em seguida hão de difamá-lo com o mesmo sangue-frio com que hoje caluniam a (sic).

14 set. 1888

O Senado continua em sua ferrenha campanha protelatória; mas a fatalidade dos acontecimentos incumbiu-se de infligir o castigo necessário aos réus de leso-decoro parlamentar.

Nos debates têm vindo à tona da opinião, idéias e aspirações que os senadores obstrucionistas não queriam sequer fossem suspeitadas no íntimo deles.

O sr. Lafaiete, por exemplo, apavonara-se para a presidência do Conselho e foi obrigado a despir a plumagem do veto à lei de 13 de maio e mostrar-se o que realmente é: a gralha vesga da indenização.

Acostumado a ver os adversários acovardados ao flagício da sua sátira, o Quasímodo senatorial pensou que o melhor meio de chegar ao Governo era com o palavreado dos cães, e armazenar no Senado as diatribes e ambições do escravismo.

E não refletiu nas conseqüências, não mediu o alcance das suas palavras, nem a responsabilidade do carreto que fazia, tendo ao peito a chapa numerada pelo sr. Paulino de Sousa.

Com espanto de todos, que não reparavam na proporcionalidade da queda dos cabelos do Sansão de olho torto, com a decadência da sua força intelectual; o sr. Lafaiete foi ao Senado pedir a indenização e em nome dela intimar a retirada do Gabinete.

Não está esquecida ainda a solenidade preparada para esse debate, que devia mudar o eixo da vida parlamentar, fazendo com que o Senado assuma desde logo a sua missão de iniciador de situações políticas.

O sr. Lafaiete disse-o, uma, dez vezes: que a permanência do Ministério ameaça as instituições, que depois do abalo de 13 de maio, só podiam viver da reparação dos prejuízos causados.

Por outra, S. Ex.ª pregou francamente, positivamente, a indenização, fazendo daquela a razão de ser das instituições, pela razão muito simples de que a abolição sem indenização equivalia à morte com o confisco dos bens.

Não obstante, dias depois, o Rigoletto zarolho veio fazer uma emenda a si mesmo e declarar que não tinha dito o que todo o mundo ouviu, sem ainda desta vez medir as ilações que resultam de tal declaração.

O obstrucionismo do Senado tinha razão, quando empregado para depauperar o Gabinete e obrigá-lo a retirar-se, para dar ao parlamento ensejo de forçar o imperador a uma política diferente, isto é, para coagir o imperador a aceitar a indenização.

Desde o momento em que o sr. Lafaiete declara que a indenização não é problema para se impor, sem ter em conta o estado do Tesouro, fica fora de dúvida a inoportunidade, ou, mais precisamente, a impertinência e a obstrução.

O sr. Lafaiete concorda com o Ministério num ponto: não há dinheiro para indenizar os ex-proprietários de escravos. Por que motivo, pois, responsabilizar o Gabinete por não querer iniciar uma política de esperanças vãs?

Não manda a boa compreensão da responsabilidade do Governo esperar pelos novos trabalhos ministeriais, para que, na futura sessão, bem apreciadas as condições do Estado, ver o que é possível adiantar em benefício da lavoura e sem gravame das demais classes populares?

Como, depois de provado pelo próprio sr. Lafaiete que a oposição apenas levantou a poeira com a indenização; como, depois de demonstrado pelo sr. Dantas que a política de Gabinete é a única de conformidade com o nosso momento social, os senadores oposicionistas ainda teimam em protelar a votação dos orçamentos?

Não é muito mais patriótico terminar a sessão e dar tempo a melhor julgamento, preparando-se a oposição, por meio de acordo, para dar batalha na próxima sessão? Os homens de boa-fé concordarão conosco, mas não assim, os que fazendo vida de política, os que têm a legar aos seus descendentes a tradição de instrumento de partidos tão cegos quanto imprestáveis.

Para esses, o que nós dizemos não é senão o fruto do salário que recebemos, confundindo assim a nossa com a consciência deles.

Além da poeira da indenização, o debate no Senado levantou da sua sepultura o «Lázaro hediondo, a miserável questão chinesa».

Felizmente, a palavra do honrado senador Taunay já intimou à peste amarela a quarentena perpétua que lhe impôs o patriotismo brasileiro. A opinião pública confraternizou com S. Ex.ª e deixou mais uma vez patente que não haverá quem tenha força para atentar tão barbaramente contra a nossa nacionalidade.

O chinês não entrará em nosso país, quaisquer que sejam as astúcias empregadas pelos que pretendem explorá-lo.

Aconselhado como sucedâneo da escravidão; apresentado como um fator arbitrário da baixa do salário, o chinês encontra diante de si a mais formidável barreira: a consciência nacional, de que ele é o mais poderoso perturbador do progresso brasileiro.

Dizemo-lo com a tranqüilidade da mais íntima convicção; não nos receamos da entrada do chinês em nosso país.

Fundem-se, não um, mil bancos; reunam-se para favorecer a mongolização do Brasil, todos os favoneadores de interesses inconfessáveis; gritem, estipendiem adesões, reformem os processos e o chinês não entrará.

Será mais fácil voar pelos ares o Senado vitalício, dar juízo ao sr. Lafaiete, fazer tudo quanto parece impossível neste país.

O chinês não entrará no Brasil, nem puxado pelo rabicho por toda a oligarquia e plutocracia que nos infelicitam.

Mas os oposicionistas no Senado não viram isto; esqueceram-se de que o Governo Sinimbu teve na questão chinesa um dos maiores afluentes que lhe formaram o vasto estuário de impopularidade.

Quando a simples tática política, desde o momento em que se reconheceu a formação indenista no Partido Liberal, aconselhava que se restringisse o debate às matérias do orçamento, como um meio de impedir revelações impopulares; a oposição entendeu que devia dar à língua, e o resultado foi este: sair do partido que se diz liberal a adesão ao chinês, ou por outra, a confissão pública de que se premedita um atentado contra todos aqueles que nasceram e residem no Brasil.

Foi por isso que dissemos que a fatalidade dos acontecimentos se incumbiu do castigo dos obstrucionistas.

Que confiança podem merecer ao país estadistas que pretendem defraudar um povo inteiro para servir à sua clientela agrícola?

Com que direito podem querer impor-se à Coroa estadistas que antes de tudo confessam que a Monarquia só se pode manter empregando como alicerce do trono interesses inconfessáveis, tais como a indenização e a peste amarela?

O Partido Liberal tem neste momento mais urgência de calar-se do que o Ministério de ver votado o orçamento.

Cada dia de debate deixa mais e mais patente a incapacidade do grosso dos chefes liberais para governar, e cria maior dificuldade à confiança da Coroa no Partido Liberal, pois que está demonstrado que uma situação dele reproduziria a de 1878 a 85, pela instabilidade dos presidentes do Conselho.

Se pudéssemos dar um conselho aos obstrucionistas, seria este: calem-se, quando V. Ex.as abrem a boca desmoralizam o seu partido.

29 out. 1888

À ponta da pena

O sr. Quintino Bocaiúva, certo de que pela sua decadência intelectual e pelas falhas de sua vida não pode travar luta jornalística comigo, escondeu-se por detrás da -A Província de São Paulo, velha cadela que viveu sempre das sobras do rancho dos piratas do barrete frígio.

Editando os insultos, que me foram atirados por essa mediocridade empapelada que se chama Rangel Pestana, magro bode branco, gasto ao cio dos pastos de fazenda, o sr. Quintino Bocaiúva assumiu a responsabilidade do artigo que pretende infamar-me.

Antes da resposta, uma explicação:

Acusam-me de traição à República, os Rangel e os Quintino; entendem que a minha atitude junto ao Ministério 10 de Março e da princesa imperial é devida à venda dos meus princípios republicanos. Para dar, como dou, o meu apoio ao Ministério e à minha Senhora Veneranda, que é alvo de todos os ódios da atual propaganda republicana entendem esses velhos ganhadores da imprensa que me fiz numerar, a exemplo deles, pela placa de um dono.

Os salteadores da honra alheia, não tendo por onde me ferir no passado, injuriam a minha pobreza presente.

Os homens públicos não têm vida privada; devem expô-la toda em suas íntimas minudências ao público.

Eu sou hoje paupérrimo. Tudo quanto tenho é fruto do meu trabalho quotidiano, a exploração dolorosa e árdua da minha inteligência.

Entretanto, entrei relativamente afortunado para a imprensa, porque a família de minha consorte pôs à minha disposição a sua bolsa, que eu deixei vazia.

Além disso, eu saquei sobre o meu crédito e contraí dívidas extraordinárias para poder sustentar a campanha da imprensa, que se estendeu desde 1881 a 1888, por minha conta, nos jornais que dirigi.

Terminada a 13 de maio, na lei, a luta abolicionista, pensei em retirar-me da imprensa, posto que para mim não tinha sido senão do mais cruciante sacrifício.

Eu esperava apenas registrar as aclamações triunfais à abolição, para dar por finda a minha missão jornalística.

Fui, porém, surpreendido pela grita de uma propaganda que ameaçava destruir pela indenização a obra imortal de 13 de maio.

O meu lema, desde o primeiro dia em que me apresentei ao público, foi sempre abolição imediata e sem indenização. Os escravistas reclamavam esta; eu conservei-me na imprensa para resistir-lhes.

Com grande mágoa minha vi que os antigos clubes de lavoura convertiam-se em republicanos, e que os seus manifestos reclamavam a indenização.

Compreendi, como todos os homens de bem, que a República não era senão a máscara grosseira de que se servia o escravismo, para ver se fazia dos propagandistas que o haviam derrotado instrumentos da sua vingança e dos seus interesses.

Do mesmo modo que antes havia flagiciado os republicanos, que não queriam medir a sua bandeira pela abolição, fiz da pena um látego para castigar os mercadores da democracia que inscreviam na sua bandeira a indenização à pirataria.

Os cobardes recuaram; e, embuçados na mais torpe hipocrisia, disseram nuns congressos caricatos que não eram indenistas, enquanto os candidatos nas circulares e os deputados provinciais nas assembléias permitiam ou votavam a indenização.

Que os meus golpes iam-lhes ao coração, prova o ódio que me votam. Apesar de tudo, não podem os Rangel e Quintino negar que eu sou um negro de talento.

Vendo que não podiam bater-me no terreno dos princípios, porque eu tinha por mim um passado de firmeza e intransigência, ao passo que eles tinham o mais triste passado de tergiversações e dobrez, os Rangel e Quintino recorreram à difamação.

Declararam-me traidor à República e como sabem que eu sou pobre e sou negro venderam-me ao Governo.

Já no dia imediato à abolição da escravidão, sem que nenhuma palavra minha houvesse dito qual a orientação política futura do amigo da véspera, eu era já o último negro que se vendera.

A luta tornou-se pessoal; eu neguei aos Rangel e Quintino a capacidade de diretriz de que precisa o Partido Republicano; eles que não podiam negar o seu erro político, abstendo-se da responsabilidade da propaganda abolicionista, fizeram-me a guerra cobarde e traiçoeira da calúnia anônima.

Devia eu abandonar a imprensa, quando era combatido desenfreadamente pelos indenistas?

Podia eu negar o concurso da minha pena ao Ministério, que era combatido, só por ter assumido a responsabilidade da lei de 13 de maio?

A nova República, além disso, deixava em paz o sr. d. Pedro II e arremetia furiosamente contra a princesa.

Há algum homem de honra que diga que eu devia cruzar os braços diante desses ataques?

Explicando a atitude que assumi, eu disse algures:

Imaginem, meus senhores, que eu sabia que em certa estrada havia uma quadrilha de ladrões, e como não pudesse passar sozinho por ela e oferecer combate aos bandidos, apelava para os sentimentos de fraternidade de cavalheiros, de opiniões políticas contrárias às minhas.

Esses cavalheiros resolviam-se auxiliar-me, e, juntos, dávamos batalha, vencendo os ladrões.

Terminado o combate, desarmados os bandidos, diziam estes:

Ouça, nós somos seus correligionários políticos; entregue-nos esses senhores que vieram em sua companhia, porque eles só o acompanharam por especulação.

Devia eu entregar aos bandidos, só porque se diziam meus correligionários, os leais companheiros que me haviam dado a honra e a glória de garantir os direitos da civilização?

Não há dúvida que os neo-republicanos se dizem meus correligionários, mas não há também dúvida que eles na véspera faziam parte da quadrilha de ladrões de alma e suor da raça negra.

Cumpria à minha honra política entregar a princesa a esses miseráveis?

O presente não responderá, mas eu olho serenamente para o futuro.

Pela minha atitude franca, leal, ao lado do Ministério e da redentora dos cativos, concluiu-se que eu sou um judas e que troquei pelos trinta dinheiros da verba secreta a minha consciência.

Nos Juízos desta cidade e no Tabelião dos Protestos há os vestígios do meu bem-estar presente. A verdade é que eu tenho encontrado mais piedade nos meirinhos do que nos evangelistas da fraternidade.

A Cidade do Rio tem vivido da magnanimidade de grande parte de seus empregados, e do heroísmo e desinteresse de um núcleo de homens de bem que aumentam a sua dedicação à medida dos meus sofrimentos.

Se ainda não se fechou essa pequena fortaleza de brio e de coerência é simplesmente porque alguns dos meus credores, os de soma mais avultada, confiam na minha honra, ou são generosos bastante para não aumentarem a aflição ao aflito.

O que o Ministério me tem dado é o mesmo que dá a toda a imprensa: as suas publicações, que eu não sei se têm avultado mais na caixa do O Paiz do que na da Cidade do Rio.

Os Rangel e Quintino, porém, propalam que eu recebo mundos e fundos e mandam espalhar por toda a parte que se prepara emprego de grande renda para mim.

É assim que me nomearam subdiretor do Correio, diretor do Diário Oficial, tabelião da corte, distribuidor-geral desta cidade, cônsul de Montevidéu, quando eu não requeri nenhum desses lugares e nem fiz concurso para nenhum deles.

Agora a resposta:

Suponhamos que eu me vendi.

Os meus difamadores não coram ao proferir esta miséria?

Pois não é uma vergonha para esses que reclamam, hoje, os louros da vitória abolicionista, saber-se que um dos soldados da sua fileira saiu tão pobre que teve necessidade de vender a sua consciência para poder viver?

Que qualidade de chefes é esta que sai nédia e próspera, enquanto os soldados que entraram relativamente ricos saem a pedir esmola? Não fica assim demonstrada a especulação dos supostos heróis?

A quem me vendi eu? Aos negreiros?

Se a estes, como foi que não enriqueci, quando é sabido que eles deram aos Rangel e Quintino os meios com que eles engordaram o seu silêncio até a hora em que desanuviou-se no horizonte a estrela do abolicionismo?

Aos abolicionistas? Estes não precisavam de comprar o que se lhes oferecia de alma alegre e coração alvoroçado.

A quem me vendi eu, e se me vendi, onde está este dinheiro, que não serve ao menos para que eu me possa libertar dos vexames judiciais?

O sr. Quintino Bocaiúva fez mal em editar as torpezas d'A Província de S. Paulo. Veio dar-me ensejo de justificar-me plenamente aos olhos dos meus concidadãos e de demonstrar que o vendilhão, useiro e vezeiro, é ele que se estreou na imprensa a defender uma companhia de seguros de vida de escravos, da qual recebia salário, e que não passava de uma vergonhosa armadilha à ingenuidade dos senhores.

Eu vou fazer a biografia do sr. Quintino Bocaiúva; com subsídios republicanos e com outros que a memória pública registrou.

Veremos quem é o Judas, se é o pobre diabo que tem vivido sempre por si, ou o Catão engomado, que surge sempre de dentro de uma burra de milionário.

4 jan. 1889

À ponta de pena

No artigo Rangel-Quintino há um trecho que reservei para largos comentários: reclama-se para o editor das calúnias d'A Província de S. Paulo a gratidão dos libertos em nome do seu abolicionismo.

Rangel pergunta:

«Quem mais fez que o insigne jornalista e notável orador, na imprensa e na tribuna, batendo-se dia e noite contra todos, Governo, partidos e capangagem a soldo da polícia?

Quando os abolicionistas fluminenses precisaram de um brasileiro com autoridade e querido do povo para falar nos meetings celebrados nas praças públicas e dispersados à força, a quem procuraram?»


Estes dous períodos dão a medida exata da justiça republicana destes tempos.

O sr. Quintino Bocaiúva não se imiscuiu na propaganda abolicionista senão depois que estava patente o seu próximo triunfo, e quando o sr. visconde de S. Salvador de Matosinhos assegurou-lhe um salário para defender no O Paiz a causa dos cativos.

Até assumir a chefia da redação desse jornal, o sr. Quintino Bocaiúva não passava de um inimigo dissimulado do abolicionismo; entendia que esta propaganda era um mergulho no abismo.

Quando comprei o jornal que hoje desonra a memória de Ferreira de Meneses, o sr. Quintino Bocaiúva lá havia escrito dous artigos, que eram a negação absoluta do programa que o seu fundador havia traçado. O chefe do jornalismo não trepidou profanar as idéias do batalhador recentemente morto.

Escolhido candidato pelo Partido Republicano, para representá-lo na Assembléia-Geral, em vão interpelei o sr. Quintino Bocaiúva acerca de suas idéias abolicionistas; tergiversou e dissimulou no ruído de sua claque a resposta, que devia a mim e aos honrados chefes do positivismo brasileiro.

Redigindo o Globo da tarde, fundado com os capitais do sr. comendador Mayrinck, o sr. Quintino Bocaiúva limitou-se a não romper com o abolicionismo, porém nunca o auxiliou. Não podia proceder de outro modo; o patrão pagava para defender um banco de crédito real, tendo por base a hipoteca de escravos, e com garantia do Governo.

Além disso, associado a uma empresa que devia comprar a estrada de ferro de Cantagalo, dando à província o dinheiro para comprá-la e mais o juro de 8% -e sendo negreira a assembléia e a administração da província, o sr. Quintino Bocaiúva não podia defender os cativos.

Primeiro os seus negócios, depois as suas idéias.

O Globo nasceu e morreu sem nunca ter demonstrado que lá dentro estava um chefe republicano, isto é, um homem que, tendo por dever defender a liberdade, a igualdade e a fraternidade, tinha a obrigação de hipotecar-se por inteiro à causa dos enjeitados da lei.

Estes fatos são de ontem; não podem ser contestados.

Para se ver bem qual era o abolicionismo do sr. Quintino Bocaiúva, é preciso recordar um fato, passado muito tempo depois de suas manifestações em prol da confederação.

O Ministério Cotegipe vinha fazer votar o projeto Saraiva, que era a reação contra as idéias do Ministério Dantas.

Não podia haver engano quanto às vistas do Gabinete 20 de Agosto: os seus principais ministros tinham sido os sustentáculos ostensivos do Ministério que se retirava.

O sr. Quintino Bocaiúva, porém, não hesitou em receber o Gabinete Cotegipe de modo tal que eu vi-me obrigado a refrear-lhe o entusiasmo pela transcrição do artigo: mais um esquife que passa.

Durante todo o combate desesperado do abolicionismo ao sr. Cotegipe, o sr. Quintino Bocaiúva apenas falou em conferências e meetings umas seis vezes e para fazê-lo era necessário que os abolicionistas o importunassem com rogativas.

Quanto aos seus artigos, eram o negócio da folha que ele redigia. Nos últimos tempos os jornais negreiros não faziam carreira, e demais disso, o sr. visconde de S. Salvador de Matosinhos era abolicionista e não se jogam as peras com o amo.

Quando o proprietário do jornal libertava, à sua custa, escravos para que o número de libertos fosse igual ao dos anos do Imperador, o que havia de fazer o sr. Quintino?

Acresce que o Ministério 20 de Agosto incumbira-se do reclame d'O Paiz, como abolicionista, e seria rematada parvoice não aproveitar o propício concurso da cegueira ministerial.

Não é ingratidão contar as cousas como se deram. Reconheço que O Paiz foi um dos poderosos fatores para o desenlace de 13 de maio, mas o trabalho abolicionista, propriamente dito, não era do sr. Quintino Bocaiúva, e sim de Joaquim Nabuco, que chegou com o prestígio extraordinário da sua eleição inesperada, e sobretudo de Joaquim Serra, nos seus Tópicos do Dia.

Não foi o sr. Quintino Bocaiúva quem deu orientação abolicionista ao O Paiz, mas Rui Barbosa que, por ser demasiado colorido, só se demorou poucos dias à frente da redação.

Confesso que o sr. Quintino Bocaiúva mostrou-se abolicionista nos dous últimos anos de propaganda, mas contesto que ele se tivesse preocupado seriamente com a sorte dos escravizados.

A prova deu-a ele na eleição do sr. Ferreira Viana. Quando a confederação procurava fazer da reeleição do ex-ministro da Justiça um plebiscito abolicionista, o sr. Quintino Bocaiúva prestou-se a ser candidato, para recolher 108 votos, sem se lembrar que deste modo quebrava a unidade, até então nunca violada, do abolicionismo.

A propaganda abolicionista não precisava do prestígio do sr. Quintino Bocaiúva; pelo contrário, repartiu com ele o seu, que era enorme.

Quando o sr. Quintino Bocaiúva se dignou de baixar o seu republicanismo até a propaganda da abolição, já esta havia forçado as portas do parlamento e tinha tornado obrigatório o respeito pelos seus principais representantes.

As conferências e meetings abolicionistas já haviam sido honrados com a presidência e a palavra dos senadores, deputados e cidadãos os mais notáveis.

Não precisava do sr. Quintino Bocaiúva, para se impor à consideração pública, a tribuna em que já haviam falado Nicolau Moreira, Joaquim Nabuco, José Mariano, Antônio Pinto, Severino Ribeiro, Ennes de Sousa, Silveira Martins, Rui Barbosa, Getúlio das Neves, Frontin, Silveira da Moita, Otaviano e Dantas.

Desde o princípio as conferências foram sempre presididas por homens de grande merecimento e prestígio, e para não causar extensa nomenclatura lembrarei que elas foram honradas quase sempre pela presidência de Nicolau Moreira, de Muniz Barreto, o cego, e do senador Silveira da Mota, quando ainda o sr. Quintino Bocaiúva não se atrevia a dizer na sua circular se era negreiro ou abolicionista.

Toda a gente sabia, além disso, que estavam conosco e que nos emprestavam a força moral da solidariedade André Rebouças, Beaurepaire Rohan, Jaguaribe, José Maria do Amaral, Álvaro de Oliveira, Benjamin Constant, Acioli de Brito, Monteiro de Azevedo, Macedo Soares, Muniz de Aragão, toda a flor do talento, do saber e do caráter nacional.

Para que precisávamos nós de prestígio do sr. Quintino? Antes que ele houvesse proferido uma palavra sobre o abolicionismo, a confederação abolicionista havia feito aceitar pelo parlamento o seu manifesto, e tinha produzido a solenidade comemorativa da libertação do Ceará, que abalou festivamente toda a população desta cidade.

O sr. Quintino Bocaiúva não nos trouxe nenhuma força, foi mais um e nada mais.

Resta-me, por hoje, fazer ressaltar a contradição com que os períodos de Rangel justificam a atitude da raça negra.

Quer o homem que os serviços do sr. Quintino Bocaiúva prendam para sempre a gratidão dos ex-escravizados e dos que são o sangue do sangue das vítimas, ainda agora cobiçadas pela pirataria Sans-coulotte.

Muito bem. Mas, se ao sr. Quintino Bocaiúva, que recebia ordenado do sr. visconde de S. Salvador de Matosinhos, para ser abolicionista, que não arriscou senão a queimadura de uma bicha chinesa, devem os escravizados tamanha gratidão; o que devem eles à Princesa, que arriscou o trono para libertá-los?

Se o sr. Quintino deve ser sagrado para os negros, e o tem sido, como devem eles considerar a Senhora que, ao ter a notícia do grande movimento revolucionário contra a sua inofensiva personalidade, exclamou:

Não faz mal; ao menos deixei a minha pátria livre!

Eu sou um ingrato, porque a Guarda Negra, que supõem dirigida exclusivamente por mim, é gratuitamente responsabilizada pela agressão ao sr. Quintino Bocaiúva; eu não seria um ingrato se ensinasse os negros a odiar a princesa!

Para os meus detratores eu devo ter duas qualidades de moral: uma para adulá-los, outra para aplicar aos que não pertencem ao credo ensangüentado da república da calúnia e da forca.

O que são mais: parvos ou perversos?

A abolição deve canonizar o sr. Quintino Bocaiúva e condenar ao exílio ou à pena última Isabel, a Redentora?

E não se lembram de que o bom senso público vai ler o que eles escrevem e se esquecem de que tudo quanto está impresso será depoimento perante a história!

Concluindo: devo declarar que não me entristece ver o primeiro lugar do abolicionismo dado ao sr. Quintino Bocaiúva.

Dos personagens da fábula do imortal La Fontaine A carruagem atolada, a mosca tinha o primeiro plano, e se não fazia força para safar o veículo o seu zumbir era ouvido e o seu peso sentido pelas orelhas das cavalgaduras.

5 jan. 1889

O ódio togado

O sr. Rui Barbosa entende que o imperador vai sacrificar ao sentimentalismo a segurança pública com o grande ato projetado para comemorar o dia 13 de maio; o perdão dos escravos condenados por força da lei de 10 de junho de 1835.

Quer o advogado que, no seu respeito à Justiça, emprestou o seu talento para o bom êxito do assalto à sagrada herança da fé de muitas gerações, e encaminhou pelas desonras judiciárias do nosso foro o saqueio às freiras, cometer aos tribunais a revisão dos julgados, que condenaram a penas excessivas os delinqüentes escravos.

De sua argumentação, porém, se depreende que o sr. Rui Barbosa opina pela justiça das sentenças, porque os senhores se permitiram a liberdade de aplicar por suas mãos a pena nos casos que não atingiram o último grau de criminalidade.

O júri que condenou à morte criminosos escravos foi canonizado pelo ex-líder do Ministério Dantas, e o imperador admoestado de que procedeu mal comutando sistematicamente a pena de morte, quando lhe cumpria aprender com o rei Oscar da Suécia a não colocar o seu coração acima das leis, ainda as mais cruéis.

Inútil seria recordar aqui a história do júri durante a escravidão e provar que ele foi sempre de uma brandura extrema para com os linchadores de Itu, Rio Bonito e Resende, para os assassinos do Rio do Peixe, Madalena e Rio de Janeiro, ao passo que era de um rigor bárbaro contra os seus escravos que, ora eram condenados às galés, ora entregues aos senhores, a fim de que estes com a conivência judiciária pudessem iludir a demência do soberano.

Também seria inútil lembrar que nenhum dos autores citados pode se adaptar ao caso argüido pelo sr. Rui Barbosa, porque a condição dos criminosos difere essencialmente como a liberdade da escravidão. Em discussão serena começaríamos por ponderar que a própria letra constitucional vem em auxílio da reparação que o imperador tenciona efetuar.

A Constituição mandou que os cidadãos fossem julgados em tribunais de seus pares. A escravidão, porém, anulou a disposição fundamental. O escravo só era par dos seus juízes no ato em que estes deviam cominar-lhe a sanção penal. Essa ponderação, que todos os códigos exigem para castigar, essa espécie de pesagem da consciência do réu na balança da moral praticada no mesmo meio, não se dava para o escravo. A disparidade entre o tribunal e o acusado estava patente na desigualdade de condições. Demais, todas as circunstâncias absolutórias do código foram invertidas em agravantes, pela exceção odiosa da lei de 1835.

Comparar essa excrescência jurídica -o júri para o escravo- com os tribunais regulares, que julgam o criminoso dentro do Direito normal e partem da integridade da sua pessoa moral para confrontá-lo com os delitos; querer que o julgamento daquele tenha o mesmo cunho social desses outros é uma aberração que não se explica.

O mais admirável é que o próprio escravismo nunca dissimulou o estímulo que dava aos crimes de escravos.

Combatendo a magnanimidade do imperador quando comutava a pena de morte imposta pelo júri aos escravos, disse um deputado que preconizava as excelências da prisão celular, como um executor emérito da barbárie humana: condenar os escravos às galés importa não lhes infligir pena, porque a vida das galés não difere da das fazendas! Mais tarde, quando o crime da Paraíba do Sul, comovendo o país inteiro, decretou a abolição da pena de açoites, deputados em grande número viram neste ato a perturbação do regime agrícola e a abolição tácita do cativeiro, porque não se podia admitir a escravidão sem a disciplina desumana do chicote.

Estes fatos são bastante eloqüentes para deixar ver a origem dos crimes cometidos por escravos. A generalidade do regime prova a generalidade da causa, e, por isso mesmo, dota com as circunstâncias absolutórias do código todos os delinqüentes.

Acha, porém, o sr. Rui Barbosa que é sentimentalismo baixar a justiça do imperador até os homens, que foram desde do berço condenados às galés; que foram pública e oficialmente declarados vítimas de um regime bárbaro, e um dia se revoltaram contra os seus algozes.

Entretanto, em todos os códigos se distinguem os criminosos forçados dos voluntários. Não se explicam de outro modo as atenuantes. É um perigo perdoar réus que foram escravos.

Que moral a do ilustre conselheiro! Que justiça a do laureado jurisconsulto!

Sobretudo que abolicionismo! Para S. Ex.ª o complemento da abolição devia ser o seqüestro social do ex-escravo. O cativeiro fere de interdição perpétua a vítima.

Não teria outra linguagem um ladrão fidalgo que não quisesse restituir a fortuna roubada a uma vítima ignorante e de baixa condição, sob pretexto de que o espoliado não sabia empregar bem a sua prosperidade.

E para exibir o engulhamento do seu coração, que o despeito de candidato infeliz tornou peco e sorna, empanturra-se de erudição, que lhe fica atravessada aos bicos da pena, como a galhada de um touro em boca de jibóia farta.

Os seus artigos são lúgubres como um tribunal de inquisidores, julgando num subterrâneo ao fagulhar de fogueira enxofrada, enquanto o chumbo derretido chia à gula de vítimas. Tem umas minudências de metal candente em canto de unha, de um despolpar lento de mão, ou de um rasgar de veias moroso a fio de lanceta.

Quando um infeliz cai nas garras do seu ódio, sofre a tortura de quem fosse condenado ao suplício da besuntadela de melado e em seguida à exposição a nuvens de maribondos. Outras vezes é como se tivesse de sofrer o estaqueamento e o colete de couro.

Não há meio de o chamar aos sentimentos de humanidade em favor dos negros. Se estivesse em seu poder, o sr. Rui Barbosa repetiria a cena do anão de Edgard Poe, que se lhe assemelha em instintos, e se lhe ajusta como uma luva ao sentimento de vingança.

Vimo-lo outro dia pontificar na bênção dos revólveres e das garruchas republicanas, com solenidade que lembrava o coro de punhais de Meyerbeer.

Entretanto, agora está a querer pôr a sua pena como ferrolho à porta das galés, para impedir o êxodo das vítimas, que a magnanimidade do imperador quer decretar.

São recrutas para a guarda da rainha! Brada a sua doença mental que descobriu duas semanas santas no intervalo do ano da redenção.

Entretanto estamos certos de que ele se julgaria muito honrado com uma manifestação de galés de qualquer espécie, inda que negros, contanto que o encomiasse como o maior dos abolicionistas, o maior dos jornalistas, o maior dos oradores, o maior dos jurisconsultos. A publicação do manifesto do Pati do Alferes é uma prova.

Daqui do íntimo do nosso senso crítico estamos a ver a alma desse homem, espécie de lagarto invernado, a roer num buraco úmido, sombrio, abafadiço a própria cauda, para disputar a vida contra o meio inclemente que lá fora vai preparando o renascimento anual da natureza.

Devemos confessar ao público: o sr. Rui Barbosa começa a nos causar dó. Enquanto ele se dava à exposição, como os capítulos de Fernão Mendes Pinto onde nos encontramos com bonzos cabeçudos e ídolos de formas horripilantes, torrentes de onde saem legiões de serpentes e jacarés, a cousa nos deliciava. Agora, porém, o nosso antigo companheiro de lutas perdeu de todo o juízo e nos faz o efeito de um camaleão doido, que saísse a dar rabanadas à esquerda e à direita.

Que o imperador não se detenha. Pelas maldições do escravismo já Sua Majestade devia esperar. Em troca, porém, conte o soberano com as bênçãos das gerações futuras.

29 de abril de 1889

O mercenário

A todas as outras questões se adianta a da moralidade, diz o sr. Rui Barbosa.

Pois que é pela moralidade que se deve principiar, aceitemos o ponto de partida.

A moralidade só se pode constituir em tribunal, quando é clara e provada em todos os juízos, e bem assim em quem inicia o processo.

O sr. Rui Barbosa nomeou-se órgão da justiça pública e encarregou-se do libelo. É preciso, pois, examinar-lhe a moralidade.

Salienta-se na biografia dos homens públicos da província da Bahia o princípio da carreira de S. Ex.ª.

Educado por seu tio, que o acolheu órfão, que o levou à Academia e à Assembléia Provincial, o sr. Rui Barbosa deu mostras de seu caráter, abandonando a parcialidade liberal em que militava aquele ilustre brasileiro, que dotou a imprensa nacional com O Monitor, um dos órgãos mais brilhantemente redigidos de que há notícia.

O grupo do sr. Dantas era mais forte. A carreira sobre os ombros do grande chefe popular era mais rápida. O sr. Rui Barbosa não hesitou; entregou-se de surpresa ao rival do seu benfeitor, e desde então serviu passivamente a todas as perseguições políticas de que ele foi vítima.

Não havia em jogo nenhum princípio; não era por uma idéia que os dous se batiam. Pertenciam ambos ao mesmo partido e haviam simplesmente divergido quanto ao modo de realizar o programa.

A bandeira liberal tremulava sobre os dous campos, e num estava o pai adotivo e no outro a esperança política. De um lado estava o coração e de outro o interesse. O sr. Rui Barbosa preferiu o segundo.

Eleito deputado, S. Ex.ª veio para a Câmara e começou a sua vida parlamentar.

Acompanha desde logo o Ministério Sinimbu, acarneirado a essa maioria, que foi qualificada por Silveira Martins câmara dos servis.

Num dia o tribuno rio-grandense rompe em oposição ao Gabinete de que fizera parte. Queria, dizia ele, a elegibilidade dos acatólicos e o Ministério negava-a.

O sr. Rui Barbosa se exibira na tribuna popular fluminense, advogando a supressão da Igreja do Estado, a plena liberdade de cultos. Não obstante, S. Ex.ª continua na maioria e faz mais; é ele quem se incumbe de responder a Silveira Martins, motivando à consciência limpa de José Bonifácio, o tribuno, um belo discurso, que lembra a frase de Marmontel acerca dos aplausos que castigam.

O Ministério Sinimbu, que era conhecido pela firma John Lins & C., é arrastado no desastre do Banco Nacional pelo seu presidente do Conselho.

Os tribunais reclamam ao Ministério de 5 de Janeiro o co-réu de uma falência culposa; o ministro da Justiça, o sr. Lafaiete, precisa praticar um atentado constitucional, avocar uma causa pendente para salvar o chefe do Gabinete; a Câmara não tem meio de fazer calar a oposição; aconselha a fuga aos ministros e ela por sua vez fica deserta; a opinião pública revolta-se, o Governo precisa de cercar de batalhões a Câmara dos Deputados, para que os ministros não entrem com as faces fustigadas pela indignação popular.

O sr. Rui Barbosa se conserva nessa maioria, é solidário com ela pela palavra e pelo voto e fica ao lado desse Ministério da seca do Norte, das transações do café, da estrada de Leopoldina, do vintém, do Xingu, dos chins, dos pântanos da cidade, Ministério cuja vida fervilhava escândalos como em vasta apostema miríades de vermes. Dir-se-ia que S. Ex.ª estava atarracado àquela podridão.

Por esse tempo, Joaquim Nabuco, com a solenidade do arcanjo bíblico, já havia empunhado a trompa conclamatória do povo para o Josafá da nossa história, onde devia ser julgado o mundo da escravidão e ressurgir dos mortos a alma nacional.

A oposição tinha a flor da probidade parlamentar, a escolha moral da política. Lá estavam José Bonifácio, Nabuco, Costa Azevedo e Manuel Pedro.

A maioria era capitaneada por Sousa Carvalho; o Ministério era presidido por um réu de falência culposa. E o sr. Rui Barbosa ficou-se lá sobre aquela carniça da advocacia administrativa.

Caiu o Ministério Sinimbu, o ministério da constituinte-constituída.

O sr. Rui Barbosa emigrou daquela algidez cadavérica e acarrapatou-se ao Ministério Saraiva, sustentando aí o sr. Buarque de Macedo, o mesmo homem que havia posto às claras o negócio do gás, no qual surpreendeu-se um deputado da maioria, lendo na Câmara uma nota que a companhia tinha pago para ser publicada nos a pedidos dos jornais.

Sabe todo o mundo que o sr. Rui Barbosa foi o instrumento dócil desse Ministério, e S. Ex.ª mesmo confessou que foi ele autor da lei de 9 de janeiro, essa emboscada da escravidão e da oligarquia armada ao povo para despojá-lo do voto.

Do Ministério Saraiva passou no espólio ao Ministério Martinho Campos, e apesar da sua cabeça de anão, coube na canoa, que tinha à popa o presidente do Conselho mais ignorante e mais nulo que já dirigiu a nossa política.

Em seguida, o sr. Rui Barbosa fez parte dos remanescentes da terça do sr. Martinho ao sr. Paranaguá, como um anônimo, numerado pela ambição. Caindo o sr. Paranaguá, o deputado perpétuo da maioria passou ao sr. Lafaiete, a quem sustentou, com dedicação igual a que até então havia dado aos seus antecessores.

Apoiar o sr. Dantas era o seu dever e ele o fez sem entretanto arriscar cousa nenhuma da sua pessoa e do seu futuro.

Isto posto, raciocinemos um momento. É um homem de caráter o que se acomoda à vontade na canoa de Martinho Campos e nas canastras do sr. Dantas?

O homem que não explicou, senão pelo hábito da maioria, a adesão ao programa do chefe baiano e que o fazia, confessando em particular que não tinha elementos para redigir o parecer de que foi nomeado relator?

O sr. Rui Barbosa queixou-se ultimamente dos seus insucessos políticos e lançou-os à conta do abolicionismo.

É mais uma calúnia contra a propaganda que o purificou em parte.

Nunca se contestaram o talento e a capacidade do sr. Rui Barbosa. S. Ex.ª era benquisto no partido e no paço. Não tinha, pois, nenhuma dificuldade para ser ministro. O sr. Dantas o empurrava para a frente, metia-o à cara do parlamento.

A situação liberal tinha tal carência de gente habilitada que chegou a ter como seus ministros as maiores nulidades. O povo se lembra, para não falar senão da Bahia, dos Moura, dos Prisco, dos Sodré, pobres homens, que seriam absolvidos num tribunal justo de qualquer crime que denunciasse inteligência da parte do réu.

Por preterir o sr. Rui Barbosa? Quem o havia de preterir? O sr. Dantas?

Fica por estas interrogações bem claro que o sr. Rui Barbosa não foi ministro, porque se contava previamente com a sua derrota. Explica-se também o segredo da dedicação de S. Ex.ª a todos os ministérios. Era a premeditação de uma imoralidade, a sua candidatura oficial, a eleição por intervenção do Governo.

Não foi o seu abolicionismo que o impediu de entrar, por exemplo, no ministério dos caixeiros, presidido pelo sr. Lafaiete. Nesse tempo, o sr. Rui Barbosa podia exibir ao eleitorado os 500 réis (sic) daquele projeto ridículo e o passaporte da canoa Martinho.

Não há consciência honesta que, à vista destes fatos, não afirme conosco que o sr. Rui Barbosa dava apoio mercenário aos gabinetes liberais; que fazia do seu voto na Câmara o saque eleitoral contra o Governo do seu partido.

Aí está a largos traços a carreira pública do sr. Rui Barbosa.

S. Ex.ª alega o seu abolicionismo e nós lhe respondemos que este não era mais poderoso que as suas dispepsias.

Como advogado S. Ex.ª tem o negócio das freiras, que protegeu como deputado e se fez pagar como advogado.

Não se compadece com a lisura de tão melindroso caráter servir-se da sua influência política para proteger um esbulho.

Outra advocacia célebre de S. Ex.ª é a da liquidação da Caixa Depositária de Coruja & C.

Ali havia depósito do minguado pecúlio de escravos. Pois bem, S. Ex.ª não levou em conta essa circunstância e duvidamos que nos diga quanto houveram esses credores e qual foi a proteção que lhe dispensou o advogado abolicionista, que devia antes de tudo ter bem presente a lei de 28 de setembro de 1871.

Agora está o sr. Rui Barbosa continuando a sua carreira política, interrompida pelo abolicionismo, de que se diz mártir.

O que faz?

Insulta o liberto e adula o ex-senhor.

Injuria os companheiros da véspera e canoniza os inimigos comuns de outrora.

Pede galés para o criminoso da escravidão e o Governo do Estado para os antigos mantenedores da fonte do crime.

E é em nome dessa moralidade que se estabelece a preliminar para as relações do Ministério com a Câmara.

Será necessário que analisemos os juízes que têm de julgar o sr. João Alfredo?

Serão eles solidários com o liberalista desabusado? Ou reconhecem, como nós, que o sr. Rui Barbosa não tem por fim senão resignar-se ao papel de gato morto, para ver se apanha um distrito na futura partilha do Estado?

Não sabemos e vamos esperar vinte e quatro horas para julgar a atitude do Partido Liberal.

Se ele esposar as idéias do sr. Rui Barbosa, prosseguiremos na análise dos juízes.

Se o Partido Liberal se permitir a insolência de querer manchar parlamentarmente a honra de um homem que tem o passado mais puro, que no presente deu prova da maior altivez moral, satisfazendo à interpelação sobre o empréstimo de Minas; que abriu de par em par a administração para que se visse que o Governo estava extreme de culpa na preferência dada ao sr. Loyo, que não recuou nem diante da devassa de todos os atos do Tesouro e da presidência de Minas; fica-nos o direito de editar tudo quanto anda na voz pública a respeito de todos os chefes liberais, que são chamados a constituir-se em tribunal para julgar o grande réu do maior dos crimes imaginados neste país: -O de não ter adiado um dia a liberdade dos cativos, e de não ter deixado, para os comparsas de Martinho Campos, a glória da redenção de nossa pátria.

3 de maio de 1889

Treze de maio

O vasto templo de progresso e de paz, construído a 13 de maio de 1888, vai crescendo tanto mais quanto mais se afasta da gloriosa data, em que ele foi inaugurado entre aplausos e bênçãos da humanidade civilizada.

Dá-se com as grandes reformas este fenômeno consolador: exercem sobre as gerações uma ação que aumenta na razão direta do tempo decorrido.

Apesar das apreensões ominosas de uma parte da população, a lei de 13 de maio foi desde logo aplaudida pela maioria da nação, com essa expansão bíblica da entrada em Canaã. Percebeu-se-lhe imediatamente a grandeza pela simplicidade da sua fórmula, despida de todas as preocupações econômicas e sociais.

Sentia-se que ela tinha exclusivamente o pensamento da restituição expiatória do homem à humanidade.

Não há, na legislação do mundo, nada mais extraordinário que essa emancipação de um milhão de homens, seguida da mais plena confiança do Estado, nos sentimentos deles. Franqueiam-se-lhes as portas da sociedade, canonizando-se-lhes apenas o passado e dotando-os com as flores do triunfo.

Era em vésperas da colheita; essa gente saía pobre da riqueza que havia acumulado em três séculos de trabalho forçado; vinha com o coração sangrando a saudade secular do Direito. E não há uma desordem; não há um atentado cometido contra os senhores da véspera, compatriotas do dia grandioso.

Ao contrário: um quadro tocante de confraternização se desdobra pelo interior. O novo cidadão sobrestá no alvoroço íntimo para dissipar cavalheirosamente a nuvem da tristeza, que paira sobre a fronte dos proprietários, e, enquanto não mistura lágrimas de solidariedade, enquanto não se compromete a assegurar ao ex-senhor a fortuna ameaçada, não continua no hosanar a liberdade recém-proclamada.

Que belo quadro! Aquelas almas que deviam estar nuas e lancinantes, como um espinheiro, como este florescem de improviso e perfumam o lar, que nem sequer havia pensado na pureza da sua seiva!

Depois dos primeiros dias de festa, como um enxame depois de uma revoada entre a primavera, volvem ao trabalho, e, há um ano, a sociedade só se apercebe da existência do liberto pela continuidade da produção, pela fartura dos mercados.

Por toda a parte trabalho, paz profunda, esquecimento do passado!

Bendito contraste! Enquanto muitos dos que foram feridos pela reparação necessária de uma injustiça secular se revoltam e procuram vingar-se tornando-se o pesadelo da evolução nacional; os ex-escravos consideram-se pagos de toda uma vida de dor e de humilhação com a simples liberdade.

Sem pedir nada mais à pátria, muito contentes com a posse da sua alma e do seu coração, entram pela vida sacando sobre os seus músculos o capital eterno da civilização: o trabalho.

O depoimento em favor deles é dado pelas rendas públicas por meio das alfândegas, os órgãos de assimilação da indústria universal; pelo meio circulante, que precisa de fracionar-se, de maneira a poder ter as pequenas dimensões do salário!

Enquanto os que deviam ter previdentemente economizado em nome das responsabilidades sociais contraídas, pedem o crédito do Estado, e se julgam com o direito de dispor desse patrimônio comum, como outrora dispuseram do trabalho gratuito dos escravizados; os novos cidadãos creditam seu saldo na bolsa da nação, e comprovam o bem-estar relativo da vida indo buscar para a comunhão das sobras do seu suor, uma consorte, que lhes multiplique a responsabilidade na prole desejada.

Todos esses fatos, de profundo valor social, e que não passam despercebidos ao historiador e ao filósofo, testemunham que o dia 13 de maio não foi a explosão romântica de um coração de mulher, mas a sanção da lei natural da mutualidade, que não é impunemente violada.

Pelo reconhecimento do seu direito, o novo cidadão deu-lhe tudo quanto o homem civilizado guarda para as sociedades, que lhe garantem o coração e a atividade, o amor e o trabalho.

Nem ao menos pediu de terra porção maior do que aquela em que cabe a sua enxada, que em cada sulco abre uma sepultura à tirania e um canal de águas-vivas para a liberdade.

Enquanto, usurariamente como Harpagon ao seu cofre, alguns ex-senhores agarram-se tremulamente aos latifúndios; o novo cidadão abre, pelo bem geral, mão de tudo, que ele podia ambicionar, e está tão pronto a dar o seu suor, como o seu sangue, pela terra que ele até agora só ocupava pela enfiteuse da morte.

É para fazer bater tumultuariamente o coração o espetáculo deste ano de nossa história.

As instituições brasileiras tinham alguma cousa das nossas florestas tropicais, que, zombando da sucessão das estações, guardam sempre a mesma folhagem, espreguiçam-se perpetuamente na mesma tépida umbrosidade, com uns farfalhos lânguidos e amorosos, com uma eterna orquestra de ninhos. No mais espesso da brenha, uma casa construída com a despretensão de quem só conta com a visita do sol e dos crepúsculos, das aves e das lianas floridas, com a serenata dos córregos e das estrelas.

Há um ano, como que a nossa natureza social foi bruscamente enquadrada no movimento regular do mundo. Começaram as estações evolutivas.

As instituições sofrem a ação do inverno, que as despiu da velha fronde das superstições e dos preconceitos; que as deixou nuas, tristes, sacudidas pelo vento frio dos lamentos, anoitadas em penumbra de conspirações.

Muitos já desviaram delas o olhar, imigraram como as andorinhas, para se não deixarem traspassar do frio do pavor.

Entretanto, este fenômeno é o mais animador.

Como no inverno, a natureza concentra subterraneamente toda sua vitalidade, e não podendo viver na festa iluminada do ambiente, recolhe-se ao segredo tépido do húmus, onde elabora a renascença primaveril, que a princípio é feia como a morféia, na erupção das gêmulas, para depois se converter em esmeraldas sonoras e em arminho perfumado; as nossas instituições se concentram na administração financeira, amoeda ouro nas suas entranhas, faz seiva das suas rendas, e apronta-se para dar como saldo das suas angústias presentes estradas de ferro, que cortem, de extremo a extremo, o território; imigrantes que nos fecundem a alma e o solo com o seu espírito e com o seu suor; terra que transforme o proletário de hoje no pequeno proprietário, a válvula da democracia, amanhã.

Tudo quanto estamos vendo é novo. A nação sente-se outra, desde que foi dignificada pela grande lei.

Ela pensa que se os negros, espécie de Shivas inconscientes, que com os seus mil braços, tiraram do nada um mundo novo; se os negros que eram ontem a besta de carga, a cousa que se vendia, puderam instantaneamente subir de escravos a propulsores do comércio, das indústrias, das rendas públicas, indiretamente, é certo, mas sensivelmente; muito mais deve poder o Governo que presidiu essa criação.

É tão honroso o desvario, que é dever perdoá-lo.

Os que se queixam, os que se impacientam, não se lembram de que os negros receberam, desde o dia da nossa independência, a delegação, humilhante para nós, da verdadeira soberania humana -o trabalho; que nós praticamos esse erro, em tudo semelhante ao da Europa, da Ásia e da África antigas, que enfeudaram o deserto ao camelo, e por isso mesmo levaram séculos à espera de que o gênio do Gama dobrasse o misterioso cabo das Tormentas.

O camelo atravessava despreocupadamente o deserto, rindo ao simum e às areias em brasa sem impaciências de oásis porque ele o trazia na própria economia orgânica. O homem desfalecia às lufadas e aos sóis e olhava para a travessia ardente como para um oceano de labaredas.

O negro, rebaixado à animalidade bruta, fez uma economia especial, que o aperfeiçoou no trabalho, que o enrijou contra a adversidade, e ao mesmo tempo preparou-o para passar serenamente das regiões da barbaria para as da mais adiantada civilização.

Daí, enquanto o filho da escravidão, como os pupilos da miséria, de que fala Cherbulliez, pode tentar tudo já e já, o Estado precisa de um braço forte, de um caráter limpo e santo, um desses seres extraordinários, que a História sugere aos povos, para compreender a transição de um regime artificial e condenado para o regime natural das sociedades contemporâneas.

O penhor do nosso futuro, porém; o celeiro com que devemos prover a nossa esperança é esse mesmo fato, que nos atordoa. Se os brasileiros, que ocupam as camadas vivas do trabalho, estão em atividade; se eles se responsabilizam pela continuidade e rejuvenescimento do trabalho nacional; por que razão havemos de desanimar; se começando, por sua vez, o trabalho nas outras classes, ele se vai adicionar a tão fecunda parcela?

Deslumbrados por esse ano que termina por um bem-estar financeiro, como não temos, há mais de um quarto de século; certos de que este fato não é passageiro, porque é a progressão crescente, atestada pela nossa história, depois de abolido o tráfico, e libertada a maternidade, ousamos pedir aos nossos compatriotas ordem e fé.

Não nos assustam as exigências do melhor; essa insaciabilidade de progresso e de bem-estar, que desorienta a imprensa e alucina o parlamento, é natural. O céu não extinguiu as nebulosas por se sentir recamado de estrelas.

Essa ânsia de chegar instantaneamente está em todo o nosso século, que já não se contenta com o vapor, e acha vulgares os milagres da eletricidade.

O que pedimos é que nos aconselhemos com a natureza, que não destrói o sol milenário, só porque sabe que dispõe de vias lácteas; que não condena as suas árvores seculares, porque sabe que tem um viveiro eterno de vegetação; que não se priva das suas montanhas por ter segurança da extensão e espessura da crosta da Terra.

O dia 13 de maio nos deve ensinar a preferir as obras da paz e do amor. A fecundidade dessa reforma é a profecia da nossa grandeza. Daremos um novo exemplo ao mundo, resolvendo pelo mesmo processo todas as nossas questões de autonomia nacional.

Olhemos para a natureza e aprendamos a sua eterna lição. O sereno, quase imperceptível no ambiente, leva a umidade mais longe que a mais impetuosa torrente.

13 maio 1889

O isabelismo

A profunda consideração que voto à redação da A Rua obriga-me a acudir pressurosamente em resposta às argüições, que ela me dirige, a respeito de uma frase por mim proferida no dia 13 de maio:

«Enquanto houver sangue e honra abolicionistas, ninguém tocará no trono de Isabel, a Redentora.»


Lançada em circulação sem considerações, que a precederam, semelhante frase, concordo, seria a mais terrível ameaça à democracia; a justificação prévia de todos os abusos do poder.

Infelizmente o meu discurso não foi estenografado e é impossível, hoje, reproduzir integralmente quanto disse.

O meu pensamento, porém, foi acentuar, nos termos os mais precisos, que a data de 13 de maio era a primeira de uma era nova, para a elaboração da qual todos tínhamos concorrido: o imperador, a princesa e o povo; que a essa nova era devia corresponder nova política, para a qual contávamos com a magnanimidade do imperador, que havia feito sacrifício maior que o de Abraão, trazendo ao altar da liberdade pátria em holocausto a sua única e adorada filha; a esta mulher heróica que estreou-se no Governo do país restituindo às mães a dignidade materna e educando os príncipes seus filhos no amor dos infelizes.

Partiam dessas primícias governamentais a nossa veneração e a nossa esperança por Isabel, a Redentora; confiávamos que o seu futuro seria a confirmação de seu passado; que ela seria a imperatriz-opinião; a rainha-fraternidade; exortávamo-la a perseverar nesse sistema de governar, porque enquanto houvesse honra e sangue abolicionistas o seu trono seria sagrado.

Inferir-se daí que eu tentei fechar todas as válvulas da democracia brasileira, que dei o futuro da pátria em hipoteca ao 13 de maio, sem levar em linha de conta o complemento necessário da nova era nacional, é forçar a lógica para tirar uma conclusão arbitrária.

O abolicionismo teve sempre um programa. Não discutiu coletivamente a forma de Governo; ameaçou o trono, ontem, como o condenará amanhã, se ele for um obstáculo à ultimação da reforma social, iniciada em 13 de maio.

Não terá a Coroa aliado mais leal, nem mais dedicado, enquanto se comportar, como até agora, que, ainda malferida pelo combate à escravidão, se atira à campanha da terra e da autonomia local.

Para que A Rua possa compreender a coerência da nossa atitude, é preciso fazer entrar como um dos seus fatores a oposição já levantada pelo liberalismo e pelo republicanismo ao tópico da fala do trono relativo à reorganização territorial.

Quem pela fatalidade dos acontecimentos assumiu perante a historia da democracia da sua terra uma grande responsabilidade não pode ficar à mercê de rótulos, que escondem a falsificação das idéias e a depravação dos caracteres.

O que eu não quero é escravizar o meu país a uma palavra, que é a glória na Suíça, mas que é a vergonha no Peru, só para não parecer contraditório, quando, na realidade, sou coerente perante a Ciência Política sustentando, em nome do meu amor à liberdade, a Monarquia que nos promete a integridade e o progresso pela democracia rural, e opondo-me a essa república, também combatida pela A Rua e de que nos resultará a landocracia a mais audaciosa, e a oligarquia a mais bestial.

Descanse A Rua; não fui vender-me a Isabel, a Redentora, no dia 13 de maio; fui apenas reiterar o protesto abolicionista de fidelidade e solidariedade com a política atual da Coroa, que, disse eu, está hoje colocada sobre um ideal tão grande, que far-se-ia em estilhaços se o quisesse comprimir.

18 de maio de 1889

Gabinetes ministeriais do Império (1878-1889)2

1. Presidente: João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu

Partido Liberal, Bahia.

5 de janeiro de 1878 a 28 de março de 1880.

2. Presidente: José Antônio Saraiva

Partido Liberal, Bahia.

28 de março de 1880 a 21 de janeiro de 1882.

3. Presidente: Martinho Álvares da Silva Campos

Partido Liberal, Minas Gerais.

21 de janeiro a 3 de julho de 1882.

4. Presidente: João Lustosa da Cunha Paranaguá

Partido Liberal, Piauí.

3 de julho de 1882 a 24 de maio de 1883.

5. Presidente: Lafaiete Rodrigues Pereira

Partido Liberal, Minas Gerais.

24 de maio de 1883 a 6 de junho de 1884.

6. Presidente: Manuel Pinto de Sousa Dantas

Partido Liberal, Bahia.

6 de junho de 1884 a 6 de maio de 1885.

7. Presidente: José Antônio Saraiva

Partido Liberal, Bahia.

6 de maio a 20 de agosto de 1885.

8. Presidente: João Maurício Wanderlei (barão de Cotegipe)

Partido Conservador, Bahia.

20 de agosto de 1885 a 10 de março de 1888.

9. Presidente: João Alfredo Correia de Oliveira

Partido Conservador, Pernambuco.

10 de março de 1888 a 7 de junho de 1889.

10. Presidente: Afonso Celso de Assis Figueiredo (visconde de Ouro Preto)

Partido Liberal, Minas Gerais.

7 de junho a 15 de novembro de 1889.

Leis e convenções mais importantes sobre a escravidão e o abolicionismo no Brasil, no século XIX

Tratado de Aliança e Amizade, 1810

Assinado entre o Governo de Portugal e a Inglaterra, uma de suas cláusulas previa a abolição gradual do trabalho escravo na Colônia e a limitação do tráfico às colônias portuguesas na África.

Alvará de 24 de novembro de 1813

Regulou a capacidade interna dos navios empregados no tráfico de escravos.

Convenção de 22 de janeiro de 1815

Determinou o cessamento do tráfico de escravos ao norte da linha do equador, retirando do alcance de Portugal fontes de abastecimento de negros como a Costa da Mina. Portugal consente em delinear com a Inglaterra um futuro tratado para a abolição total do tráfico.

Tratado entre os governos da Inglaterra e Portugal, 28 de julho de 1817

Em reunião complementar à convenção de Viena, foi reforçada a proibição parcial do tráfico de escravos. Este ficava limitado a navios portugueses bona fide e restrito aos territórios portugueses ao sul do equador. O governo português comprometia-se a fiscalizar a área de tráfico considerada ilegal e concedia também à Inglaterra o direito de visita e busca em navios suspeitos de tráfico ilícito.

Lei de 20 de outubro de 1823

Criou os Conselhos Provinciais e o cargo de presidente de Província, atribuindo a ambos (art. 24) promover o bom tratamento dos escravos e propor arbítrios para facilitar a sua lenta emancipação.

Carta de lei de 23 de novembro de 1826

Estabeleceu o prazo de três anos para o encerramento do tráfico de escravos, a contar da data da ratificação. A ratificiação ocorreu em 1827.

Lei de 7 de novembro de 1831

Proibiu o tráfico de escravos para o Brasil, considerando livres todos os negros trazidos para o Brasil a partir daquela data. As pessoas acusadas de tráfico e importação de escravos recebiam penalidades, de acordo com o Código Criminal, pelo crime de reduzir pessoas livres à escravidão.

Lei nº 4, de 10 de junho de 1835

Punia, inclusive com pena de morte, os escravos que matassem, ferissem ou cometessem qualquer ofensa física contra os seus senhores.

Bill Aberdeen, 8 de agosto de 1845

Lei inglesa que considerou o tráfico pirataria e autorizou a Marinha britânica a capturar os navios transgressores, mesmo em águas territoriais brasileiras.

Lei de 4 de setembro de 1850 (Lei Eusébio de Queirós)

Determinou a extinção do tráfico de escravos para o Brasil, prevendo punição apenas para os introdutores julgados pelos auditores da Marinha. Os fazendeiros envolvidos deveriam ser julgados pela justiça local.

Decreto nº 731, de 5 de junho de 1854

Ampliava a competência para julgamento dos auditores da Marinha e determinava a punição, processo e julgamento do cidadão brasileiro ou estrangeiro envolvido em tráfico de escravos.

Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871 (Lei Rio Branco ou Lei do Ventre-Livre)

Declarou livres os filhos de escravos nascidos a partir daquela data. Denominados ingênuos, deveriam permanecer oito anos em poder do proprietário de sua mãe. Findo este prazo, o proprietário poderia libertá-lo, recebendo indenização de 600 mil réis, ou utilizar os seus serviços até completarem 21 anos de idade. A lei criou também o Fundo de Emancipação, cujos recursos seriam utilizados para libertar anualmente um certo número de escravos. E ordenou a matrícula de todos os escravos, cujos dados (origem, sexo, idade, etc.) serviriam para o cálculo da indenização aos proprietários.

Lei provincial, de 25 de março de 1884

O presidente do Ceará, Sátiro Dias, declara extinta a escravidão na província (primeira a fazê-lo) atribuindo o fato essencialmente ao esforço das sociedades libertadoras locais.

Lei 3.270, de 28 de setembro de 1885 (Lei Saraiva-Cotegipe ou Lei dos Sexagenários)

Regulava a extinção gradual do elemento servil, libertando os escravos de mais de 60 anos. Estes ficavam sujeitos, no entanto, a prestar serviços aos seus senhores por três anos (ou até completar 65 anos), a título de indenização pela alforria.

Lei 3.310, de 15 de outubro de 1886

Aboliu a pena de açoites de escravos, ao revogar o art. 60 do Código Criminal e a Lei nº 4, de 10 de junho de 1835, na parte referente ao assunto. O escravo ficaria sujeito às mesmas penas estabelecidas pelo Código Criminal e à legislação em vigor.

Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888 (Lei Áurea)

Declarou extinta a escravidão em todo o país.