Selecciona una palabra y presiona la tecla d para obtener su definición.
Indice
Abajo

A endogamia em redes mercantis da «Primeira Idade Global». O caso da rede de Simon Ruiz (1553-1597)

Ana Sofia Ribeiro


Bolseira de pós-doutoramento. Investigadora do CITCEM - U. Porto e do CIDHEUS - U. Évora.



Segundo as mais recentes tendências historiográficas parece ser inquestionável a existência de redes de comércio ao longo do período moderno nas mais diversas regiões do mundo. Já nos anos 70, Braudel defendia que o universo comercial, entre os séculos XVI e XVIII, cobria o mundo de pequenas quadrículas e em cada encruzilhada e em cada escala existiria um mercador que aí estava sediado ou por aí passava1.

O mesmo autor afiançava que as minorias que participavam neste trato comercial tinham um marcado carácter endogâmico, acentuando uma tendência natural para a coesão, auxílio mútuo e auto-defesa2. Os trabalhos realizados na senda da análise dos grupos mercantis da Época Moderna defenderam este pressuposto, que se tem mantido, em investigações mais recentes, em casos de estudo como as redes de comércio arménias3, os judeus sefardirtas de Antuérpia4 ou cristãos-novos no trato do açúcar brasileiro5. No entanto, registam-se algumas vozes dissonantes (como veremos mais à frente em maior detalhe).

Neste artigo, baseado na nossa dissertação de Doutoramento6, importa questionar alguns pressupostos teóricos que consideram que a endogamia familiar, confessional e de naturalidade seria uma característica e uma estratégia de negócio em redes mercantis da Época Moderna, segundo o enfoque metodológico da análise de redes.

A aplicação da análise de redes em trabalhos sobre redes mercantis da época moderna tem sido escasso7. Este processo metodológico perspectiva a acção dos indivíduos numa lógica prosopográfica e relacional. As palavras «rede social» referem-se a um conjunto de actores e às relações existentes entre eles. Numa concepção relacional da realidade, os indivíduos e as suas acções são interdependentes e os laços estabelecidos entre si são um meio de transferência de recursos materiais e/ou imateriais. Desta forma, a teoria de grafos configura um método relevante de compreensão da realidade histórica, uma vez que os modelos de análise de redes observam os comportamentos dos actores numa moldura estrutural que condiciona e promove certas actividades do agente8: [...] «l'autonomie des individus, leurs motivations changeantes, leur valeurs se construisent à l'intérieur d'un tissu social et sont endogènes à ce tissu»9. Os agentes históricos não estabeleciam relações por fruto do acaso, mas antes condicionados pela estrutura de relações em que estavam envolvidos10.

Simon Ruiz e a sua companhia comercial afiguram-se-nos como um excelente caso de estudo. Nascido em Burgos, entre 1525 e 1526, no seio de uma família de pequenos comerciantes de lá, começou a sua actividade comercial 25 anos mais tarde, por meados de quinhentos, como agente de Ivon Roncaz de Nantes, no trato de panos nas feiras de Medina del Campo. A importância destas feiras, consideradas um ponto nevrálgico de circulação de pessoas, mercadorias e crédito11, encorajaram Ruiz a envolver-se em parcerias sucessivas em actividades de comércio, sendo os seus primeiros parceiros Juan de Orbea, Tesoureiro de Aragão, o seu irmão André Ruiz em Nantes e Ochoa Lanier em Bilbau12. Procurando investir para alargar os lucros no comércio do azeite, especiarias, indigo, sal e trigo, Simon Ruiz começou a colocar agentes da sua confiança em pontos geográficos vitais para os seus negócios. Além disso, começou a construir uma rede de informantes em praças de relevância internacional no tempo, como Lisboa, Génova, Ruão, Roma, Veneza ou Lyon13.

A importância da sua firma não se fixou no mero trato comercial. Em Medina del Campo, uma importante praça financeira, iniciou-se como banqueiro, especializando-se em câmbios. Entre 1576 e 1588 encontra-se entre um dos mais significativos asientistas de Filipe II14.

Preenchendo em traços gerais o retrato do mercador-banqueiro da centúria de quinhentos, Simon Ruiz deixou documentadas relações de cooperação comerciais pontuais ou contínuas com alguns indivíduos, como com os Bonvisi de Lyon, os Spínola, os Lomelino, os Ximenes ou os Rodrigues de Évora15. Por outro lado, constituiu uma rede social de agentes, representantes da firma, colaboradores e informantes comerciais que, de forma dinâmica, vão apresentando relações e comportamentos económicos que evoluem ao longo do tempo.

A sua importância em espaços chave da economia europeia do início da época moderna tornam-no uma referência, não só na Península Ibérica, mas também no resto da Europa, aumentando, para além da potencial amplitude da rede, a variedade e heterogeneidade dos parceiros. Estas características fizeram deste personagem histórico um caso de estudo representativo para a equipa portuguesa do projecto DynCoopNet16 (na qual nos incluímos), cujo objectivo era o estudo dos mecanismos de cooperação em redes de negócio da «Primeira Idade Global» (1400-1800).

As evidências em discussão resumem a informação obtida a partir de duas categorias documentais presentes no arquivo particular da companhia de Simon Ruiz, tutelado pela Fundación Simón Ruiz, disponíveis no Archivo Histórico Provincial de Valladolid -as letras de câmbio (8.926) e a correspondência comercial (461), esta última restrita às relações com agentes sediados em Portugal. Esta escolha, ainda que representativa de uma empresa da Primeira Época Global, tem como inconveniente o facto de apenas podermos apresentar o retrato de uma rede altamente centralizada e personalizada em Simon Ruiz, uma vez que quase todos os actos documentais o envolviam directa ou indirectamente, enquanto pólo centrípeto da companhia, ainda que desempenhando funções diferenciadas.

Ambas tipologias documentais configuram-se ideais para o trabalho da análise de redes, uma vez que enunciam agentes e relações de diferentes tipos, que fariam parte da actividade quotidiana de uma companhia comercial com expressão internacional da Europa de Quinhentos.

Nas letras de câmbio verificam-se duas relações apriorísticas distintas no circuito financeiro do câmbio. Um vínculo de carácter financeiro entre tomador e pagador e outro entre beneficiário e dador, com contas correntes entre si: «(...) este vínculo solía responder a corresponsalías bancarias en el extranjero, relaciones de parentesco o sociedad o vínculos de carácter mercantil, que en cualquier caso garantizaban la fluidez del trafico fiduciario materializado en la cédula o letra de cambio».17

Com estes personagens, a letra de câmbio desenvolve-se em dois momentos distintos: um primeiro, em que o dador entrega o dinheiro ao tomador e indica-lhe qual o beneficiário desse dinheiro, situado numa praça distinta. Um outro em que o tomador fabrica um documento, em que diz ao pagador que deve pagar um determinado valor, em determinada moeda, ao beneficiário.

Esta fonte permite ao investigador visualizar uma ampla reconstituição da rede social, mercantil e espacial em volta de Simon Ruiz e da sua variabilidade cronológica. Cobrindo o período de 1553 a 1606 ininterruptamente, permite-nos ver a evolução da rede como um todo, descobrindo novos e velhos parceiros, tal como alguns dados de caracterização individual dos agentes, nomeadamente questões de género, local de residência, filiação religiosa, profissão, cargo, título nobiliárquico, académico, ou outro.

Além das relações financeiras despontam, por vezes, relações de confiança (quando estes intervenientes têm alguém que os representa neste circuito financeiro, por forma de procuração ou não), relações familiares, de sociabilidade (em heranças, por exemplo).

No entanto, o facto de lidarmos com uma narrativa muito estandardizada e, muitas vezes omissa em dados individuais dos agentes, à excepção do nome, leva-nos desde logo a uma ausência de explicação dos factores que podem ou não influir na pertença ou exclusão do indivíduo na rede, em determinado momento.

Do ponto de vista formal, a carta comercial não apresenta uma estrutura rígida, como as letras de câmbio, apresentando uma maior riqueza e detalhe informacional e maior variabilidade na qualidade dos dados. Além da caracterização individual dos agentes, a tipologia de relações estabelecidas entre indivíduos é bem mais diversa: relações de cooperação e não cooperação (engano, deserção e competição), relações de amizade, relações de confiança e suspeição, relações comerciais, financeiras, familiares e de sociabilidade.

As cartas dão-nos infindáveis informações sobre questões de negócio: preços de mercadorias, unidades de peso e medida, prémios de seguros, fretes, câmbios, descrições qualitativas e quantitativas de produtos disponíveis em determinadas regiões ou cidades... Ao contrário das letras de câmbio, elas deixam auscultar as conjunturas que condicionavam para os agentes a actividade comercial e financeira: notícias sobre a situação política, militar, diplomática, climática e sobre calamidades; flutuações de mercado e oportunidades de investimento.

As limitações da correspondência comercial prendem-se, antes de mais, com a vastidão e complexidade da informação, que varia em todos os documentos. É difícil sistematizar os dados e encontrar variáveis exactas e estáveis. Há ainda a considerar a intencionalidade e as condições de produção da fonte. Quem escreve a carta, o emissor, carrega de intencionalidades o discurso, o que pode condicionar a veraciadade da informação enviada. Documento de índole privada e pessoal, as informações conjunturais são pautadas pela própria visão do mundo que o produtor teria. Esta subjectividade condiciona a objectividade da recolha de dados18.

Apesar da natureza distinta dos dois fundos documentais utilizados é relevante ressalvar que esta distinção se dilui numa mesma grelha de recolha e na utilização de uma base de dados de carácter prosopográfico que se configura na apresentação de biografias individuais. De resto, na resposta às questões que aqui colocamos, a análise qualitativa das cartas não aponta para conclusões diversas das letras de câmbio. Assim, e considerando que, quase todos os agentes referidos na correspondência comercial consultada aparecem também nas letras de câmbio, o crédito era absolutamente fundamental à actividade comercial de longa distância, e a maior parte dos agentes serem simultaneamente mercadores e banqueiros (situação muito frequente na centúria de Quinhentos19), é manifestamente prejudicial distrinçar uma tipologia comercial da outra, uma vez que a base de trabalho são as narrativas individuais. Por outro lado, é relevante que ambas as tipologias documentais descrevem processos em que a confiança teria de ser amplamente consolidada na duração e na qualidade das informações. Não obstante, é inegável o peso superior das letras de câmbio na súmula destas informações individuais, o que condicionará a análise que se segue.

Em termos de análise de redes e face ao corpus documental seleccionado é importante referir que os produtos de visualização de redes apresentados estão altamente centralizados num único indivíduo, Simon Ruiz, uma vez que ele participa em quase todos os actos documentais da sua empresa. Assim, podemos afirmar que estes esboços representativos de uma realidade parcial representam uma rede em que uma grande parte do grafo configura uma «ego-network», que consiste na existência de um nodo focal, neste caso, Simon Ruiz que está directamente ligado a grande parte de outros agentes envolvidos na rede20.

Simon Ruiz dava os seus primeiros passos como homem de negócios autónomo como agente de importação de têxteis franceses em Castela21, quando, em 1557, Filipe II decretava a primeira bancarrota do seu reinado, em que «[...] la conversión de la deuda flotante en consolidada era un respiro, aunque aparente, pues ponía un remedio temporal a su depauperada hacienda.»22

Nos dois primeiros anos em que possuímos informação documental serial da actividade de Simon Ruiz, 1558 e 1559, o mercador teria já 52 parceiros na sua vizinhança económica. Contudo, ele apenas aparece directamente relacionado com 15 indivíduos, significando que mais de 70% dos membros da rede eram seus parceiros indirectos. Os primeiros parceiros de Simon Ruiz eram aqueles que o representavam directamente ou agiam como seus benefiários ou tomadores em letras de câmbio. Desta forma, encontrava-se fortemente dependente de um pequeno grupo de indivíduos e dos seus contactos, que não controlava.

Quem eram estes parceiros iniciais? Fariam eles preferencialmente parte do entorno familiar, confessional ou natural de Simon Ruiz? A bióloga Hanna Kokko observou, no mundo animal, que a sobrevivência de determinado grupo de indivíduos era garantida pelo alargamento de um grupo original, constituído incialmente por indivíduos geneticamente idênticos, ou seja, por parentes. A autora designou este processo de «group augmentation», em que a melhoria da preformance de determinado grupo seria assegurada pelo recrutamento de indivíduos externos ao primeiro conjunto de relações23. Será este princípio teórico aplicável a uma rede mercantil do século XVI?

Nos 53 indivíduos representados na figura 1, apenas dois indivíduos pertencem à família de Simon Ruiz: o irmão Andre Ruiz e a irmã Maria Ruiz (3,8%). Antonio de Vitoria e Gerónimo de Curiel pertencem a famílias ancestralmente relacionadas com o judaísmo em Castela (3,8%). Cerca de 34% dos indivíduos que aqui estão representados são também castelhanos. No início da actividade da companhia Ruiz parece não ter existido uma grande tendência para que a endogamia familiar, de naturalidade ou confessional tenha constituído uma alavanca fundamental para a melhor eficácia nas transacções comerciais.

Esquema de la red de Simón Ruiz

Fig. 1 - Rede de Simon Ruiz, 1558-1559




A endogamia familiar

Segundo algumas das principais tendências da historiografia nacional e internacional, as associações comerciais de agentes eram consolidadas dentro do núcleo familiar ou da parentela. Os laços familiares eram encarados como um sinónimo de confiança, sendo os membros de uma mesma família colocados em posições chave de agenciamento ou representação nas principais praças comerciais e financeiras, de acordo com a estratégia de negócio de determinada casa24. Também a bibliografia teórica sobre a cooperação, nomeadamente na biologia, tem acentuado a importância destas relações familiares numa primeira constituição de relações de cooperação, designando este mecanismo como «Kin selection». A expressão prevê que os parceiros da cooperação são seleccionados pela partilha genética, ou seja, a existência de laços de sangue promove a cooperação25:

«[...] when individuals have equal access to kin and non-kin, those who choose kin as partners obtain a fitness bonus. Because the fitness bonus is obtained reciprocally between kin, kin partners are mutually dependent on two accounts: (i) to obtain the direct benefits of cooperation and (ii) to obtain its indirect benefits, which dictates their cooperating together. By comparison, non-kin are mutually dependent only to obtain B; they would not lose any fitness bonus by defecting. For this reason, kin would constitute more reliable partners compared to non-kin, and kin partnerships would be more stable as a result».26



Família é um conceito amplamente diverso e elástico. Neste particular estudo, as relações familiares designarão as relações de consaguinidade directa, vertical e horizontal (pais, avós, irmãos, tios, primos), mas também a parentela colateral, sem consanguinidade, estabelecidas mormente pelo matrimónio (cunhados, sogros).

As relações familiares representam apenas 8,2% do total das relações na rede de Simon Ruiz entre 1558 e 1597. Este número relativo diz não só respeito às relações entre a família Ruiz, mas engloba também todos os laços de sangue que conseguimos estabelecer entre um total de 4.180 indivíduos que integram as relações do mercador castelhano neste período. No entanto, o facto de trabalharmos directamente com a companhia Ruiz permite-nos avaliar o peso e a relevância das acções dos membros desta familia no funcionamento desta estrutura de relações.

Esquema de las relaciones de confianza y familiares de     Simón Ruiz

Fig. 2 - Relações de confiança e familiares de Simon Ruiz (nodos maiores), 1558-1597

De acordo com a figura acima, parece inquestionável a existência de intensas ligações de confiança entre Simon Ruiz, os seus irmãos VItores, Maria e Andres, e os sobrinhos Pedro, Andres e Cosme Ruiz. Simon administrava a herança de Maria; o irmão André era o seu representante em Nantes, posição que o seu filho mais velho, homónimo, também ocupará. Com Vítores constituiu uma parceria no comércio de produtos coloniais, comprados em Sevilha durante a década de 1560. Contudo, a maior parte das relações de confiança estabelecidas por Simon Ruiz foram estabelecidas com membros externos ao grupo familiar. Os parentes de Simon Ruiz representam apenas 2,14% dos 327 parceiros que mais frequentemente interagem na rede. Considerando a intensidade das relações como um indicador de confiança, observamos que na maioria das ligações relacionadas com representação em negócios, a estratégia de agência familiar não seria determinante. Francesca Trivellato avaliando as relações de agenciamento que os mercadores sefarditas de Livorno, no século XVIII, estabeleciam com mercadores Hindus no Oriente chega a uma conclusão similiar. Os agentes colocados em Goa não eram seus familiares, mas antes mercadores autóctones conhecedores das dinâmicas locais de negócio27.

Esquema familiar     en la red de negocios de Simón Ruiz

Fig. 3 - «Betweenness centrality» e a família Ruiz na rede de negócios de Simon Ruiz, 1558-1597

A medida estatística «betweenness centrality», representada na figura acima pelo escurecimento gradual da cor dos nodos, demonstra a importância dos indivíduos na rede, calculando o impacto da sua presença. Por outras palavras, calcula quantos nós são desligados da rede se um determinado indivíduo for removido do grafo. Esta medida decorre da teoria dos «structural holes» de Burt, em que um agente se encontra numa posição vantajosa quando consegue estabelecer uma relação com outros indivíduos, que de outra forma, não estariam ligados28.

Na figura 3, os nodos correspondentes aos membros da família Ruiz estão representados onomasticamente. De acordo com esta representação, apenas o irmão mais velho de Simon, Vitores desempenha um papel relevante nos contactos que oferece aos seus vizinhos. Contudo, o estabelecimento da relação de parceria comercial entre os dois irmãos é efectuada apenas na década de 1560, e não nos anos iniciais de actividade da firma de Simon Ruiz, fazendo parte de uma estratégia de promoção da expansão do número de parceiros de negócios. O outro irmão, André, e os sobrinhos Pero e Cosme desempenham um papel de média relevância na estrutura de rede da companhia, ao contrário de indivíduos como os Bonvisi, Gerónimo de Valladolid, António Gomes, Simão Rodrigues de Évora ou André Ximenes.

Esquema de  conectividad de la familia       de Simón Ruiz

Fig. 4 - «Betweenness centrality» e conectividade total da família Ruiz, 1558-1597

Contabilizando o número total de contactos de cada indivíduo, proporcional ao tamanho dos nodos na figura acima, em relação com a sua medida de centralidade, constata-se de que forma os membros da família de Simon Ruiz poderiam ser utilizados para expandir o seu negócio. Simon Ruiz é detentor do maior número de relações estabelecidas na rede uma vez que ele participa em quase todos os actos documentados no que sobreviveu do arquivo da sua actividade comercial e financeira, num total de 1.205 ligações distintas, com uma conectividade média de 180 parceiros. Comparando este total de mais de um milhar de ligações distintas com a conetividade total de outros membros da sua família a diferença é clara; o seu herdeiro, Cosme tem 219 ligações distintas, Pero Ruiz (35), Vitores Ruiz (27) e Andre Ruiz (26). Uma análise relativa de toda a rede permite concluir que os indivíduos que conjugam uma conectividade total mais elevada, com uma maior «betweenness centrality» não pertecem ao grupo familiar Ruiz. São eles as sucessivas gerações dos Bonvisi de Lyon, o empregado Francisco de Bobadilla em Madrid, Francisco de Maluenda peça fundamental na transferência de capitais entre Medina del Campo ou Madrid e as feiras de Piacenza, o banqueiro Baltasar Suarez e o seu mais antigo empregado, que chegará a sócio de Simon, Lope de Arciniega.

A um nível de análise micro, dentro dos indivíduos da família Ruiz, Vitores Ruiz foi um parceiro fundamental do irmão no acesso aos mercadores castelhanos de Sevilha detentores de maiores cabedais, como os Curiel, os Maluenda e Juan Ortega de la Torre. Ainda assim a ligação económica com Simon não foi a mais frequente, nem a mais persistente no tempo. Entre 1560 e 1566 apenas foram detectados estes laços por 85 vezes, uma média de 12 colaborações/ano. André e Pero afiguraram-se estrategicamente menos relevantes, sendo o primeiro, o seu representante nos negócios franceses, e o segundo que (sobre)viveu como homem de negócios à sombra do tio, como o comprova a correspondência comercial trocada com o parceiro português António Gomes. Considerando os valores normalizados referidos nos diferentes actos documentais torna-se perceptível que nenhum desses actos envolveu membros da família Ruiz, mas antes as mesmas figuras que possuem uma centralidade mais determinante na rede.

Desta forma, as relações familiares não parecem ter desempenhado um papel absolutamente crucial na formação e na expansão desta rede de negócios, confirmando a teoria de Granovetter em que a família, os «strong ties», aparece como uma ténue base de apoio na actividade económica. Pelo contrário, é entre os «weak ties» (conhecidos, agentes com quem existe um nível de intimidade emocional menor) que surgem mais e melhores oportunidades de negócio29. Foram estes agentes que ajudaram a construir pontes entre diferentes grupos locais de actores, que, de outra forma, estariam isolados, reduzindo custos ao tornar a distância social de relações em caminhos mais curtos. Por outro lado, ao contrário das observações empíricas de Kokko, parece-nos que, no caso das redes comerciais do século XVI, a cooperação não seria estabelecida inicialmente entre parentes. Todavia, estes laços familiares ocuparam o seu papel nesta rede, ainda que o grupo se tenha baseado massivamente em indivíduos exteriores ao círculo familiar. Contudo, o paradigma de alargamento da rede não só não era baseado na colaboração contínua com parceiros antigos, mas também a maioria da parentela de Simon Ruiz participou na rede para lá de 1560.




A endogamia confessional

A historiografia tem dividido a sua opinião quanto ao carácter inter ou intra confessional destas associações e parcerias entre agentes económicos30. Mas seria, de facto, a questão religiosa um factor chave na escolha de parceiros comerciais e financeiros? A partilha de actos confessionais e de sociabilidade fortalecia a confiança entre parceiros? Simon Ruiz apresenta uma identidade confessional dificilmente classificável. A historiografia castelhana tem discutido este assunto, considerando-o por vezes cristão-novo31, outras vezes cristão velho32, uma vez que é difícil avaliar como o seu caso seria considerado à época. Simon Ruiz é descendente de uma família judaica castelhana, forçada à conversão muito antes do reinado dos Reis Católicos, aquando da contestação à regência de Henrique III e das lutas pelo poder, no final do século XIV (massacres de 1391). Segundo B. Netanyahu, um movimento de conversões teria ocorrido já desde meados da centúria, e muitas destas conversões teriam sido reais, conduzindo, pela instutição de laços sociais sucessivos, a uma conversão crescente e voluntária em todo o século XV. O judaísmo enquanto crença estaria voluntariamente a esmorecer na Península33. No entanto, outros autores sustentam o carácter forçoso das conversões até ao reinado dos Áustrias evocando um contínuo mau estar social que sustentou a acção política dos governantes na procura de uma unificação moral do reino de Castela34. Desta forma poderemos equacionar, e mediando cerca de um século e meio, que o carácter judaizante de Simon Ruiz estaria já bem diluído e a sua religiosidade efectivamente sincera e cristã.

Mas ser considerado «converso» foi, na Castela dos séculos XV e XVI, mais do que uma etiqueta religiosa. Foi um definidor social contestado, pelo seu poder económico, social e mesmo político, em cujo padrão a vida de Ruiz parecer assentar. Domínguez Ortiz descreve esse poder. Os conversos eram detentores de importantes cargos públicos, sobretudo municipais, eram protagonistas no artesanto urbano, na medicina e na mercancia e daí serem olhados como súbditos de segunda e não pela falta de fervor religioso35. Neste caso de estudo, considerá-lo-emos pois como um «converso», regedor de Medina del Campo, próximo de alguns círculos da corte e da Chancelaria, mercador reputado na sua fortuna, dedicado ao serviço da comunidade, mandando construir um hospital no final da sua vida.

O seu caso é convergente com outras famílias castelhanas dedicadas à mercancia, no século XVI, da região de Burgos, como os Dueña, Maluenda, Astudillo, Vitoria, Curiel, Polanco, Salamanca, Quintanadueñas ou os La Moneda36. Mas será, no âmbito deste estudo, impossível de aferir como Simon Ruiz se definiria como cristão, novo ou velho.

Quadro 1. Cristãos-Novos identificados na rede de Simon Ruiz, 1558-1597. Fonte: Letras de câmbio e correspondência commercial do fundo Simon Ruiz, AHPV37
Período cronológicoPortuguesesCastelhanos
1553-15592
1560-1564414
1565-1568811
1569-1573109
1574-158010724
1587-15898515
1595-1597557
Total26982

O número total de Cristãos Novos identificados na rede de Simon Ruiz -351 indivíduos- representa apenas 8,4 % do total de agents envolvidos na mesma. Ainda que consideremos Simon Ruiz como um Cristão-Novo, a rede não parece apresentar um carácter endogâmico na questão confessional. No entanto, é essencial sublinhar que os números total e relativo deste cômputo podem eventualmente aumentar, uma vez que a literatura não é exaustiva em estudos prosopográficos sobre os atributos religiosos destes agentes mercantis de quinhentos. Uma classificação religiosa, exacta e completa, não é pois possível neste contexto.

Existiu uma clara preferência por parcerias de negócio com cristãos-novos portugueses. Os espanhóis representam apenas 23% destes homens. Este facto sugere que a escolha pelo estabelecimento de laços comerciais e financeiros com agentes deste background religioso não se basearia apenas em questões de partilha de uma identidade confessional, mas em determinadas características que a comunidade portuguesa de cristãos-novos poderia acrescentar ao sucesso mercantil e financeiro da companhia de Simon Ruiz. Atentando em números relativos isto torna-se mais evidente. Os cristãos-novos portugueses constituem-se como metade do total de parceiros portugueses de Simon Ruiz, enquanto que os espanhóis representam apenas 5,3% do total de agentes espanhóis neste grupo de homens de negócio.

No entanto, enquanto que os «conversos» espanhóis se distrubuíram persistentemente por todos os períodos temporais, a presença dos portugueses é apenas massiva depois de 1574, ainda que no período anterior supere os marranos espanhóis na rede. Ainda na década de 60, os cristãos-novos portugueses já se constituíam como importantes parceiros comerciais da companhia Ruiz. Para fazer face à crise do comércio sevilhano depois de 1565-6638, Simon Ruiz apostou no investimento português em mercadorias orientais, como a pimenta, o cravo ou a canela. Os agentes portugueses compravam a especiaria aos contratadores ou eram parte dos beneficiários dos monopólios39. Investiam em conjunto na importação do trigo da Bretanha para Portugal40, sempre deficitário na produção de pão e da necessidade de cereal nos espaços ultramarinos41. Se considerarmos que os cristãos-novos seriam cerca de três quartos dos mercadores portugueses de Lisboa no final do século XVI42, não será estranha a sua grande representatividade nos parceiros portugueses de Ruiz.

Mas com a orientação para a finança da companhia Ruiz depois de 157443, a ligação com parceiros portugueses fortaleceu-se e multiplicou-se, aumentando também o número de cristãos-novos na rede. A bancarrota espanhola de 1575 e o impacto temporário na saúde financeira dos banqueiros genoveses, principais financiadores da Coroa espanhola, abriu caminho a que outros agentes participassem no negócio dos «asientos» espanhóis. Por seu turno, a monarquia espanhola precisava de capital na Flandres, onde travava conflito com os protestantes e onde os agentes espanhóis eram olhados com desconfiança e haviam fugido. Depois de 1574, além de Lisboa, estes cristãos novos estavam sediados em Antuérpia. Com capital acumulado44 e geograficamente bem posicionados era óptimos parceiros para os «asientos». Apesar de capacidade para investir, não dispunham de capacidade para enviar o dinheiro para a Flandres sem recorrer ao câmbio castelhano, nem condições para enviar os reales de prata das «licencias de saca» para Lisboa, essenciais para prosseguir a actividade comercial no Oriente. Na correspondência comercial com agentes sediados em Portugal vêem-se estabelecidas inúmeras parcerias em asientos onde Simon Ruiz era o investidor principal, mas era parceiro de importantes mercadores portugueses de origem judaica, como António e Luis Gomes de Elvas, Duarte Mendes, António Fernandes de Elvas e Tomás Ximenes45.

Esta tendência mantém-se até ao final da centúria, acrescida por uma relação comercial mais sólida com Lisboa e Porto. Por um lado, os contratos da pimenta e de outras especiarias, assim como as rendas das alfândegas portuárias estavam directamente alocados pela Coroa a agentes comerciais portugueses46. Por outro lado, o trato do açúcar brasileiro e dos escravos florescia47. Os agentes cristãos-novos sediados nos portos do Noroeste português começam a fazer parte da rede de Simon Ruiz. Neste conjuntura, em plena União Ibérica, os comerciantes de escravos passam a ter acesso mais fácil às Índias de Castela. No Porto, o contacto mais frequente era o cristão-novo Simão Vaz que, juntamente com Diogo Pereira, Cristoval Coronel e Diogo Fernandes, serviam de intermediários entre os comerciantes de escravos e a banca castelhana48.

Mas se a escolha por agentes de background confessional similar se encontra justificada por critérios de racionalidade económica, é importante referir que apenas alguns destes cristãos novos apresentam uma centralidade relevante na estratégia de negócio da rede, como os Maluenda, Luis Álvares Caldeira ou António Gomes. Parece-nos, pois, que a escolha frequente destes agentes era baseada em critérios de capacidade de negócio individual.

Porém, alguns autores defendem que as redes constituídas por grupos de minorias, como os Cristãos-Novos, funcionam de forma mais eficaz, reduzindo custos de transacção e o risco. Apenas quando emergiam interesses comuns e uma partilha de uma estratégia de investimento é que a cooperação interétnica e interreligiosa se materializa49. No entanto, no momento inicial da rede de Simon Ruiz, apenas dois parceiros partilham a matriz confessional judaica de Ruiz. Pelo contrário, a associação com marranos foi promovida por opções de investimento partilhada, especialmente depois do grande crescimento deste tipo de agentes depois de 1574.




A endogamia de naturalidade

Quadro 2. Número relativo de agentes castelhanos identificados na rede de Simon Ruiz, 1558-1597.50 Fonte: Letras de câmbio e correspondência commercial do fundo Simon Ruiz, Archivo Histórico Provincial de Valladolid.
Período CronológicoPercentagem (%) de agentes espanhóis
1558-155928
1560-156454
1565-156851,8
1569-157343
1574-158053,7
1588-159048,7
1595-159748,4

Alguns historiadores defendem que o sentimento de pertença a um grupo identitário como o do Reino, do Estado ou da cidade manifestava-se através da associação de mercadores, sediados fora do seu local de origem, em agremiações em torno da naturalidade, como as «nações» ou as «colónias»51. A partilha deste tipo de identidade sedimentaria a coesão e a solidariedade dentro do grupo, fortalecendo laços de confiança e reduzindo, por isso, os custos de transacção52.

No caso em estudo, verificámos que os indivíduos castelhanos representaram, em média, 51,3% dos agentes que participaram na rede Ruiz, o que levanta a hipótese de a escolha dos parceiros estar maioritariamente dependente desse sentimento de pertença a um grupo nacional. A similitude nacional significaria, de facto, laços de confiança mais sólidos?

Analisando os locais de actividade deste indivíduos constata-se que a actividade financeira e/ou comercial de 76,2% destes agentes castelhanos circunscrevia-se ao território espanhol, e apenas cerca de 24% estava sediado no estrangeiro. Esta escolha parece não ter ocorrido ao acaso. Ainda que Simon Ruiz tenha escolhido para seus representantes em Nantes, Rouen, Florença e, mais raramente e sobretudo antes da década de 60, em Antuérpia agentes espanhóis, nos locais onde se realizavam transferências financeiras de valor mais avultado e negócios mais arriscados estes agentes não partilhavam com Simon uma origem de naturalidade comum. Em Lisboa contava com um número significativo de agentes Portugueses como António Gomes, Manuel da Veiga ou Tomás Ximenes. Em Antuérpia, depois de 1575, a preferência recaía também sobre portugueses (Filipe Jorge, Luis Alvares Caldera, Simão Rodrigues de Évora). No final da década de 80 de quinhentos, os genoveses Balbani desempenham um papel muito relevante no financiamento dos asientos, pela sua ligação entre Antuérpia e as fontes financeiras das feiras de Piacenza. Em Lyon, a ligação mais frequente e mais valiosa era com os banqueiros luquenses Bonvisi, mantendo-se com o declínio financeiro de Lyon e com a transferência de actividade para Piacenza e Génova.

Nos primeiros anos da actividade da companhia Ruiz, os agentes espanhóis constituíam menos de um terço dos indivíduos com ligações económicas a Simon Ruiz. É apenas quando a forma está já bem estabelecida que a percentagem da sua presença se manterá em cerca de metade dos parceiros da rede de negócios de Simon Ruiz.

Estas duas características indiciam que a presença e a escolha de parceiros espanhóis foi-se consolidando como uma estratégia de suporte à actividade comercial e financeira da rede, uma vez que estes eram fundamentais para a circulação de capitais dentro do seu reino, primeiro na ligação entre Medina del Campo e Sevilha e depois de 1574-75, quando Simon Ruiz tenta aproximar-se da Corte espanhola de Madrid, em busca de circuitos de influência junto do Rei e do Consejo de la Hacienda, da Chancelaria de Valladolid e das altas esferas eclesiásticas, tanto em Roma como em Espanha. Esta estratégia passa também por tentar consolidar uma posição social de aproximação ao estatuto da nobreza, tão cobiçada pelos homens de negócio europeus coevos53.

Mas Roma constituía uma nova oportunidade de negócio. Os conflitos religiosos que envolviam a Monarquia Católica contavam com o apoio, também financeiro, do Papado que transferia avultadas quantias para a Coroa espanhola. Contudo, este não era o único motivo de interesse de negócio para Ruiz. Em algumas letras de câmbio que registavam transferência de capital de/para Roma para/de Simon Ruiz, alguma informação adicional justifica as contas correntes com Geronimo da Fonseca, Constantino Manriquez, Pedro de Tovar ou Cristobal de Vergara, com motivos de compra de dispensas religiosas de parentesco em matrimónios que envolviam a fina flor da sociedade castelhana e outros negócios que envolviam negociações com as chancelarias da Santa Sé.

Em jeito de conclusão parece-nos possível afirmar solidamente que, neste estudo de caso, a endogamia não parece ter sido uma estretégia de negócio cultivada, porque não favorecia os maiores lucros. Pelo contrário, a diversidade social parece ter promovido a colaboração económica dentro desta rede, na medida em que os grandes negócios e o crescimento da rede foi sustentado por uma grande variedade de agentes com backgrounds distintos e não por um mecanismo de inbreeding genético, confessional ou de partilha de naturalidade, como de resto alguns trabalhos teóricos também demonstram54.

A análise de redes baseada nas questões da endogamia demonstra que Simon Ruiz optou por diversificar os seus parceiros, ainda que maioritariamente tenha optado por naturais de Castela. No entanto, esta escolha por correligionários está hipoteticamente mais relacionada com o controlo da acção dos parceiros e a facilidade de comunicação do que por um sentimento de identidade nacional. De acordo com o estudo da robustez das acções de negócio na rede dos Medici no início do século XV, Padgett e Ansell concluíram que «[...] the more homogeneous the attributes, the less coherent the collective action»55.

Mas será este estudo de caso uma excepção às redes de homens de negócio europeus coevas? Cremos que os critérios que presidiam à escolha de parceiros em redes mercantis da época moderna foi, certamente, muito heterogéneo. A maior parte de estudos prosopógráficos sobre redes de negocio para o século XVI tem-se concentrado, sobretudo, nas grandes dinastias mercantis italianas, e, no caso português, nas casas mercantis de ascendência judaica. Nestes estudos verificam-se contextos específicos em que as relações familiares e confessionais poderão realmente ser o sustentáculo da empresa, condicionadas ora por uma dimensão familiar abrangente, que se espalha por várias praças comerciais e financeiras através de filiais (como no caso dos Bonvisi)56, ora por uma dimensão muito pequena da comunidade mercantil, como no caso de Lisboa, por exemplo57. O contexto do mercador Simon Ruiz é distinto, rodeado de conjunturas específicas que orientaram a sua escolha de parceiros. No entanto, não nos parece que o facto de não ter sido pai torne esta rede menos dependente de laços familiares, por exemplo. À falta de um herdeiro directo, Simon opta por legar a sua companhia ao sobrinho Cosme, uma solução tradicional também adoptada pelos Fugger, por exemplo58.

As conclusões validamente repetidas por obras clássicas sobre esta matéria podem, por seu turno, ter condicionado a análise de estudos posteriores, em que os autores procuraram confirmar a hipótese de que as redes comerciais desta época estariam assentes neste tipo de estratégias endogâmicas, detectando a presença de laços familiares, confessionais ou de parcerias entre a «naçáo». Não queremos com isto tornar inválidas as conclusões bem fundamentadas por tantos outros autores. Não negamos a existência de uma sobreposição de laços familiares, confessionais ou de pertença a uma mesma unidade geográfica no estabelecimento de relações comerciais ou financeiras. As conclusões divergentes deste estudo baseiam-se não numa descrição qualitativa e exaustiva dos parceiros de Simon Ruiz, mas antes numa avaliação estatística e quantitativa, que demonstra que, no total de agentes envolvidos nesta rede de negócios, os indivíduos da família Ruiz, outros agentes «conversos» ou mesmo castelhanos não representavam nem a maioria dos parceiros, nem o seu peso e centralidade eram essenciais ao funcionamento eficiente da rede.

Também a escala financeira em que se verificavam estes contactos parece ter sido determinante. O carácter mais ou menos endogâmico de uma rede de negócios poderá ter sido desencadeado pelo grau de riqueza envolvida, abundância e necessidade de crédito, e melhor conhecimento da realidade local onde se faziam os negócios. A falta de estudos com um enfoque empírico e metodológico semelhante não permitem, por enquanto, um estudo comparativo sério e rigoroso que faculte respostas sólidas a esta questão.

Ainda assim alguns estudos recentes sobre grupos mercantis da Época Moderna permitem-nos reunir dados dispersos sobre esta matéria da real préeminencia de redes mercantis endogâmicas. Por exemplo, os representantes dos Judeus Sefarditas de Amesterdão em Antuérpia ou no Brasil na centúria de seiscentos não eram nem familiares, nem mercadores sefarditas. Roitman reporta elevados níveis de ligações exogâmicas como essenciais à consolidação do comércio:

«this permeability was aided by the complex identity of the elite Sephardic merchants themselves, many of whom were as much (or more) Iberian, trans-national, and mercantile-oriented than Jewish, and were not noticeably different in appearance or, in many ways, behavior from non-Sephardic Iberian merchants in the Netherlands»59.



No estudo dos Echevarris de Bilbau, parceiros de Simon Ruiz e aparentemente cristãos velhos, Jean-Claude Priotti enfatiza o facto de esta família ter adoptado aquilo que designa por «estrategia introvertida», uma vez que também não elegeu membros da família para agenciamento do seu negócio em diferentes praças comerciais60.

Conclusão semelhante é a de Leonor Freire Costa et al. no estudo das redes de negócio de exploração mineira e comércio aurífero do Brasil setecentista, acentuando que determinante para o agenciamento seria um melhor conhecimento da realidade do negócio em determinada praça, a que se juntavam critérios que solidificavam a confiança, que não derivavam do facto de se pertenecer a uma mesma família61.

Mas seria o status social ou religioso ou a dimensão financeira dos agentes envolvidos em determinada rede um factor determinante na (im)permeabilidade de uma rede de negócios a agentes externos ao grupo familiar, confessional ou de naturalidade? Acreditamos que sim, mas apenas estudos comparativos apontarão resultados mais conclusivos.





 
Indice