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Ato III

A mesma sala

Cena I

LUCAS, só.

LUCAS está olhando para o lado da sala de jantar, de onde chegam os sons de um bandolim.

LUCAS

(Só.)

Não há que ver: João Ramos não se lembra
De que o espero aqui há meia hora.
Ele está preso ao bandolim da filha,
O olhar interessado, o ouvido atento,
A boca aberta, as mãos sobre os joelhos.
5
Oh, que velho tão bom! que pai ditoso!
Neste instante ninguém capaz seria
De arrancá-lo daquele doce enlevo!
Ouvindo aqueles sons melodiosos,
Ele talvez na mente rememore
10
O tempo em que Ambrosina era assinzinha,
E no seu colo adormecia às vezes.

(O bandolim cala-se. Aplausos.)

Ela acabou. O velho levantou-se.
Para este lado olhou. Viu-me.

(Faz um sinal para dentro.)

Ora graças
Ele aí vem finalmente. Ei-lo comigo.
15
Queira Deus que lhe agrade a minha idéia.
Do contrário não temos nada feito.

Cena II

LUCAS, RAMOS.

RAMOS
Lucas, meu filho, desculpa,
E não me acuses a mim,
Pois quem teve toda a culpa
20
Foi aquele bandolim.
Quando a pequena dedilha
As duas cordas, sei lá!
Deixa de ser minha filha:
É um anjinho que aí está!
25
Minh'alma sinto levada
Para outro mundo melhor;
Não vejo nem ouço nada
Do que se passa em redor!
Se o copeiro me dissesse:
30
«Há fogo em casa, patrão!»,
Talvez por isso não desse,
Nem lhe prestasse atenção!
Não me queiras mal, portanto,
Se mais depressa não vim;
35
Quem te fez esperar tanto
Foi aquele bandolim.
LUCAS
Mas vamos ao que se trata.
RAMOS
Estou sempre ao teu dispor.
Alguma negociata
40
Tu me desejas propor?
Queres que eu seja teu sócio?
LUCAS
Não senhor; para tratar
Aqui de qualquer negócio,
Havia de procurar
45
Ocasião mais propícia,
Sem César nem Benjamin,
E não iria à delícia
Roubá-lo do bandolim.
RAMOS
Oh, meu rapaz! tu me assustas!
50
Onde queres tu chegar?
LUCAS
Sossegue; as almas robustas
Não têm de que se assustar.
Uma inverossimilhança,
Que poderá fazer rir,
55
É não acha? Uma criança
A um velho os olhos abrir;
No entanto, o fato é patente!
RAMOS
Mas não me dirás, enfim?...
LUCAS
Trata-se precisamente
60
Da dona do bandolim.
Dos dois moços namorados,
Que hoje almoçaram aqui,
Já foram bem estudados
Pelo senhor?
RAMOS
E por ti?
65
LUCAS
Por mim o foram, e juro
Que nenhum deles convém!
RAMOS
Ó Lucas, eu te asseguro
Que são dois homens de bem!
LUCAS
É César Santos matreiro
70
Um caça-dotes ruim,
Que faz questão de dinheiro
E não faz de bandolim!
RAMOS
Semelhante impertinência
Me espanta nos lábios teus!
75
LUCAS
Proponho uma experiência
E o aconselho...
RAMOS
Ora adeus!
Dás-me um conselho? Ao que vejo,
Inverteram-se os papéis!
LUCAS
Mal empregado badejo
80
De vinte e cinco mil réis!

(Ouve-se o bandolim.)

RAMOS
Deus te dê o que te falta!
Ouves?
LUCAS
Ouço.
RAMOS
Plim, plim, plim!
Sabes que mais, meu peralta?
Não resisto ao bandolim.
85

(Quer retirar-se. LUCAS toma-lhe a passagem.)

Venha cá! Falo sério! Não se ria!
César Santos não gosta de Ambrosina,
Ou antes, gosta, como gostaria
De outra qualquer menina
Que fosse linda e que tivesse dote...
90
Ele quer dar-lhe um bote!
RAMOS
Mas como sabes disso?
LUCAS
Ele em pessoa
Me declarou que assim pensava.
RAMOS
É boa!
LUCAS
Fingi-me um patifão da sua laia;
Captei-lhe a confiança prontamente,
95
E dei-lhe um vomitório de poaia.
RAMOS
E vomitou?
LUCAS
Duvida!... O Lucas mente?...
RAMOS
Não vês que isso foi pala?
Quis brincar, está visto!
LUCAS
Pois bem, eu pela experiência insisto!
100
RAMOS
Lá vem de novo a experiência! Fala!
Como é que me aconselhas que manobre?
LUCAS
Chame-o de parte e diga-lhe que é pobre,
Que sua filha não tem dote... Invente!...
E se ele, ouvindo essa tremenda história,
105
Não se puser ao fresco incontinenti,
As mãos entregarei à palmatória.
RAMOS
Em todo o caso, é boa essa armadilha,
Porque me custaria ver casada,
Por ter um dote apenas, minha filha,
110
Quando com tantos outros é dotada...
LUCAS
Eu vou lá para dentro e aqui lho mando.
Mas não tenha vergonha:
Invente uma catástrofe medonha.
Suspire, se puder de vez em quando...
115
Coisas dirá incríveis, conjecturo;
Não se importe: ele é homem
Desses que todas as araras comem
E que o reino do céu tem já seguro
Diga que o jogo e os seus fatais caprichos
120
Levaram-lhe a maquia;
Que cem contos de réis perdeu nos bichos,
Cem na roleta, cem na loteria,
E cem na Bolsa!
RAMOS
Xi! que jogatina!
E o Benjamin Ferraz?
LUCAS
Ora! Ambrosina
125
Já tem um bandolim: outro dispensa.
RAMOS
Achas então que o moço?...
LUCAS
É mesmo um bandolim... de carne e osso.
Esse em dote não pensa.
RAMOS
Eu creio mesmo que não pensa em nada.
130
LUCAS
Mas fica essa figura reservada para depois.
Eu vou mandar-lhe o tipo.
Meus parabéns sinceros lhe antecipo.

(Sai.)

Cena III

RAMOS, só.

RAMOS

(Só.)

É levado da breca este meu Lucas!
Mas não é que ele teve uma lembrança
135
Que não acudiria a toda a gente?
Eu vou mentir... mas, ora adeus! se o faço,
É para o bem da minha filha amada,
E a mentira que vou pregar só pode
Prejudicar o próprio mentiroso,
140
Pois se a pílula engole o César Santos,
Vai dizer por ai que estou quebrado;
Mas como a ninguém devo, que me importa?
Ele aí vem. Temos cena de comédia!
Coragem! vou pregar uma mentira
145
Pela primeira vez na minha vida...

Cena IV

RAMOS, CÉSAR.

CÉSAR
Desejava falar-me, senhor Ramos?
RAMOS
Desejava falar-lhe, senhor César.

(Dando-lhe uma cadeira.)

Tenha a bondade, sente-se.
CÉSAR
Obrigado.

(Senta-se. RAMOS senta-se também.)

Estou às suas ordens.
RAMOS
Meu amigo,
150
O senhor, uma noite, no Cassino,
Minha filha encontrou, dançou com ela,
E no dia seguinte pela porta
Começou a passar de nossa casa
Todas as tardes, mesmo se chovia.
155
Se à janela a pequena me bispava,
Tirava-lhe o chapéu amavelmente,
E lhe sorria assim de certo modo...
Achando no senhor um bom partido,
Por saber, de pessoas fidedignas,
160
Que está perfeitamente encaminhado,
Para almoçar comigo convidei-o,
E preparei um suculento almoço
Com algum sacrifício...
CÉSAR

(À parte.)

Sacrifício?
RAMOS
Para não parecer que eu convidava
165
Um namorado, e lhe impingia a filha,
O Benjamin Ferraz, aparecendo,
Foi também convidado.

(À parte.)

Esta mentira
Não estava no programa.

(Alto.)

O que eu queria,
Trazendo-o para junto de Ambrosina,
170
Era fazer com que se aproximassem
E se entendessem de uma vez por todas.
Ficam-lhe abertas desta casa as portas.
CÉSAR

(Erguendo-se.)

Muito obrigado, senhor Ramos.
RAMOS
Sente-se.

(CÉSAR senta-se.)

Antes, porém, que as coisas vão mais longe,
175
Uma revelação fazer-lhe quero
Imposta pela minha lealdade.

(À parte.)

Lá vai!

(Alto.)

Sou pobre.
CÉSAR

(Erguendo-se como tocado por uma mola.)

É pobre!
RAMOS
Muito pobre.
Infelizmente perdi tudo. Sente-se.
CÉSAR

(Seco.)

Estou perfeitamente.
RAMOS

(Erguendo-se.)

Nesse caso,
180
Levanto-me eu também, meu caro amigo.
CÉSAR
Mas como foi?...
RAMOS
Cavalarias altas!
Joguei na baixa.
CÉSAR
E perdeu tudo?
RAMOS
Tudo,
A começar pelo juízo... Apenas
Desse naufrágio me escapou a honra.
185
CÉSAR

(Naturalmente.)

Mas de que vale a honra sem dinheiro?
RAMOS

(Depois de estremecer como se o esbofeteassem.)

Basta! não é preciso ouvir mais nada!
Lucas, vem cá!
CÉSAR
Que significa isto?
RAMOS
A experiência fica em meio apenas.

Cena V

RAMOS, CÉSAR, LUCAS.

RAMOS

(A LUCAS que entra.)

Imaginavas que este sujeitinho,
190
Ouvindo-me dizer que eu era pobre,
Ao fresco se pusesse incontinenti;
Pois bem: sou eu, vais ver, que o ponho fora
Da minha casa honrada, e, se o não ponho
A pontapés, é porque nesta idade
195
Não há mais pontapés que deixem marca!
CÉSAR
Senhor!
RAMOS

(A LUCAS.)

Quando eu lhe disse que era pobre,
Mas que era honrado, respondeu-me, filho,
Que a honra nada vale sem dinheiro!
LUCAS
O dinheiro sem honra há quem prefira.
200

(Vai buscar a bengala e o chapéu de CÉSAR.)

RAMOS
Saia já desta casa!

(Movimento de CÉSAR. Com mais força.)

Saia!
LUCAS
Saia...
E nada lhe responda: é o mais prudente.

(CÉSAR encolhe os ombros, toma o chapéu e sai com arrogância. RAMOS fica muito agitado, a percorrer a cena.)

Cena VI

RAMOS, LUCAS.

RAMOS
Que cinismo! Que despejo!...
Quatro murros merecia!...
LUCAS
Então? Eu não lhe dizia?
205
Mal empregado badejo!
Vamos lá! Não se apoquente,
Que está salva a sua filha...
Mas olhe que se ele a pilha!...
RAMOS
Não a pilhou felizmente!
210
LUCAS
Temos o outro namorado
E uma nova experiência...
RAMOS
Mas esse -tem paciência-
É moço muito educado,
Incapaz de dar-me um couce
215
Como aquele sevandija!

(Falando para a porta por onde CÉSAR saiu.)

Há de haver quem te corrija,
Meu descarado!
LUCAS
Acabou-se.
Não se trata desse agora,
Mas do bandolim Ferraz...
220
RAMOS
Que também me deixe em paz!
Que também se vá embora!
Se um bruto casa com ela,
Um dia prego-lhe um tiro!
LUCAS
Esteja calmo.
RAMOS
Prefiro
225
Que vá de palma e capela
Quando morrer!

(Pausa, durante a qual o velho procura serenar-se.)

Mas que dizes
Do tal namorado piegas?
Já agora acredito às cegas
Em tudo de que me avises!
230
LUCAS
Não creio que ele pratique
Uma ação indecorosa:
Mas é muito tolo... é prosa...
Presta-se muito ao debique,
E de ridículo a dose
235
Que traz em si, permanente,
Refletirá fatalmente
Sobre a mulher que ele espose.
Há de ser um desconsolo,
Meu caro, que a filha sua,
240
Sempre que sair à rua
Vá pelo braço de um tolo.
Ele tem muitas patacas,
E ainda há de herdar de uns matutos,
Para comprar mais charutos
245
E novas sobrecasacas;
Mas todo esse cobre junto,
Toda essa bela milhança,
Entrando em conta a esperança
Dos sapatos de defunto,
250
Que vale nas mãos de um homem
Desses -e é grande a cambada!-
Que, não produzindo nada,
Enormemente consomem?
Quem vive dessa maneira,
255
E do seu fausto se gaba,
Por via de regra acaba
Por não ter eira nem beira.
Ambrosina -coisa horrível!-
Nas mãos desse desfrutável,
260
Tem a pobreza provável,
Tem a miséria possível!
RAMOS

(Erguendo-se.)

Qual há de ser o espantalho?
LUCAS
À puridade lhe diga:
«Quer casar coa rapariga?
265
Pois bem: procure trabalho!».
Se o senhor assim o avisa,
Faço todas as apostas
Em como, voltando as costas,
Ele aqui nunca mais pisa.
270
RAMOS
Pois manda-o cá!
LUCAS
Vou mandá-lo.
Verá como a coisa pega!
Fale-lhe teso!
RAMOS
Sossega:
Teso, bem teso lhe falo!

(LUCAS sai.)

Cena VII

RAMOS, só.

RAMOS

(Só.)

Oh! venturoso o pai que lhe entregar a filha!
275
Vinte e dois anos só! Quando este bigorrilha
Contar os que já conto, há de ser um portento!
Aquilo sim, senhor, aquilo é que é talento!
É ele a boca abrir, são flores e mais flores!
Até me faz lembrar Jesus entre os doutores!
280
Devia tê-lo feito entrar na Academia...
Que brilhante orador, que bacharel daria!...

Cena VIII

RAMOS, BENJAMIN.

RAMOS
Venha, meu caro amigo, e me desculpe
Se o privei de mais doce companhia;
Mas é preciso que nos entendamos
285
Sobre assunto que muito me interessa.
BENJAMIN
Antes de prosseguir, Senhor João Ramos,
Cumprimentá-lo quero entusiasmado:
Tem uma filha verdadeiramente
Artista; o bandolim, nas delicadas
290
Mãos de dona Ambrosina, diviniza-se!
Ouvi três peças cada qual mais bela!
Que brio! que expressão! que sentimento!...
RAMOS
Gosta muito de música?
BENJAMIN
Muitíssimo.
RAMOS
E que instrumento é o seu?
BENJAMIN
Nenhum.
RAMOS
É pena.
295
BENJAMIN
Mas tive um primo que tocava flauta.
RAMOS
Queira sentar-se aqui nesta cadeira,
E prestar-me atenção.
BENJAMIN

(Sentando-se.)

Sou todo ouvidos.
RAMOS

(Depois de sentar-se também.)

Há quinze dias, no Teatro Lírico,
Num camarote eu estava coa família
300
E o senhor na platéia.
BENJAMIN
A companhia
Cantava o Mefistófeles, de Boito.
RAMOS
Mas o senhor pouca atenção prestava
À Margarida, ao Fausto e ao Mefistófeles,
E do meu camarote não tirava
305
Os olhos, com binóculo ou sem ele.
Bom. Nós éramos três no camarote...
BENJAMIN
O senhor, a senhora dona Angélica
E a nossa genial bandolinista.
RAMOS
Ora, não creio que os olhares fossem
310
Dirigidos a mim, que sou marmanjo,
Nem a minha mulher, que é mulher velha;
Não é preciso, pois, ser muito esperto
Para ver que o seu alvo era Ambrosina.

(BENJAMIN sorri.)

Acabado o espetáculo, na porta
315
O senhor esperou por nós... por ela,
Quero dizer, e suspirou tão alto,
Que a atenção provocou de toda a gente!
BENJAMIN

(Suspirando.)

Ai! não sei suspirar de outra maneira!
RAMOS

(À parte.)

Vá suspirar pro diabo que o carregue!
320

(Alto.)

Já na manhã seguinte o seu cavalo
Passava com o senhor em cima dele,
E nas outras manhãs esse passeio
Reproduzido foi às mesmas horas.
E se à janela minha filha estava,
325
O senhor lhe fazia um cumprimento,
Caracolando com mais graça, e ela
Correspondia ao cumprimento.
BENJAMIN
Vejo
Que tudo sabe.
RAMOS
Eu sou bom pai.
BENJAMIN
Decerto.
RAMOS
Achando no senhor um bom partido,
330
Para almoçar comigo convidei-o,
E, pra não parecer que convidava
Um namorado e lhe impingia a filha,
O César Santos...
BENJAMIN
Onde está?
RAMOS
Muscou-se.

(Continuando.)

O César Santos, que conosco estava,
335
Foi também convidado. O que eu queria,
Trazendo-o para junto de Ambrosina,
Era fazer com que se aproximassem
E se entendessem de uma vez por todas.
BENJAMIN

(Erguendo-se.)

Senhor João Ramos, eu não sei quais sejam
340
Os sentimentos dela a meu respeito,
Porque, se bem que nos aproximássemos,
Inda não conversamos um com o outro;
Se ela quiser ser minha esposa amada
E da minha riqueza ter metade,
345
O mais feliz serei dos namorados;
Se não quiser, o mais inconsolável.
Inda há poucos momentos eu gostava
De sua filha pela formosura
Com que a dotou a natureza apenas;
350
Mas depois que a ouvi, arrebatado,
Naquele doce bandolim, que as pedras,
Como a lira de Orfeu, mover podia,
Sinto aqui dentro uma impressão mais forte!
Isto é amor, não é namoro; isto
355
É mais que amor, talvez; paixão, quem sabe?
RAMOS

(Erguendo-se.)

Paixão? Não exagere meu amigo!
BENJAMIN

(Idem.)

As paixões, meu senhor, assim começam.
O que é preciso para transformar-nos?
Um simples bandolim!
BENJAMIN
Antes que as coisas
360
Vão mais longe, meu caro, é indispensável
Que sobre um grave assunto conversemos,
Muito mais positivo e mais...
BENJAMIN
Permita
Que o interrompa. Eu sei de que se trata.
Sou rico, sou riquíssimo: não quero
365
Coisa nenhuma. Ela tem dote? Guarde-o!
Nada tenho com isso. O meu dinheiro
De nós ambos será. Divido tudo;
Só não divido o coração, que é dela!
RAMOS

(À parte.)

O Lucas enganou-se.
BENJAMIN
Ela que faça
370
Do dote o que quiser. O meu desejo
Era esposar uma donzela pobre...
Dona Ambrosina tem um patrimônio
No nome de seu pai: isso me basta,
Porque dote melhor não há que a honra.
375
RAMOS

(Entusiasmado.)

Sim, senhor! Isto é que é falar! Amigo,
Quero apertá-lo nos meus braços! Viva!

(Depois do abraço.)

Mas não é disso que eu tratar queria...
BENJAMIN
Então fale, senhor! Ordene! Imponha
As condições que desejar, contanto
380
Que não me negue a mão de sua filha,
Porque eu não posso mais passar sem ela!
A tudo estou disposto!
RAMOS
A tudo?
BENJAMIN
A tudo!
RAMOS
A trabalhar também?
BENJAMIN
Eu não percebo.
RAMOS
Vai perceber. Exijo que o meu genro,
385
Embora seja rico, muito rico,
Tenha um meio de vida; que trabalhe;
Que em qualquer coisa ocupe a inteligência,
E que produza, não consuma apenas.
BENJAMIN
Aceito a condição. Não tenho jeito
390
Para coisa nenhuma nesta vida,
Mas estou pronto a trabalhar!
RAMOS
Deveras?
BENJAMIN
Faço-me industrial: monto uma fábrica,
Ou lavrador e compro uma fazenda,
Ou negociante e abro uma casa.
RAMOS
Bravo!
395
BENJAMIN
Se o senhor consentir, serei seu sócio
Na loja de ferragens.
RAMOS
Bela idéia!
BENJAMIN
Ou serei simplesmente seu caixeiro,
E a vida levarei a contar pregos!
Finalmente, disponho-me ao trabalho!
400
RAMOS
Trabalhará?
BENJAMIN
Trabalharei, contanto
Que não me negue a mão de sua filha,
Porque eu não posso mais passar sem ela!
RAMOS
Dê-me algum tempo. Vou pensar no caso.

(À parte.)

Pois já não me parece tão ridículo!
405
BENJAMIN
Oh! temos muito tempo: este pedido
Não é ainda o oficial; se o fosse,
Eu seria incorreto. Ao vir pedir-lhe
Oficialmente a mão de sua filha,
Vestirei a casaca e trarei luvas.
410

(Vai sentar-se a examinar o álbum.)

RAMOS

(À parte.)

Voltou a ser ridículo, coitado!

Cena IX

RAMOS, BENJAMIN, LUCAS, depois AMBROSINA, depois ANGÉLICA.

LUCAS entra e, admirado de encontrar BENJAMIN, dirige-se a RAMOS.

LUCAS
Então ele ficou?
RAMOS
Meu filho, o resultado
Da experiência foi o mais inesperado!
LUCAS
Que me diz o senhor?
RAMOS
O pobre Benjamin,
Depois que minha filha ouviu ao bandolim,
415
Deitou paixão violenta, e ao trabalho se arroja!
Até diz que quer ser caixeiro lá na loja!

(Afasta-se e vai para junto de BENJAMIN.)

LUCAS

(À parte.)

Maldito bandolim! Desperta uma paixão
Que vai dificultar a minha situação!

(AMBROSINA entra e, admirada de encontrar BENJAMIN, dirige-se a LUCAS.)

AMBROSINA
Então ele ficou?
LUCAS
Menina, o resultado
420
Da experiência foi o mais inesperado!
AMBROSINA
Lucas, que estás dizendo?
LUCAS
O nosso Benjamin...
AMBROSINA
Acaba! Ele que fez?
LUCAS
Graças ao bandolim,
Deitou paixão por ti, e ao trabalho se arroja!
Até diz que quer ser caixeiro lá na loja!
425

(Afasta-se.)

AMBROSINA

(À parte.)

Maldito bandolim! Se adivinhasse tal,
Ou eu não tocaria ou tocaria mal!

(Entra ANGÉLICA e, admirada de encontrar BENJAMIM, dirige-se a AMBROSINA.)

ANGÉLICA
Então ele ficou?
ANGÉLICA
Mamãe, o resultado,
Da experiência foi o mais inesperado!
AMBROSINA
Que estás dizendo, filha?
AMBROSINA
O senhor Benjamin,
430
Quando me ouviu tocar, deitou paixão por mim!
ANGÉLICA
Paixão?
AMBROSINA
Paixão violenta! E ao trabalho se arroja!
Até diz que quer ser caixeiro lá na loja!
ANGÉLICA
E que intentas fazer?
AMBROSINA
Com ele conversar.
Livres do apaixonado havemos de ficar.
435
Leve papai pra dentro e tudo lhe revele...
Diga que o Lucas me ama e que eu sou noiva dele.
LUCAS

(Descendo entre as duas senhoras.)

Que estão a cochichar?
AMBROSINA
Vai lá pra dentro, vai!
Lá irá ter mamãe, lá irá ter papai.
LUCAS
Com ele ficas só? Vê lá o que vais fazer!
440
AMBROSINA
Nesta combinação não tens que te meter.

(LUCAS encolhe os ombros e sai.)

Chame papai.
ANGÉLICA
Ó João, vem cá; de ti preciso
Na sala de jantar.
RAMOS

(Erguendo-se, à parte.)

Oh, que mulher de juízo!
Já tudo compreendeu... e quer deixá-los sós.

(A ANGÉLICA.)

(ANGÉLICA sai.)

(A AMBROSINA.)

Um maridão!

(Sai.)

AMBROSINA
Pois sim!

(Olhando para BENJAMIN.)

Agora nós!...
445

Cena X

BENJAMIN, AMBROSINA.

BENJAMIN está tão entretido com o álbum, que AMBROSINA se aproxima dele sem ser pressentida.

AMBROSINA
Senhor Ferraz?

(BENJAMIN estremece, levanta-se e deixa o álbum.)

BENJAMIN
Minha senhora?
Ninguém aqui?... Ninguém!... Só nós!...

(Quer retirar-se.)

AMBROSINA
Oh! venha cá..... não vá-se embora...
Meto-lhe medo?
BENJAMIN
Estamos sós...
AMBROSINA
Não é razão para fugir-me.
450
BENJAMIN
Mas eu não devo aqui ficar.
Do savoir-vivre às leis sou firme!
Vou para a sala de jantar.
AMBROSINA
Espere... Peço-lhe que fique...
BENJAMIN
Devo, portanto, obedecer.
455
AMBROSINA
É necessário que eu lhe explique...
Tenho uma coisa que dizer.
BENJAMIN
Tremendo estou! De que se trata?
AMBROSINA
Dessa... paixão que tem por mim.
BENJAMIN
Paixão terrível, insensata,
460
Que devo àquele bandolim!
AMBROSINA
Pois bem, senhor: de mim se esqueça...
Não alimente essa paixão...
Busque outra moça que o mereça
E tenha livre o coração!
465
BENJAMIN
Porém seu pai, minha senhora...
AMBROSINA
Só do que é seu pode dispor:
Não quererá impor-me agora
Um casamento sem amor!
BENJAMIN
Essas palavras, proferidas
470
Pelos seus lábios virginais,
São cruéis armas homicidas!
Não são palavras: são punhais!
AMBROSINA
Esta satisfação aceite...
BENJAMIN
Quem é, senhora, o meu rival?
475
AMBROSINA
Lucas, o meu irmão de leite.
BENJAMIN
Ele?! No entanto...

(À parte.)

Então? Que tal?

(Alto.)

Amam-se?
AMBROSINA
Oh! desde pequenos!
BENJAMIN

(Levando a mão ao peito.)

Data, senhora, esta afeição
De menos tempo...
AMBROSINA
Muito menos.
480
BENJAMIN
Mas não tem menos intenção!
AMBROSINA
Senhor não vá ficar magoado,
O savoir-vivre assim o quer...
Quem o lugar achar tomado,
Outro procure se quiser.
485
BENJAMIN
Diz muito bem.

(Vai buscar o chapéu e a bengala.)

Oh! fados cegos!
Mágoa cruel comigo vai!
E eu estava pronto a contar pregos!
A ser caixeiro de seu pai!

(Limpa uma lágrima.)

AMBROSINA
Outra o compreenda! Outra o console!
490
BENJAMIN
Vou viajar, pois só assim
Do peito meu talvez se evole
O último som do bandolim!
Adeus, ó sonho meu perdido!
AMBROSINA
Não se despede de meus pais?
495
BENJAMIN
Bastantemente despedido
Já estou aqui. Para que mais?
Que Deus a faça venturosa
Hei de a rezar pedir a Deus!
Adeus, quimera cor de rosa!
500
Sonho... ilusão... visão, adeus!

(Sai.)

AMBROSINA

(Só.)

Pobre rapaz!

Cena XI

AMBROSINA, RAMOS, LUCAS, ANGÉLICA, depois O COPEIRO.

RAMOS
Ambrosina!
Vem cá, filhinha, vem cá!
ANGÉLICA
Não assustes a menina!
RAMOS
O Benjamin onde está?
505
AMBROSINA
Deixou-lhe muitas lembranças.
LUCAS
Foi-se?
AMBROSINA
Foi... rezar por mim.
RAMOS
Oh, senhor, estas crianças!
Coitado do Benjamin!
ANGÉLICA
Mas tu... tu nada nos dizes?
510
RAMOS
Mulher, que posso eu dizer?
Felizes, muito felizes
Conto que ambos hão de ser.

(Entre LUCAS e AMBROSINA.)

Mas como nem um momento
Eu me lembrei, filhos meus,
515
De que era este casamento
Aconselhado por Deus?
Como visse os dois maganos
Crescerem nas minhas mãos,
Durante vinte e dois anos
520
Considerei-os irmãos!
Não me entrou na fantasia,
Nem um minuto sequer,
Que dois irmãos algum dia
Fossem marido e mulher!
525
E eu, tonto, andava à procura
De um genro na multidão,
Sem reparar que a ventura
Tinha ao alcance da mão!

(Deixando-os.)

A culpa tiveste-a, Lucas!
530
Não foste franco, por quê?
E vocês, suas malucas,
Tiveram medo, de quê?
LUCAS
Temiam que o casamento
Não lhe agradasse talvez...
535
RAMOS
Se não há impedimento!
Valha-me Deus, que vocês!...
Que todo o mundo respeite
A suspirada união!
Beberam do mesmo leite?
540
Pois comam do mesmo pão!
O COPEIRO

(Entrando.)

O jantar está na mesa.
RAMOS
Sim, senhor. Pode sair,
Mas vá, com toda a presteza,
Essa casaca despir!
545

(O COPEIRO sai.)

As etiquetas dispenso!
Eu para luxos não dou!
ANGÉLICA
Do badejo que era imenso,
Um bom pedaço ficou.
RAMOS
Do tal almoço é sobejo!
550
Manda-o da mesa tirar!

(ANGÉLICA sai.)

LUCAS
Mal empregado badejo!
RAMOS
Meus filhos, vamos jantar.

(Cai o pano.)