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Quadro V

O Largo de São Francisco.

Cena I

BENVINDA, Pessoas do povo, depois FIGUEIREDO.

BENVINDA está exageradamente vestida à última moda e cercada por muitas pessoas do povo, que lhe fazem elogios irônicos.

CORO
Ai, Jesus! Que mulata bonita!
Como vem tão janota e faceira!
Toda a gente por ela palpita!
Ninguém há que adorá-la não queira!
Ai, mulata!
Não há peito que ao ver-te não bata!
BENVINDA
Vão andando seu caminho,
Deixe a gente assossegada!
CORO
Pára ao menos um instantinho!
Não te mostres irritada!
BENVINDA
Gentes! meu Deus! que maçada!
CORO
Dize o teu nome, benzinho

(Coplas.)

BENVINDA

I

Meu nome não digo!
Não quero, aqui está!
Não bulam comigo!
Me deixem passá!
Jesus! quem me acode?
Já vejo que aqui
as moças não pode
sozinha saí!
Sai da frente,
minha gente!
Sai da frente pro favô!
Tenho pressa!
Vou depressa!
Vou pra Rua do Ouvidô!
CORO
Sai da frente!
Minha gente!
Sai da frente por favor!
Vai com pressa!
Vai depressa!
Vai à Rua do Ouvidor!
BENVINDA

II

Não digo o meu nome!
Não tou de maré!
Diabo dos home
que insurta as muié!
Quando eu vou sozinha,
Só ouço, dizê:
«Vem cá, mulatinha,
que eu vou com você!»
Sai da frente, etc...
CORO
Sai da frente, etc...

(FIGUEIREDO aparece e coloca-se aolado de BENVINDA.)

FIGUEIREDO
Meus senhores, que é isto?
Perseguição assim é caso nunca visto!...
Mas saibam que esta fazenda
tem um braço que a defenda!
BENVINDA
Seu Figueiredo
eu tava aqui com muito medo!
CORO

(À meia voz.)

Este é o marchante...
Deixá-los, pois, no mesmo instante!
Provavelmente o tipo é tolo,
e há querer armar um rolo!

(A toda voz, cumprimentando ironicamente FIGUEIREDO.)

Feliz mortal, parabéns
pelo tesouro que tens!
Ah! ah! ah! ah! ah! ah! ah! ah!
Mulher mais bela aqui não há!

(Todos se retiram. Durante as cenas que seguem, até o fim do quadro,passam Pessoas do povo.)

Cena II

FIGUEIREDO, BENVINDA.

FIGUEIREDO.- (Repreensivo.) Já vejo que há de ser muito difícil fazer alguma coisa de ti!

BENVENIDA.- Eu não tenho curpa que esses diabo...

FIGUEIREDO.- (Atalhando.) Tens culpa, sim! Em primeiro lugar, essa toalete é escandalosa! Esse chapéu é descomunal!

BENVENIDA.- Foi o sinhô que escolheu ele!

FIGUEIREDO.- Escolhi mal! Depois, tu abusas do face-en-main!

BENVENIDA.- Do... do quê?

FIGUEIREDO.- Disto, da luneta! Em francês chama-se face-en-main. Não é preciso estar a todo o instante... (Faz o gesto de quem leva aos olhos o face-en-main.) Basta que te sirvas disso lá uma vez por outra, e assim, olha, assim, com certo ar de sobranceria. (Indica.) E não sorrias a todo instante, como uma bailarina... A mulher que sorri sem cessar é como o pescador quando atira a rede: os homens vêm aos cardumes, como ainda agora! E esse andar? Por que gingas tanto? Por que te remexes assim?

BENVINDA.- (Chorosa.) Oh! meu Deus! Eu ando bem direitinha... não olho pra ninguém... Estes diabo é que intica comigo. Vem cá, mulatinha! Meu bem, ouve aqui uma coisa!

FIGUEIREDO.- Pois não respondas! Vai olhando sempre para a frente! Não tires os olhos de um ponto fixo, como os acrobatas, que andam na corda bamba... Olha, eu te mostro... Faze de conta que eu sou tu e estou passando... Tu és um gaiato, e me dizes uma gracinha quando eu passar por ti. (Afasta-se, e passa pela frente de BENVINDA muito sério.) Vamos, dize alguma coisa!...

BENVENIDA.- Dizê o quê?

FIGUEIREDO.- (À parte.)Não compreendeu! (Alto.) Qualquer coisa! Adeus, meu bem! Aonde vai com tanta pressa! Olha o lenço que caiu!

BENVENIDA.- Ah! bem!

FIGUEIREDO.- Vamos, outra vez. (Repete o movimento.)

BENVENIDA.- Adeus, seu Figueiredo.

FIGUEIREDO.- Que Figueiredo! Eu agora sou Benvinda! E a propósito: hei de arranjar-te um nome de guerra.

BENVENIDA.- De guerra? Uê!...

FIGUEIREDO.- Sim, um nome de guerra. É como se diz. Benvinda é nome de preta velha. Mas não se trata agora disso. Vou passar de novo. Não te esqueças de que eu sou tu. Já compreendeste?

BENVENIDA.- Já, sim sinhô.

FIGUEIREDO.- Ora, muito bem! Lá vou eu. (Repete o movimento.)

BENVINDA.- (Enquanto ele passa.) Ouve uma coisa, mulata! Vem cá, meu coração!...

FIGUEIREDO.- (Que tem passado imperturbável.)Viste? Não se dá troco! Arranja-se um olhar de mãe de família! E diante desse olhar, o mais atrevido se desarma! Vamos! anda um bocadinho até ali! Quero ver se aprendeste alguma coisa!

BENVENIDA.- Sim, sinhô. (Anda.)

FIGUEIREDO.- Que o quê! Não é nada disso! Não é preciso fazer projeções do holofote para todos os lados! Assim, olha... (Anda.) Um movimento gracioso e quase imperceptível dos quadris...

BENVINDA.- (Rindo.) Que home danado!

FIGUEIREDO.- É preciso também corrigir o teu modo de falar, mas a seu tempo trataremos desse ponto, que é essencial. Por enquanto o melhor que tens a fazer é abrir a boca o menor número de vezes possível, para não dizeres home em vez de homem e quejandas parvoíces... Não há elegância sem boa prosódia. Aonde ias tu?

BENVENIDA.- Ia na Rua do Ouvidô.

FIGUEIREDO.- (Emendando.)Ouvidorr... Ouvidorr... Não faças economia nos erres, porque apesar da carestia geral, eles não aumentarão de preço. E sibila bem os esses. Assim... Bom. Vai e até logo! Mas vê lá: nada de olhadelas, nada de respostas! Vai!

BENVENIDA.- Inté logo.

FIGUEIREDO.- Que inté logo! Até logo é que é! Olha, em vez de inté logo, dize: Au revoir! Tem muita graça de vez em quando uma palavra ou uma expressão francesa.

BENVENIDA.- Ó revoá!

FIGUEIREDO.- Antes isso! (BENVINDA afasta-se.) Não te mexas tanto, rapariga! Ai! Ai! Isso! Agora foi demais! Ai! (BENVINDA desaparece.) De quantas tenho lançado, nenhuma me deu tanto trabalho! Há de ser difícil coisa lapidar este diamante! É uma vergonha! Não pode estar ao pé de gente!

(LOLA vai atravessando a cena; vendo FIGUEIREDO, encaminha-se para ele.)

Cena III

FIGUEIREDO, LOLA.

LOLA.- Oh! estimo encontrá-lo! Pode dar-me uma palavra?

FIGUEIREDO.- Pois não, minha filha!

LOLA.- Não o comprometo?

FIGUEIREDO.- De forma alguma! Vossemecê já está lançada!

LOLA.- Como?

FIGUEIREDO.- Vossemecês só envergonham a gente antes de lançadas.

LOLA.- Não entendo.

FIGUEIREDO.- Nem é preciso entender. Que desejava?

LOLA.- Lembra-se de mim?

FIGUEIREDO.- Perfeitamente. Encontramo-nos um dia no vestíbulo do Grande Hotel da Capital Federal.

LOLA.- (Apertando-lhe a mão.) Nunca mais me esqueci da sua fisionomia. O senhor não é bonito... oh! não! mas é muito insinuante.

FIGUEIREDO.- (Modestamente.) Oh! filha!...

LOLA.- Lembra-se do motivo que me levava àquele hotel?

FIGUEIREDO.- Lembra-me. Vossemecê ia à procura de um moço que apontava na primeira dúzia.

LOLA.- Vejo que tem boa memória. Pois é na sua qualidade de hóspede do Grande Hotel da Capital Federal que me atrevo a pedir-lhe uma informação.

FIGUEIREDO.- Mas eu há muitos dias já lá não moro! Era um bom hotel, não nego, mas que quer? Não me levavam o café ao quarto às sete horas em ponto! Entretanto, se for coisa que eu saiba...

LOLA.- Queria apenas que me desse notícias do Gouveia.

FIGUEIREDO.- Do Gouveia?

LOLA.- O tal da primeira dúzia.

FIGUEIREDO.- Mas eu não o conheço!

LOLA.- Deveras?

FIGUEIREDO.- Nunca o vi mais gordo!

LOLA.- Que pena! Supus que o conhecesse!

FIGUEIREDO.- Pode ser que o conheça de vista, mas não ligo o nome à pessoa.

LOLA.- Tenho-o procurado inúmeras vezes no hotel... e não há meio! Não está! Saiu! Há três dias não aparece cá! Um inferno!...

FIGUEIREDO.- Continua a amá-lo?

LOLA.- Sim, continuo, porque a primeira dúzia, pelo menos até a última vez que lhe falei, não tinha ainda falhado; mas como não o vejo há muitos dias, receio que a sorte afinal se cansasse.

FIGUEIREDO.- Então o seu amor regula-se pelos caprichos da bola da roleta?

LOLA.- É como diz. Ah! eu cá sou franca!

FIGUEIREDO.- Vê-se!

(Coplas.)

LOLA

I

Este afeto incandescente

pela bola se regula

que vertiginosamente

na roleta salta e pula!


FIGUEIREDO
Vossemecê o moço estima

dando a bola de um a doze;

mas de treze para cima

ce n'est pas la même chose!


LOLA

II

É Gouveia um bom pateta

se supõe que inda o quisesse

quando a bola da roleta

a primeira já não desse!


FIGUEIREDO
A mulata brasileira

de carinhos é fecunda,

embora dando a primeira,

embora dando a segunda!


LOLA.- E, por outro lado, ando apreensiva...

FIGUEIREDO.- Por quê?

LOLA.- Porque... O senhor não estranhe estas confidências por parte de uma mulher que nem ao menos sabe o seu nome.

FIGUEIREDO.- Figueiredo...

LOLA.- Mas, como já disse, a sua fisionomia é tão insinuante... simpatizo muito com o senhor.

FIGUEIREDO.- Creia que lhe pago na mesma moeda. Digo-lhe mais: se eu não tivesse a minha especialidade... (À parte.) Deixem lá! Se o moreno fosse mais carregado...

LOLA.- Ando apreensiva porque a Mercedes me contou que há dias viu o Gouveia no teatro com uma família que pelos modos parecia gente da roça... e ele conversava muito com uma moça que não era nada feia... Tenho eu que ver se o tratante se apanha com uma boa bolada arranja casório e eu fico a chuchar no dedo!

FIGUEIREDO.- (À parte.) Ela exprime-se com muita elegância!

LOLA.- Dos homens tudo há que esperar!

FIGUEIREDO.- Tudo, principalmente quando dá a primeira dúzia.

LOLA.- (Estendendo a mão que ele aperta.)Adeus, Figueiredo.

FIGUEIREDO.- Adeus... Como te chamas?

LOLA.- Lola.

FIGUEIREDO.- Adeus, Lola.

LOLA.- (Com uma idéia.) Ah! uma coisa: você é homem que vá a uma festa?

FIGUEIREDO.- Conforme.

LOLA.- Eu faço anos sábado...

FIGUEIREDO.- Este agora?

LOLA.- Não; o outro.

FIGUEIREDO.- Sábado de aleluia?

LOLA.- Sábado de aleluia, sim. Faço anos e dou um baile à fantasia.

FIGUEIREDO.- Bravo! Não faltarei!

LOLA.- Contanto que vá fantasiado! Se não vai, não entra!

FIGUEIREDO.- Irei fantasiado.

LOLA.- Aqui tem você a minha morada. (Dá-lhe um cartão.)

FIGUEIREDO.- Aceito com muito prazer, mas olhe que não vou sozinho...

LOLA.- Vai com quem quiseres.

FIGUEIREDO.- Levo comigo uma trigueira que estou lançando, e que precisa justamente de ocasiões como essa para civilizar-se.

LOLA.- Aquela casa é tua, meu velho! (Vendo GOUVEIA que entra do outro lado, cabisbaixo, e não repara nela.) Olha quem vem ali!

FIGUEIREDO.- Quem?

LOLA.- Aquele é que é o Gouveia.

FIGUEIREDO.- Ah! é aquele?... Conheço-o de vista... É um moço do comércio.

LOLA.- Foi. Hoje não faz outra coisa senão jogar. Mas como está cabisbaixo e pensativo! Querem ver que a primeira dúzia...

FIGUEIREDO.- Adeus! Deixo-te com ele. Até sábado de aleluia!

LOLA.- Não faltes, meu velho! (Apertam-se as mãos.)

FIGUEIREDO.- (À parte.)Dir-se-ia que andamos juntos na escola! (Sai.)

Cena IV

LOLA, GOUVEIA.

GOUVEIA.- (Descendo cabisbaixo ao proscênio.) Há três dias dá a segunda dúzia... Consultei hoje a escrita: perdi em noventa e cinco bolas o que tinha ganho em perto de mil e duzentas! Decididamente aquele famoso padre do Pará tinha razão quando dizia que não se deve apontar a roleta nem com o dedo, porque o próprio dedo pode lá ficar!

LOLA.- (À parte, do outro lado.)Fala sozinho!

GOUVEIA.- Hei de achar a forra! O diabo é que fui obrigado a pôr as jóias no prego. Venho neste instante da casa do judeu. É sempre pelas jóias que começa a esbodegação...

LOLA.- (À parte.) Continua... Aquilo é coisa...

GOUVEIA.- Com certeza vão dar por falta dos meus brilhantes... Pobre Quinota! Se ela soubesse! Ela, tão simples, tão ingênua, tão sincera!

LOLA.- (Aproximando-se inopinadamente.) Tu estás maluco?

GOUVEIA.- Hein?... Eu... Ah! és tu? Como vais?...

LOLA.- Estavas falando sozinho?

GOUVEIA.- Fazendo uns cálculos...

LOLA.- Aconteceu-te alguma coisa desagradável? Tu não estás no teu natural!

GOUVEIA.- Sim... aconteceu-me... fui roubado... um gatuno levou as minhas jóias... e eu estava aqui planejando deixar hoje a primeira dúzia e atacar dois esguichos, o esguicho de 7 a 12 e o esguicho de 25 a 30, a dobrar, a dobrar!

LOLA.- (Com ímpeto.) A primeira dúzia falhou?

GOUVEIA.- Falhou... (A um gesto de LOLA.) Mas descansa: eu já a tinha abandonado antes que ela me abandonasse.

LOLA.- Tens então continuado a ganhar?

GOUVEIA.- Escandalosamente!

LOLA.- Ainda bem, porque sábado de aleluia faço anos...

GOUVEIA.- É verdade... fazes anos no sábado de aleluia...

LOLA.- É preciso gastar muito dinheiro! Tenho te procurado um milhão de vezes! No hotel dizem-me que lá nem apareces!

GOUVEIA.- Exageração.

LOLA.- E outra coisa: quem era uma família com quem estavas uma noite destas no S. Pedro? Uma família da roça?

GOUVEIA.- Quem te disse?

LOLA.- Disseram-me. Que gente é essa?

GOUVEIA.- Uma família muito respeitável que eu conheci quando andei por Minas.

LOLA.- Gouveia, Gouveia, tu enganas-me!

GOUVEIA.- Eu? Oh! Lola! Nunca te autorizei a duvidares de mim!...

LOLA.- Nessa família há uma moça que... Oh! o meu coração adivinha uma desgraça, e... (Desata a chorar.)

GOUVEIA.- (À parte.) É preciso, realmente, que ela me ame muito, para ter um pressentimento assim! (Alto.) Então? Que é isso? Não chores! Vê que estamos na rua!...

LOLA.- (À parte.) Pedaço d'asno!

GOUVEIA.- Eu irei logo lá à casa, e conversaremos.

LOLA.- Não! não te deixo! Hás de ir agora comigo, hás de acompanhar-me, senão desapareces como aquela vez, no Largo da Carioca!

GOUVEIA.- Mas...

LOLA.- Ou tu me acompanhas, ou dou um escândalo!

GOUVEIA.- Bom, bom, vamos. Tens aí o carro?

LOLA.- Não, que o Lourenço, coitado, foi passar uns dias em Caxambu. Vamos a pé. Bem sei que tu tens vergonha de andar comigo em público, mas isso são luxos que deves perder!

GOUVEIA.- Vamos! (À parte.) Hei de achar meio de escapulir...

LOLA.- Vamos! (À parte.) Ou eu me engano, ou está liquidado!

(Afastam-se. Entram pelo outro lado EUSÉBIO, FORTUNATA e QUINOTA, que os vêem sem serem vistos por eles.)

Cena V

EUSÉBIO, FORTUNATA, QUINOTA.

FORTUNATA.- Olhe. Lá vai! É ele! É seu Gouveia com a mesma espanhola com quem estava aquela noite no jardim do Recreio! (Correndo a gritar.)Seu Gouveia! seu Gouveia!...

Eusébio (Agarrando-a pela saia.) Ó senhora! não faça escândalo! Que maluquice de muié!...

QUINOTA.- (Abraçando o pai, chorosa.) Papai, eu sou muito infeliz!

EUSÉBIO.- Aqui está! É o que a senhora queria!

FORTUNATA.- Aquilo é um desaforo que eu não posso admiti! O diabo do home é noivo de nossa filha e anda por toda a parte cuma pelintra!

EUSÉBIO.- Que pelintra, que nada!... Não acredita, fia da minha bença. É uma prima dele. Coitadinha! Chorando! (Beija-lhe os olhos.)

QUINOTA.- Eu gosto tanto daquele ingrato!

EUSÉBIO.- Ele também gosta de ti... e há de casá contigo... e há de um bom marido!

FORTUNATA.- (Puxando EUSÉBIO de lado.) É perciso que você tome uma porvidência quaqué, seu Eusébio -senão, faço uma estralada!...

EUSÉBIO.- (Baixo.) Descanse... Eu já tomei informação... Já sei onde mora essa espanhola... Agora mesmo vou procurá ela. Vá as duas já pra casa! Eu já vou.

FORTUNATA.- E Juquinha? Por onde anda aquele menino?

EUSÉBIO.- Deixe, que o pequeno não se perde... Está lá no Belódromo, aprendendo a andá naquela coisa... Cumo chama?

QUINOTA.- Bicicleta.

EUSÉBIO.- É. Diz que é bom pra desenvorvê os músquios!

FORTUNATA.- Desenvorvê a vadiação é que é!

QUINOTA.- Ele é tão criança!

EUSÉBIO.- Deixa o menino se adiverti. Vão pra casa.

QUINOTA.- Lá vamos para aquele forno!

EUSÉBIO.- Tem paciência, Quinota! Enquanto não se arranja coisa mió, a gente deve se contentá c'aquele sote.

FORTUNATA.- Vamo, Quinota!

QUINOTA.- Não se demore, papai!

EUSÉBIO.- Não.

FORTUNATA.- (Saindo.) Eu tô mas é doida pra me apanhá na fazenda!

(EUSÉBIO leva as senhoras até o bastidor e, voltando-se, vê pelas costas BENVINDA.)

Cena VI

EUSÉBIO, BENVINDA.

BENVINDA.- (Consigo.) Parece que assim o meu andá tá direito...

EUSÉBIO.- (Consigo.)Xi que tentação! (Seguindo BENVINDA.) Psiu!... Ó Dona... Dona!...

BENVINDA.- (À parte.) Esta voz... (Volta-se.) Sinhô Eusébio!

EUSÉBIO.- Benvinda!!...

BENVINDA.- (Assestando o face-en-main.) Ó revoá.

EUSÉBIO.- A mulata de luneta, minha Nossa Senhora! Este mundo perdido!...

BENVINDA.- (Dando-se ares e sibilando os esses.) Deseja alguma coisa? Estou as suas ordes!

EUSÉBIO.- Ah! ah! ah! que mulata pernóstica! Quem havia de dizê! Vem cá, diabo, vem cá; me conta tua vida!

BENVINDA.- (Mudando de tom.)Vam'cê não zangado comigo?

EUSÉBIO.- Eu não! Tu era senhora do teu nariz! O que tu podia feito era se despedi da gente... Dona Fortunata não te perdoa! E seu Borge, quando soubé, há de ficá danado, porque ele gosta de ti.

BENVENIDA.- Se ele gostasse de mim, tinha se casado comigo.

EUSÉBIO.- Ele um dia me deu a entendê que se eu te desse um dote...

BENVENIDA.- Vamcês ainda mora no hoté?

EUSÉBIO.- Não. Nos mudemo para um sote da rua dos Inválio. Paguemo sessenta mi-réis.

BENVENIDA.- Seu Gouveia já apareceu?

EUSÉBIO.- Apareceu e tudo combinado... (À parte.) O diabo é a espanhola!

BENVENIDA.- Sinhá? nhanhã? nhô Juquinha? tudo bom?

EUSÉBIO.- Tudo! Tudo bom?

BENVENIDA.- Nhô Juquinha eu vejo ele às vez passá na Rua do Lavradio... com outros menino...

EUSÉBIO.- aprendendo a andá no... n... nesses carro de duas roda, uma atrás outra adiante, que a gente trepa em cima e tem um nome esquisito...

BENVENIDA.- Eu sei.

EUSÉBIO.- E tu, mulata?

BENVENIDA.- Eu com seu Figueiredo.

EUSÉBIO.- Sei lá quem é seu Figueiredo!

BENVENIDA.- Tou morando na Rua do Lavradio, canto da Rua da Relação. (Assestando o face-en-main.) Se quisé aparecê não faça cerimônia. (Sai requebrando-se.) Ó revoá!

EUSÉBIO.- Aí, mulata!

Cena VII

EUSÉBIO, depois JUQUINHA.

EUSÉBIO.- O curpado fui eu... Quando me alembro que seu Borge queria casá com ela... Bastava um dote, quaqué coisa... dois ou três conto de réis... Mas deixa está: ele não sabe de nada, e tarvez que a coisa ainda se arranje. Quem não sabe é como quem não vê. (Vendo passar JUQUINHA montado numa bicicleta.) Eh! Juquinha... Menino, vem cá!

JUQUINHA.- Agora não posso, não, sinhô! (Desaparece.)

EUSÉBIO.- Ah! menino! Espere lá!

(Corre atrás do JUQUINHA. Gargalhada dos circunstantes. Mutação.)

Quadro VI

Saleta em casa de LOLA.

Cena I

LOLA e GOUVEIA.

LOLA entra furiosa. Traz vestida uma elegante bata. GOUVEIA acompanha-a. Vem vestido de Mefistófeles.

LOLA.- Não! Isto não se faz! E o senhor escolheu o dia dos meus anos para me fazer essa revelação! Devia esperar pelo menos que acabasse o baile! Com que mau humor vou agora receber os meus convidados! (Caindo numa cadeira.) Oh! os meus pressentimentos não me enganavam!...

GOUVEIA.- Esse casamento é inevitável; quando estive em S. João do Sabará, comprometi-me com a família de minha noiva e não posso faltar à minha palavra!

LOLA.- Mas por que não me disse nada? Por que não foi franco?

GOUVEIA.- Supus que essa dívida tivesse caído em exercícios findos; mas a pequena teve saudades minhas, e tanto fez, tanto chorou, que o pai se viu obrigado a vir procurar-me! Como vês, é uma coisa séria!

LOLA.- Mas o senhor não pode procurar um subterfúgio qualquer para evitar esse casamento? Que idéia é essa de se casar agora que está bem, quem tem sido feliz no jogo? E eu? que papel represento eu em tudo isto?

GOUVEIA.- (Puxando uma cadeira.) Lola, vou ser franco, vou dizer-te toda a verdade. (Senta-se.) Há muito tempo não faço outra coisa senão perder... O outro dia tive uma aragem passageira, um sopro de fortuna, que serviu apenas para pagar as despesas da tua festa de hoje e mandar fazer esta roupa de Mefistófeles! Estou completamente perdido! As minhas jóias não foram roubadas, como eu te disse. Deitei-as no prego e vendi as cautelas. Para fazer dinheiro, eu, que aqui vês coberto de seda, tenho vendido até a roupa do meu uso... Nessas casas de jogo já não tenho a quem pedir dinheiro emprestado. Os banqueiros olham-me por cima dos ombros, porque eu tornei-me um piaba... Sabes o que é um piaba? É um sujeito que vai jogar com muito pouco bago. Estou completamente perdido!

LOLA.- (Erguendo-se.) Bom. Prefiro essa franqueza. É muito mais razoável.

GOUVEIA.- (Erguendo-se.) Esse casamento é a minha salvação; eu...

LOLA.- Não precisa dizer mais nada. Agora sou eu a primeira a aconselhar-te que te cases, e quanto antes melhor.

GOUVEIA.- Mas, minha boa Lola, eu sei que com isso vais padecer bastante, e...

LOLA.- Eu? Ah! ah! ah!... Só esta me faria rir!... Ah! ah! ah! ah!... Sempre me saíste um grande tolo! Pois entrou-te na cabeça que eu algum dia quisesse de ti outra coisa que não fosse o teu dinheiro?

GOUVEIA.- (Horrorizado.) Oh!

LOLA.- E realmente supunhas que eu te tivesse amor?

GOUVEIA.- (Caindo em si.) Compreendo e agradeço o teu sacrifício, minha boa Lola. Tu está a fingir uma perversidade e um cinismo que não tens, para que eu saia desta casa sem remorsos! Tu és a Madalena, de Pinheiro Chagas!

LOLA.- E tu és um asno! O que te estou dizendo é sincero! Estava eu bem aviada se me apaixonasse por quem quer que fosse!

GOUVEIA.- Dar-se-á caso que te saíssem do coração todos aqueles horrores?

LOLA.- Do coração? Sei lá o que isso é! O que afianço é que sou tão sincera, que me comprometo a amar-te ainda com mais veemência que da primeira vez, no dia em que resolveres dar cabo do dote da tua futura esposa!

GOUVEIA.- (Com uma explosão.) Cala-te, víbora danada! Olha que nem o jogo, nem os teus beijos me tiraram totalmente o brio! Eu posso fazer-te pagar bem caro os teus insultos!

LOLA.- Ora, vai te catar! Se julgas amedrontar-me com esses ares de galã de dramalhão, enganas-te redondamente! Depois, repara que estás vestido de Mefistófeles! Esse traje prejudica os teus efeitos dramáticos! Vai, vai ter com a tua roceira. Casem-se, sejam muito felizes, tenham muitos Gouveiazinhos, e não me amoles mais!

(GOUVEIA avança, quer dizer alguma coisa, mas não acha uma palavra. Encolhe os ombros e sai.)

Cena II

LOLA, depois LOURENÇO.

LOLA.- (Só.) Faltou-lhe uma frase, para o final da cena -coitado! A respeito da imaginação, este pobre rapaz foi sempre uma lástima! -Os homens não compreendem que o seu único atrativo é o dinheiro! Este pascácio devia ser o primeiro a fazer uma retirada em regra, e não se sujeitar a tais sensaborias! Bastavam quatro linhas pelo correio. -Oh! também a mim, quando eu ficar velha e feia, ninguém me há de querer! Os homens têm o dinheiro, nós temos a beleza; sem aquele e sem esta, nem eles nem nós valemos coisa nenhuma.

(Entra LOURENÇO, trajando uma libré de cocheiro. Vem a rir-se.)

LOURENÇO.- Que foi aquilo?

LOLA.- Aquilo quê?

LOURENÇO.- O Gouveia! Veio zunindo pela escada abaixo e, no saguão, quando eu me curvei respeitosamente diante dele, mandou-me ao diabo, e foi pela rua fora, a pé, vestido de satanás de mágica! Ah! ah! ah!

LOLA.- Daquele estou eu livre!

LOURENÇO.- Eu não dizia a você? Aquilo é bananeira que já deu cacho!

LOLA.- Que vieste fazer aqui? Não te disse que ficasses lá embaixo?

LOURENÇO.- Disse, sim, mas é que está aí um matuto, pelos modos fazendeiro, que deseja falar a você.

LOLA.- A ocasião é imprópria. São quase horas, ainda tenho que me vestir!

LOURENÇO.- Coitado! o pobre-diabo já aqui veio um ror de vezes a semana passada, e parece ter muito interesse nesta visita. Demais... você bem sabe que nunca se manda embora um fazendeiro.

LOLA.- Que horas são?

LOURENÇO.- Oito e meia. Já estão na sala alguns convidados.

LOLA.- Bem! num quarto de hora eu despacho esse matuto. Faze-o entrar.

LOURENÇO.- É já. (Sai assoviando.)

LOLA.- (Só.) Como anda agora lépido o Lourenço! Voltou de Caxambu que nem parece o mesmo! Ele tem razão: um fazendeiro nunca se manda embora.

LOURENÇO.- (Introduzindo EUSÉBIO muito corretamente.) Tenha V. Exa. a bondade de entrar.

(EUSÉBIO entra muito encafifado e LOURENÇO sai fechando a porta.)

Cena III

LOLA, EUSÉBIO.

EUSÉBIO.- Boa nôte, madama! Deus esteje nesta casa!

LOLA.- Faz favor de entrar, sentar-se e dizer o que deseja. (Oferece-lhe uma cadeira. Sentam-se ambos.)

EUSÉBIO.- Na sumana passada eu precurei a madama um bandão de vez sem conseguir le falá...

LOLA.- E por que não veio esta semana?

EUSÉBIO.- Dona Fortunata não quis, por sê sumana santa... Eu então esperei que rompesse as aleluia! (Uma pausa.) Eu pensei que a madama embrulhasse língua comigo, e eu não entendesse nada que a madama dissesse, mas vendo que fala muito bem o português...

LOLA.- Eu sou espanhola e... o senhor sabe... o espanhol parece-se muito com o português; por exemplo: hombre, homem; mujer, mulher.

EUSÉBIO.- (Mostrando o chapéu que tem na mão.) E como é chapéu, madama?

LOLA.- Sombrero.

EUSÉBIO.- E guarda-chuva?

LOLA.- Paraguas.

EUSÉBIO.- É! Parece quase a mesma coisa! E cadeira?

LOLA.- Silla.

EUSÉBIO.- E janela?

LOLA.- Ventana.

EUSÉBIO.- Muito parecido!

LOLA.- Mas, perdão, creio que não foi para aprender espanhol que o senhor veio à minha casa...

EUSÉBIO.- Não, madama, não foi para aprendê espanhol: foi para tratá de coisa munto séria!

LOLA.- De coisa séria? Comigo! É esquisito!...

EUSÉBIO.- Não é esquisito, não madama; eu sou o pai da noiva de seu Gouveia!...

LOLA.- Ah!

EUSÉBIO.- Cumo minha fia anda munto desgostosa pru via da madama, eu me alembrei de vi na sua casa para sabê... sim, para sabê se é possive a madama se separá de seu Gouveia. Se fô possive, munto que bem; se não , paciência: a gente arruma as mala, e amenhã memo vorta pra fazenda. Minha fia é bonita e é rica; não há de defunto sem choro!...

LOLA.- Compreendo: o senhor vem pedir a liberdade de seu futuro genro!

EUSÉBIO.- Sim, madama; eu quero o moço livre e desembaraçado de quaqué ônus! (LOLA levanta-se, fingindo uma comoção extraordinária; quer falar, não pode, e acaba numa explosão de lágrimas. EUSÉBIO levanta-se.) Que é isso? A madama chorando?!...

LOLA.- (Entre lágrimas.) Perder o meu adorado Gouveia! Oh! o senhor pede-me um sacrifício terrível! (Pausa.) Mas eu compreendo... Assim é necessário... Entre a mulher perdida e a menina casta e pura. Entre o vício e a virtude, é o vício que deve ceder... Mas o senhor não imagina como eu amo aquele moço e quantas lágrimas preciso verter para apagar a lembrança do meu amor desgraçado! (Abraça EUSÉBIO, escondendo o rosto nos ombros dele, e soluça.) Sou muito infeliz!

EUSÉBIO.- (Depois de uma pausa, em que faz muitas caretas.) Então, madama?... sossegue... A madama não perde nada... (À parte.) Que cangote cheiroso!...

LOLA.- (Olhando para ele, sem tirar a cabeça do ombro.) Não perco nada? que quer o senhor dizer com isso?

EUSÉBIO.- Quero dizê que... sim... quero dizê... Home, madama, tira a cabeça daí, porque assim eu não acerto cas palavras!

LOLA.- (Sem tirar a cabeça.) Sim, a minha porta se fechará ao Gouveia... Juro-lhe que nunca mais o verei... Mas onde irei achar consolação?... Onde encontrarei uma alma que me compreenda, um peito que me abrigue, um coração que vibre harmonizado com o meu?

EUSÉBIO.- Nós podemo entrá num ajuste.

LOLA.- (Afastando-se dele com ímpeto.) Um ajuste?! Que ajuste?! O senhor quer talvez propor-me dinheiro!... Oh! por amor dessa inocente menina, que é sua filha, não insulte, senhor, os meus sentimentos, não ofenda o que eu tenho de mais sagrado!...

EUSÉBIO.- (À parte.) É um pancadão! Seu Gouveia teve bom gosto!...

LOLA.- O senhor quer que eu deixe o Gouveia porque sua filha o ama e é amada por ele, não é assim? Pois bem: é seu o Gouveia; dou-lho, mas dou-lho de graça, não exijo a menor retribuição!

EUSÉBIO.- Mas o que vinha propô à madama não era um pagamento, mas uma... Cumo chama aquilo que se falou cando foi o 13 de Maio? Uma... Ora, sinhô! (Lembrando-se.) Ah! uma indenização! O caso muda muito de figura!

LOLA.- Não! -nenhuma indenização pretendo! Mas de ora em diante fecharei o meu coração aos mancebos da capital, e só amarei (Enquanto fala vai arranjando o laço da gravata e a barba de EUSÉBIO.) algum homem sério... de meia-idade... filho do campo... ingênuo... sincero... incapaz de um embuste... (Alisando-lhe o cabelo.) Oh! Não exigirei que ele seja belo... Quanto mais feio for, menos ciúmes terei! (EUSÉBIO cai como desfalecido numa cadeira, e LOLA senta-se no colo dele.) A esse hei de amar com frenesi... com delírio!... (Enche-o de beijos.)

EUSÉBIO.- (Resistindo e gritando.) Eu quero i me embora! (Ergue-se.)

LOLA.- Cala-te, criança louca!...

EUSÉBIO.- Criança louca! Uê!...

LOLA.- (Com veemência.) Desde que transpuseste aquela porta, senti que uma força misteriosa e magnética me impelia para os teus braços! Ora, o Gouveia! Que me importa a mim o Gouveia se és meu, se estás preso pela tua Lola, que não te deixará fugir?

EUSÉBIO.- Isso tudo é verdade?

LOLA.- Estes sentimentos não se fingem! Eu adoro-te!

EUSÉBIO.- Eu me conheço... já sou um home de idade... não sei falá como os doutô da capitá federá...

LOLA.- Mas é isso mesmo o que mais me encanta na tua pessoa!

EUSÉBIO.- Quando a esmola é munta, o pobre desconfia.

LOLA.- Põe à prova o meu amor! Já te não sacrifiquei o Gouveia?

EUSÉBIO.- Isso é verdade.

LOLA.- Pois sacrifico-te o resto!... Queres que me desfaça de tudo quanto possuo, e que vá viver contigo numa ilha deserta?... Oh! bastam-me o teu amor e uma choupana! (Abraça-o.) Dá-me um beijo! Dá-mo como um presente do céu! (EUSÉBIO limpa a boca com o braço e beija-a.) Ah! (LOLA fecha os olhos e fica como num êxtase.)

EUSÉBIO.- (À parte.) Seu Eusébio perdido! (Dá-lhe outro beijo.)

LOLA.- (Sem abrir os olhos.) Outro... outro beijo ainda... (EUSÉBIO beija-a e ela afasta-se, esfregando os olhos.) Oh! Não será isto um sonho?

EUSÉBIO.- Bom, madama, com sua licença: eu vou me embora...

LOLA.- Não; não consinto! Faço hoje anos e dou uma festa. A minha sala já está cheia de convidados.

EUSÉBIO.- Ah! por isso é que, quando eu entrei, subia uns mascarado...

LOLA.- Sim; é um baile à fantasia. Precisas de um vestuário.

EUSÉBIO.- Que vestuário, madama?

LOLA.- Espera. Tudo se arranjará. (Vai à porta.) Lourenço!

EUSÉBIO.- Que vai fazê, madama?

LOLA.- Vais ver.

Cena IV

Os mesmos, LOURENÇO.

LOLA.- (A LOURENÇO que se apresenta muito respeitosamente.)Vá com este senhor a uma casa de alugar vestimentas à fantasia a fim de que ele se prepare para o baile.

EUSÉBIO.- Mas...

LOLA.- (Súplice.)Oh! não me digas que não! (A LOURENÇO.) Dê ordem ao porteiro para não deixar entrar o Sr. Gouveia. Esse moço morreu para mim!

LOURENÇO.- (À parte.) Que diabo disto será aquilo?

LOLA.- (Baixo a EUSÉBIO.) Estás satisfeito? (Antes que ele responda.) Vou preparar-me também. Até logo! (Sai pela direita.)

Cena V

EUSÉBIO, LOURENÇO.

EUSÉBIO.- (Consigo.) Sim, sinhô; isto é o que se chama vi buscá lã e saí tosquiado! -Se Dona Fortunata soubesse... (Dando com o LOURENÇO.) Vamos lá, seu... cumo o sinhô se chama?

LOURENÇO.- Lourenço, para servir a V. Ex.ª

EUSÉBIO.- Vamos lá, seu Lourenço... (Sem arredar pé de onde está.) Isto é o diabo! Enfim!... Mas que espanhola danada! (Encaminha-se para a porta e faz lugar para LOURENÇO passar.) Faz favô!

LOURENÇO.- (Inclinando-se.) Oh! meu senhor... isso nunca... eu, um cocheiro!... Então? Por obséquio!

EUSÉBIO.- Passe, seu Lourenço, passe, que o sinhô é de casa e está fardado!

(LOURENÇO passa e EUSÉBIO acompanha-o. Mutação.)

Quadro VII

Rico salão de baile profusamente iluminado.

Cena I

RODRIGUES, DOLORES, MERCEDES, BLANCHETTE, Convidados.

Estão todos vestidos à fantasia.

CORO
Que lindo baile! que bela festa!

Luzes e flores em profusão!

A nossa Lola não é modesta!

Eu sinto aos pulos o coração!


MERCEDES, DOLORES e BLANCHETTE
Senhores e senhoras,

divirtam-se a fartar!

Alegremente as horas

vejamos deslizar!

A mocidade é sonho

esplêndido e risonho

que rápido se esvai;

portanto, a mocidade

com voluptuosidade

depressa aproveitai!


BLANCHETTE
Dancemos, que a dança,

se o corpo nos cansa,

a alma nos lança

num mundo melhor!


DOLORES
Bebamos, que o vinho,

com doce carinho,

nos mostra o caminho

fulgente do amor!


MERCEDES
Amemos, embora

chegadas à hora

da fúlgida aurora,

deixemos de amar!

Que em nós os amores,

tal como nas flores

perfumes e cores,

não possam durar!


AS TRÊS
Dancemos!

Bebamos! Amemos!


RODRIGUES.- (Que está vestido de Arlequim.) Então? Que me dizem desta fantasia? Vocês ainda não me disseram nada!...

MERCEDES.- Deliciosa!

DOLORES.- Magnífica.

BLANCHETTE.- É patante!

RODRIGUES.- Saiu baratinha, porque foi feita em casa pelas meninas. Como sabem, sou o homem da família.

MERCEDES.- Você confessou em casa que vinha ao baile da Lola?

RODRIGUES.- Não, que isso talvez aborrecesse minha senhora. Eu disse-lhe que ia a um baile dado em Petrópolis pelo Ministro Inglês...

TODAS.- Ah! ah! ah!...

RODRIGUES.- (Continuando.)...baile a que não podia faltar por amor de uns tantos interesses comerciais...

BLANCHETTE.- Ah! seu patife!

DOLORES.- De modo que, neste momento, a sua pobre senhora julga-o em Petrópolis.

RODRIGUES.- (Confidencialmente, muito risonho.) Saí hoje de casa com a minha bela fantasia dentro de uma mala de mão, e fingi que ia tomar a barca das quatro horas. Tomei mas foi um quarto do hotel, onde o austero negociante jantou e onde à noite se transformou no polícromo arlequim que estão vendo -e depois, metendo-me num carro fechado, voei a esta deliciosa mansão de encantos e prazeres. Tenho por mim toda a noite e parte do dia de amanhã, pois só tenciono voltar à tardinha. Ah! não imaginam vocês com que saudade estou da família, e com que satisfação abraçarei a esposa e os filhos quando vier de Petrópolis!

MERCEDES.- Você é na realidade um pai de família modelo!

DOLORES.- Um exemplo de todas as virtudes!

BLANCHETTE.- Esse vestuário de Arlequim não lhe fica bem! Você devia vestir-se de Catão!

RODRIGUES.- Trocem à vontade, mas creiam que não há no Rio de Janeiro um chefe de família mais completo do que eu. (Afastando-se.) Em minha casa não falta nada. (Afasta-se.)

MERCEDES.- Nada, absolutamente nada, a não ser o marido.

DOLORES.- É um grande tipo.

BLANCHETTE.- E a graça é que a senhora paga-lhe na mesma moeda!

MERCEDES.- É mais escandalosa que qualquer de nós.

DOLORES.- Não quero ser má língua, mas há dias encontrei-a num bonde da Vila Isabel muito agarradinha ao Lima Gama!

BLANCHETTE.- Aqueles bondes da Vila Isabel são muito comprometedores.

RODRIGUES.- (Voltando.) Que estão vocês aí a cochichar?

MERCEDES.- Falávamos da vida alheia.

BLANCHETTE.- Dolores contava que há dias encontrou num bonde da Vila Isabel uma senhora casada que mora em Botafogo.

RODRIGUES.- Isso não tira! Talvez fosse ao Jardim Zoológico.

DOLORES.- Talvez; mas o leão ia ao lado dela no bonde...

RODRIGUES.- Há, efetivamente, senhoras casadas que se esquecem do decoro que devem a si e à sociedade!

AS TRÊS.- (Com convicção.) Isso há...

RODRIGUES.- Por esse lado posso levantar as mãos para o céu! Tenho uma esposa virtuosa!

MERCEDES.- Deus lha conserve tal qual tem sido até hoje.

RODRIGUES.- Amém.

BLANCHETTE.- E Lola que não aparece?

DOLORES.- Está se vestindo: não tarda.

UM CONVIDADO.- Oh! que bonito par vem entrando!

TODOS.- É verdade!

O CONVIDADO.-Façamos alas para recebê-lo!

RODRIGUES.- Propomos que o recebamos com um rataplã!

TODOS.- Apoiado! Um rataplã... (Formam-se duas alas.)

CORO
Rataplã! Rataplã! Rataplã!

Oh, que elegância! que lindo par!...

Todos os outros vêm ofuscar!


Cena II

Os mesmos, FIGUEIREDO e BENVINDA.

Entra FIGUEIREDO, vestido de Radamés, trazendo pela mão BENVINDA, vestida de Aída.

FIGUEIREDO

I

Eis Aída,

conduzida

pela mão de Radamés!

Vem chibante,

coruscante,

da cabeça até os pés!...

Que lindeza!

Que beleza!

Meus senhores aqui está

a trigueira

mais faceira

de São João do Sabará!


CORO
A trigueira, etc...


FIGUEIREDO

II

Diz tolices,

parvoíces,

se abre a boca pra falar;

se se cala,

se não fala,

pode as pedras encantar!

Eu a lanço

sem descanso!

Na pontíssima estará

a trigueira

mais faceira

de São João do Sabará!


CORO
A trigueira, etc...


FIGUEIREDO.- Minhas senhoras e meus senhores, apresento a Vossas Excelências e Senhorias, Dona Fredegonda, que -depois, bem entendido, das damas que se acham aqui presentes- é a estrela mais cintilante do demi-monde carioca!

TODOS.- (Inclinando-se.) Dona Fredegonda!

FIGUEIREDO.- (Baixo a BENVINDA.) Cumprimenta.

BENVENIDA.- Ó revoá!

FIGUEIREDO.- (Baixo.) Não. Au revoir é quando a gente vai-se embora e não quando chega.

BENVENIDA.- Entonces...

FIGUEIREDO.- (Baixo.) Cala-te! Não digas nada!... (Alto.) Convidado pela gentilíssima Lola para comparecer a este forrobodó elegante, não quis perder o magnífico ensejo, que se me oferecia, de iniciar a formosa Fredegonda nos insondáveis mistérios da galanteria fluminense! Espero que vossas excelências e senhorias queiram recebê-la com benevolência, dando o necessário desconto às clássicas emoções da estréia, e ao fato de ser Dona Fredegonda uma simples roceira, quase tão selvagem como a princesa etíope que o seu vestuário representa.

TODOS.- (Batendo palmas.) Bravo! Bravo! Muito bem!

BLANCHETTE.- (A FIGUEIREDO.) Descanse. A iniciação desta neófita fica por nossa conta. (Às outras.) Não é assim?

DOLORES e MERCEDES.- Certamente. (As três cercam BENVINDA, que se mostra muito encafifada.)

FIGUEIREDO.- (Vendo RODRIGUES e aproximando-se dele.) Oh! Que vejo! Você aqui!... Você, o homem da família, o moralista retórico e sentimental, o palmatória do mundo!...

RODRIGUES.- Sim... é que... são coisas... estou aqui por necessidade... por incidente... por uma série de circunstâncias que... que...

FIGUEIREDO.- Deixe-se disso! Não há nada mais feio que a hipocrisia! Naquela tarde em que o encontrei no Largo da Carioca, a mulata mostrou-me seu cartão de visitas...

RODRIGUES.- O meu?... Ah! sim, dei-lhe o meu cartão... para...

FIGUEIREDO.- Para quê?

RODRIGUES.- Para...

FIGUEIREDO.- Olhe, cá entre nós que ninguém nos ouve: quer você tomar conta dela?

RODRIGUES.- Quê! Pois já se aborreceu?

FIGUEIREDO.- Todo o meu prazer é lançá-las -lançá-las e nada mais. Você viu a Mimi Bilontra?

RODRIGUES.- Não.

FIGUEIREDO.- Mas sabe o que é lançar uma mulher?

RODRIGUES.- Nesses assuntos sou hóspede... você sabe... sempre fui um homem da família... mas quer me parecer que lançar uma mulher é como quem diz atirá-la na vida, iniciá-la neste meio...

FIGUEIREDO.- Ah! qui qui! Infelizmente não creio que desta se possa fazer alguma coisa mais que uma boa companheira. É uma mulher que lhe convinha.

RODRIGUES.- Mas eu não preciso de companheiras! Sou casado, e, graças a Deus, a minha santa esposa...

FIGUEIREDO.- (Atalhando.) E o cartão?

RODRIGUES.- Que cartão? Ah! sim, o cartão do Largo da Carioca... Mas eu não me comprometi a coisa nenhuma!

FIGUEIREDO.- Bom; então não temos nada feito... Mas veja lá! -se quer...

RODRIGUES.- Querer; queria... mas não com caráter definitivo!

FIGUEIREDO.- Ora, vá pentear macacos!

(Às últimas deixas, EUSÉBIO tem entrado, vestido com uma dessas roupas que vulgarmente se chamam de princês. EUSÉBIO aperta a mão aos convidados um por um. Todos se interrogam com os olhos admirados de tão estranho convidado.)

Cena III

Os mesmos, EUSÉBIO.

EUSÉBIO.- (Depois de apertar a mão a muitos dos circunstantes.) Tá tudo oiando uns pros outro, admirado de me aqui! Eu fui convidado pela madama dona da casa!

BENVINDA.- (À parte.) Sinhô Eusébio!...

FIGUEIREDO.- (A quem EUSÉBIO aperta a mão, à parte.) Oh! diabo! é o patrão da Benvinda!...

BLANCHETTE.- Donde saiu esta figura?

DOLORES.- É um homem da roça!

BLANCHETTE.- Não será um doido?

EUSÉBIO.- (Indo apertar por último a mão de BENVINDA, reconhecendo-a.)Benvinda!

BENVENIDA.- Ó revoá!

FIGUEIREDO.- (À parte.) E ela a dar-lhe!...

EUSÉBIO.- Tu também de fantasia, mulata! O mundo perdido!...

BENVENIDA.- Eu vim com seu Figueiredo... mas vancê é que me admira!

EUSÉBIO.- Eu vim falá ca madama pro mode seu Gouveia... e ela me convidou pra festa... e eu tive que alugá esta vestimenta, mas vim de tilbo porque hoje é sabo de aleluia e eu não quero embrulho comigo!

FIGUEIREDO.- (À parte.)Oh! bom! foi o seu professor de português!

BENVENIDA.- Se sinhá soubesse...

EUSÉBIO.- Cala a boca! nem pensá nisso é bão! mas onde o seu Figueiredo? Eu sempre quero oiá pra cara dele!

BENVENIDA.- É aquele.

EUSÉBIO.- (Indo a FIGUEIREDO.) Pois foi o sinhô que me desencaminhou a mulata? O sinhô, um home branco e que já começa a pintá? Agora me alembro de o sinhô lá no hoté só rondando a porta da gente!...

FIGUEIREDO.- Estou pronto a dar-lhe todas as satisfações em qualquer terreno que mas peça... mas há de convir que este lugar não é o mais próprio para...

EUSÉBIO.- (Atalhando.) Ora viva! Eu não quero satisfação! A mulata não é minha fia nem parenta minha! mas lá em São João do Sabará há um home chamado seu Borge, que se souber... um! um!... é capaz de vi na capitá federá!

FIGUEIREDO.- Pois que venha!...

MERCEDES.- Aí chega a Lola!

TODOS.- Oh! a Lola!... Viva a Lola!... Viva!...

Cena IV

Os mesmos, LOLA.

CORO
Até que enfim Lola aparece!

Até que enfim Lola cá está!

Vem tão bonita que entontece!

Lola, vem cá! Lola, vem já!...


(LOLA entra ricamente fantasiada à espanhola.)

LOLA
Querem todos ver a Lola!

Aqui está ela!


CORO
Aqui está ela!


LOLA
Oh, que esplêndida manola!

Não há mais bela!


CORO
Não há mais bela!


LOLA
Vejam que graça

tem a manola!

Não é chalaça!

Não é parola!

Como se agita!

Como rebola!

Isto os excita!

Isto os consola!

O olhar brejeiro

de uma espanhola

do mais matreiro

transtorna a bola,

e sem pandeiro,

nem castanhola!


CORO
Vejam que graça, etc...


(Dança geral.)

FIGUEIREDO.- Gentilíssima Lola, permite que Radamés te apresente Aída!

LOLA.- Folgo muito de conhecê-la. Como se chama?

BENVENIDA.- Benv... (Emendando.) Fredegonda.

EUSÉBIO.- (À parte.) Fredegonda? Uê! Benvinda mudou de nome!...

FIGUEIREDO.- Espero que lhe emprestes um raio da tua luz fulgurante!

LOLA.- Pode contar com a minha amizade.

FIGUEIREDO.- Agradece.

BENVENIDA.- Merci.

EUSÉBIO.- (À parte.) Aí, mulata!...

LOLA.- (Vendo EUSÉBIO.) Bravo! Não imagina como lhe fica bem essa fatiota!

EUSÉBIO.- Diz que é vestuário de conde.

LOLA.- Está irresistível!

EUSÉBIO.- Só a madama podia me metê nestas funduras!

BLANCHETTE.- (A LOLA.) Onde foste arranjar aquilo?

LOLA.- Cala-te! É um tesouro, um roceiro rico... e primitivo!

BLANCHETTE.- Tiraste a sorte grande!

LOLA.- Meus amigos, espera-os na sala de jantar um ponche, um ponche monumental, que mandei preparar no intuito de animar as pernas para a dança e os corações para o amor!

TODOS.- Bravo! Bravo!...

FIGUEIREDO.- Um ponche! Nesse caso, é preciso apagar as luzes!

LOLA.- Já devem estar apagadas. (A EUSÉBIO.) Fica. Preciso falar-te.

MERCEDES.- Ao ponche, meus senhores!

TODOS.- Ao ponche!...

BLANCHETTE.- (A LOLA.) Não vens?

LOLA.- Vão indo. Eu já vou. Manda-me aqui algumas taças.

DOLORES.- Ao ponche!

CORO
Vamos ao ponche flamejante!

Vamos ao ponche sem tardar!

O ponche aquece um peito amante

e as cordas da alma faz vibrar!


(Saem todos, menos LOLA e EUSÉBIO.)

Cena V

EUSÉBIO, LOLA.

LOLA.- Oh! finalmente estamos sós um instante!

EUSÉBIO.- (Em êxtase.) Como a madama tá bonita!

LOLA.- Achas?

EUSÉBIO.- Juro por esta luz que nos alumeia que nunca vi uma muié tão fermosa!...

LOLA.- Hei de pedir a Deus que me conserve assim por muito tempo para que eu nunca te desagrade!

(Entra LOURENÇO com uma bandeja cheia de taças de ponche chamejante.)

Cena VI

Os mesmos, LOURENÇO.

EUSÉBIO.- Adeusinho, seu Lourenço. Como passou de indagorinha pra cá?

LOURENÇO.- (Imperturbável e respeitoso.) Bem; agradecido a vossa excelência.

LOLA.- Deixe a bandeja sobre esta mesa e pode retirar-se. (LOURENÇO obedece e vai a retirar-se.)

EUSÉBIO.- Até logo, seu Lourenço. (Aperta-lhe a mão.)

LOURENÇO.- Oh! excelentíssimo! (Faz uma mesura e sai, lançando um olhar significativo a LOLA.)

LOLA.- (À parte.) É um bruto!

Cena VII

LOLA, EUSÉBIO.

EUSÉBIO.- Este seu Lourenço é muito delicado. Arruma incelência na gente que é um gosto!

LOLA.- (Oferecendo-lhe uma taça de ponche.) À nossa saúde!

EUSÉBIO.- Bebida de fogo? Não! não é o fio de meu pai!...

LOLA.- Prova, que hás de gostar. (EUSÉBIO prova.) Então, que tal? (Ele bebe toda a taça.)

EUSÉBIO.- Home, é muito bão! Cumo chama isto?

LOLA.- Ponche.

EUSÉBIO.- Uê! Ponche não é aquela coisa que a gente veste cando amonta a cavalo?

LOLA.- Aqui tens outra taça.

EUSÉBIO.- Isto não faz ? Eu não tenho cabeça forte!

LOLA.- Podes beber sem receio.

EUSÉBIO.- Então à nossa, pra que Deus nos livre de alguma coça! (Bebe.)

LOLA.- Dize... dize que hás de ser meu... dá-me a esperança de ser um dia amada por ti!...

EUSÉBIO.- Eu já gosto de madama cumo quê!

LOLA.- Não digas a madama. Trata-me por tu.

EUSÉBIO.- Não me ajeito... pode sê que despois...

LOLA.- Depois do quê?

EUSÉBIO.- (Com riso tolo e malicioso.) Ah! ah!

LOLA.- (Dando-lhe outra taça.) Bebe!

EUSÉBIO.- Ainda?

LOLA.- Esgotemos juntos esta taça! (Bebe um gole e dá a taça a EUSÉBIO.)

EUSÉBIO.- Vou sabê dos seus segredo. (Bebe.)

LOLA.- E eu dos teus. (Bebe.) Oh! o teu segredo é delicioso... tu gostas muito de mim... da tua Lola... mas receias que eu não seja sincera... tens medo de que eu te engane...

EUSÉBIO.- (Indo a dar um passo e cambaleando.) Minha Nossa Senhora! Eu tou fora de mim! parece que tou sonhando!... O tá ponche tem feitiço... mas é bão... é muito bão!... Quero mais!

(Dueto.)

LOLA
Dize mais uma vez! Dize que me amas!


EUSÉBIO
Eu já disse e arrepito!


LOLA
O coração me inflama!

Vem aos meus braços! Vem!

Assim como eu te amo, ai! nunca amei ninguém!

Se deste afeto duvidas,

se me imaginas perjura,

com essas mãos homicidas

me cavas a sepultura!

Será o golpe certeiro,

a morte será horrenda!

Tu és o meu fazendeiro

e eu sou a tua fazenda!


EUSÉBIO
Se é moda a bebedeira, tou na moda,

ois vejo toda a casa andando à roda!


LOLA
Bebe ainda uma taça

agora pode ser que bem te faça!


EUSÉBIO

(Depois de beber.)

Não posso mais!

(Atira a taça.)

Oh, Lola, eu tou perdido!


LOLA
Vem cá, meu bem querido!


(Juntos.)

LOLA
Vem aos meus braços!


EUSÉBIO
Tou nos seus braço!


LOLA
Eusébio, vem!


EUSÉBIO
Aqui me tem!


LOLA
Os meus abraços


EUSÉBIO
Mas os abraço


LOLA
Te fazem bem!


EUSÉBIO
Não me faz bem!


EUSÉBIO.- Oh! tou cuma fogueira aqui dentro! mas é tão bão! (Abraçando LOLA.) Lola, eu sou teu... só teu... faz de mim o que tu quiser, minha negra!

LOLA.- Meu? Isso é verdade? Tu és meu? Meu?

EUSÉBIO.- Sim, sou teu! Tá aí! E agora? Sou teu e de mais ninguém!...

LOLA.- Então, esta casa é tua! És o meu senhor, o meu dono, e como tal quero que todos te reconheçam! (Indo à porta e batendo palmas.) Eh! Olá! Venham todos!... venham todos!

(Música na orquestra.)

Cena VIII

Todos os personagens do ato.

Final

CORO
Lola nos chama!
Que aconteceu?
Que nos quer Lola?
Que sucedeu?
LOLA
Meus amigos, desejo neste instante
apresentar-lhes o meu novo amante!
Ele aqui está! Eu o amo e ele me ama.

EUSÉBIO.- Sim! Aqui está o home da madama!

TODOS.- Ele!...

(Admiração geral.)

LOLA
És o meu novo dono!
Pode dizer-me: És minha!
É teu, é teu somente
o meu sincero amor!
Eu dava-te o meu trono
se fosse uma rainha!
Tu, exclusivamente,
és hoje o meu senhor!
EUSÉBIO
Sou eu seu novo dono!
Posso dizer: É minha!
É meu unicamente
o seu sincero amô!
Por ela eu me apaixono!
A Lola é bonitinha!
Eu, exclusivamente,
sou hoje o seu sinhô!
LOLA
És o meu novo dono! etc...
CORO
Eis o seu novo dono!
Pode dizer: É minha!
É dele unicamente
o seu sincero amor!
Gostar assim de um mono
é sorte bem mesquinha!
Ele, exclusivamente,
é hoje o seu senhor!...
FIGUEIREDO

(A EUSÉBIO.)

Nossos cumprimentos,
meu amigo, aos centos
queira receber!
E como hoje é trunfo,
levado em triunfo
agora vai ser!

(FIGUEIREDO e RODRIGUES carregam EUSÉBIO. Organiza-se uma pequena marcha, que faz uma volta pela cena, levando o fazendeiro em triunfo.)

CORO
Viva! viva o fazendeiro
bonachão e prazenteiro
que de um peito bandoleiro
os rigores abrandou,
conquistando a linda Lola,
essa esplêndida espanhola
que o país da castanhola
generoso nos mandou!

(EUSÉBIO é posto sobre uma mesa ao centro da cena.)

EUSÉBIO
Obrigado!
Obrigado!
Mas eu tô muito chumbado!
Vejo tudo dobrado!
LOLA
Dancem! dancem! tudo dance!
Ninguém canse
no cancã,
Pois quem se acha aqui presente
tudo é gente
Folgazã!
CORO
Sim! dancemos! -tudo dance!
Ninguém canse
no cancã,Pois quem se acha aqui presente
tudo é gente
folgazã!

(Cancã desenfreado em volta da mesa.)

PANO